Em abril de 2021, o empresário João Fieschi, de 53 anos, desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Morador de Connecticut, nos Estados Unidos, ele não veio a São Paulo a passeio ou a trabalho. O motivo de sua estadia foi outro: fazer uma cirurgia bariátrica no Brasil. À época, ele pesava 143 quilos. “Até pensei em operar nos Estados Unidos, mas não deu. Lá, eu teria que passar dos 155 quilos para o seguro de saúde pagar a cirurgia. Ou desembolsar entre 35 mil e 45 mil dólares (algo em torno de R$ 200 mil a R$ 250 mil, na cotação atual) e operar em uma clínica particular. Não tenho esse dinheiro”, admite o engenheiro mecânico que trocou de país em 1999 e, atualmente, trabalha no ramo automotivo.
A saída encontrada foi fazer a cirurgia de redução do estômago a 7.736 quilômetros de casa. No Brasil, ele pagou o equivalente a 9,2 mil dólares (aproximadamente R$ 50 mil), entre passagens aéreas, diárias em hotel 4 estrelas, exames, cirurgia e hospital.
O lado financeiro não é o único a impulsionar o turismo médico. Segundo Luiz Vicente Berti, vice-presidente executivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), há outros fatores em jogo. Um dos diferenciais é a qualidade do serviço médico e hospitalar. “No Brasil, não podemos reutilizar material cirúrgico. Tudo é descartável e só pode ser usado uma única vez”, avisa Berti. “Há países que oferecem preços ainda mais baixos. Mas, ao contrário do Brasil, o material é usado duas, três, cinco vezes. Isso aumenta o risco de infecção hospitalar”, alerta.
Segundo o médico, os EUA são o país que mais “exporta” pacientes para o Brasil – alguns deles são nativos; outros, como o brasileiro João Fieschi, imigrantes. Já México e Colômbia são apontados pelo cirurgião como dois dos mais fortes concorrentes do Brasil no turismo médico da cirurgia bariátrica.
João Fieschi é o que a Medical Tourism Association (MTA, na sigla em inglês) convencionou chamar de “turista médico”, ou seja: quando um paciente sai de seu país para fazer exame, consulta ou cirurgia em outro. De acordo com dados da MTA, o turismo médico é uma indústria que movimenta 100 bilhões de dólares e cresce de 15% a 25% por ano. “O Brasil é hoje um dos destinos mais procurados da América Latina”, afirma Jonathan Edelheit, CEO da associação.
No ranking latino-americano, ocupamos o quinto lugar. Com um índice de 64.35, estamos à frente de Panamá (62.77), Jamaica (60.74), México (59.47) e Guatemala (55.04) e atrás de Costa Rica (71.73), República Dominicana (66.32), Argentina (66.26) e Colômbia (64.95). No ranking global, caímos para o 28º lugar. O índice de turismo médico (MTI) leva em consideração atratividade, segurança e qualidade.
O “boom” do turismo médico levou o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, a inaugurar, em abril, um espaço de acolhimento para pacientes de outros países no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Entre os serviços, os viajantes podem tirar dúvidas, agendar consultas ou marcar exames em inglês ou espanhol. O hospital, que tem unidades em São Paulo e em Brasília, atende cerca de 14 mil pacientes estrangeiros por ano – uma média de 1.160 por mês.
Entre os países que mais procuram atendimento, Felipe Moura Kaneno, gerente de Relações Internacionais e Corporativas, cita Uruguai, Paraguai e Bolívia e, entre os procedimentos mais requisitados, destaca os tratamentos oncológicos e cardiológicos. “Há pacientes oncológicos que, durante seu tratamento, viajam mais de 20 vezes para São Paulo”, acrescenta Kaneno. Enquanto uns fazem questão de ouvir uma segunda opinião médica, outros não abrem mão de se submeter a cirurgias robóticas, técnica ainda pouco difundida na América Latina.
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Especialidades em alta
A cirurgia bariátrica não é a única especialidade procurada por estrangeiros. Há pelo menos mais oito, lista Josef Woodman, fundador e CEO da Patients Beyond Borders: cardiologia, odontologia, neurologia, oncologia e ortopedia e, ainda, as cirurgias plástica, cardíaca e da coluna.
Dessas, uma se destaca das demais: a cirurgia plástica. “O Brasil é o eterno lar doce lar do mais famoso cirurgião plástico do planeta”, explica Woodman. Apelidado pela revista alemã Der Spiegel de “Michelangelo do bisturi”, Ivo Pitanguy (1923-2016) operou, entre outros famosos, o piloto austríaco Niki Lauda (1949-2019) e as atrizes italianas Gina Lollobrigida (1927-2023) e Sophia Loren. “Nossos médicos são os mais qualificados e nossos hospitais, os mais seguros e confiáveis”, orgulha-se Volney Pitombo, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Atualmente, só os EUA fazem mais procedimentos estéticos do que o Brasil: 6,1 milhões, contra 3,3 milhões. Tais procedimentos costumam ser divididos entre cirúrgicos (2,1 milhões) e não cirúrgicos (1,1 milhão). No primeiro grupo, o mais procurado é a lipoaspiração – a técnica é usada para retirar o excesso de gordura de uma determinada parte do corpo do paciente –, que responde por 14% dos procedimentos. No segundo, a toxina botulínica, o popular “botox”, substância que previne o aparecimento de rugas, por 47,7% dos casos.
Uma curiosidade: dos 3,3 milhões de procedimentos realizados no Brasil, 14,2% deles, ou seja, 480 mil, são em pacientes de outros países. No caso, as nações que mais procuram o Brasil para fazer cirurgia plástica, de natureza estética ou reconstrutiva, são Argentina, EUA e França. Os dados são da International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS).
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Qualidade do serviço
Se nossos médicos estão entre os mais qualificados do mundo, nossos hospitais estão entre os mais seguros e confiáveis. “De todos os latino-americanos, o Brasil é o país que tem o maior número de hospitais credenciados pela Joint Commission International (JCI)”, observa Josef Woodman, referindo-se à líder global em certificação de instituições de saúde. “São mais de 60″.
No Brasil, algumas dessas instituições são o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, e o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Só no primeiro semestre de 2024, o hospital gaúcho registrou um aumento de 134% na procura por estrangeiros em relação ao mesmo período de 2023. “Já houve casos de pacientes que saíram de seu país por causa da morosidade do sistema de saúde. No Brasil, o atendimento é mais fácil e rápido”, afirma Mohamed Parrini, CEO do Moinhos de Vento.
Fenômeno parecido ocorre no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. “Há casos de pacientes com um bom sistema público de saúde, como a Inglaterra e o Canadá, mas os prazos são longos e o paciente não quer esperar”, explica Douglas Felipe, gerente de Inteligência de Dados e Negócios da instituição.
Por essas e outras, o hospital lançou, há dois meses, o Manual do Paciente Internacional, online e trilíngue. Nele, o futuro paciente encontra, nas versões inglês e espanhol, informações sobre consultas, exames e cirurgias e, também, indicações de casas de câmbio a empresas de turismo nas proximidades do hospital. “Somos bastante procurados por pacientes de outros países da América Latina. Mas, por sermos fundado por um grupo de imigrantes de língua alemã, também recebemos pacientes da Europa, principalmente da Alemanha, Portugal e Polônia”, completa Douglas.
O Hospital Israelita Albert Einstein também tem direcionado atenção ao atendimento de pacientes internacionais. Nos últimos 5 anos, a organização identificou um aumento médio de 35% no volume de pacientes estrangeiros, sobretudo nas áreas de oncologia, cardiologia e neurologia; exames de check-up; e segunda opinião em diversas especialidades.
Em relação às nacionalidades que mais procuram o hospital, há grande fluxo de pacientes da América do Sul, principalmente de países como Bolívia e Paraguai.
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