“Minha pinta se chama nevo melanocítico congênito”, explica, como explicou ao longo de toda sua vida, a modelo Mariana Mendes. “Basicamente na minha formação, quando estava na barriga da minha mãe, houve um acúmulo de melanina na pele – no caso, a do rosto. Só que normalmente o acúmulo é menor, por isso a gente tem varias pintas espalhadas pelo corpo. E no meu, foi maior.”
Desde que nasceu, Mariana sabia que sua condição rara a fazia diferente dos outros. Mas em vez de se deixar intimidar pelos olhares estranhos ou pelas piadas de mau gosto, ela fez daquilo a sua melhor qualidade. Hoje, ela continua tratando com positividade – e às vezes uma pitada de ironia – os comentários incômodos que ouve – e busca questionar os padrões de beleza nas redes sociais.
Há 30 anos, a diversidade de corpos, rostos e cores nos desfiles de moda e nas capas de revistas era baixa. O “diferente” era determinado como fora do padrão – padrão esse que corresponde a uma porcentagem baixíssima da população – e, consequentemente, deveria ficar fora dos holofotes. Ainda há muito a evoluir, mas hoje sem dúvida há mais pessoas ganhando fama justamente pela sua singularidade. Foi assim com Mariana Mendes.
“Uma repórter inglesa me achou no Instagram, viu que eu não escondia minha pinta nas fotos e comentou que queria fazer uma entrevista comigo sobre a minha boa relação com ela”, lembra. “Eu topei, pensando que sairia em um blog, ou algo assim. Saiu no Daily Mail (um dos jornais britânicos mais populares na Inglaterra)”.
A partir dai, foram diversas entrevistas e participações em programas mundo afora. “Vieram muitos seguidores também. E eu peguei isso como uma chance de falar diretamente com o público, para alcançar pessoas com características diferentes e levar uma mensagem positiva, de inspiração”, conta.
Hoje, a modelo e criadora de conteúdo conta com 134 mil seguidores e busca contestar os padrões de beleza com o alcance de suas redes. “A representatividade é uma coisa essencial. E não só sobre a pinta. Pessoas que têm características diferentes se veem em mim. E veem que podem chegar a algum lugar. É importante se reconhecer nos espaços, se sentir parte do todo.”
Depois de participar da exposição How Do You C Me Now? (Como você me vê agora, em tradução livre, fazendo uma brincadeira com as siglas da condição, CMN) em Londres, ela se sentiu assim. Ali, outras 30 pessoas de várias nacionalidades que também têm o nevo melanocítico congênito, dividiram o mesmo espaço e celebraram suas pintas grandes. “Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Eu lembro de ver essas pessoas e sentir uma sensação de pertencimento, de pensar ‘caramba, eu sou como você’”, diz.
SEGURANÇA
Quando Mariana nasceu, ainda na sala de parto, dona Leninha, sua mãe, estranhou a demora dos médicos em trazer a filha para ela. Até que perguntou o que estava acontecendo e eles explicaram sobre o nevo no rosto da filha. “Minha mãe lidou superbem desde o momento em que ela me viu. E eu via muito o jeito como ela falava com as pessoas, afinal, quando eu era criança, lhe perguntavam o que era aquilo no meu rosto. E ela sempre respondia de uma forma positiva: ‘você viu que linda? É uma pinta de nascença. Olha como faz ela ser especial’. E parece que eu ia escutando ela falando isso e ia absorvendo.”
Apesar do amor pela característica diferente, isso nunca fez com que tanto mãe e filha ficassem atentas aos cuidados que a pinta exigia. “Ela sempre me levou ao dermatologista para ver se as células estavam saudáveis. Hoje, eu sempre faço uma autoanálise, que é basicamente observar se ela não está mudando de tamanho ou de cor. Mesmo assim, a cada seis meses vou ao dermatologista”, diz.
Não vai ser um comentário ruim, ou um olhar me julgando na rua que vai mudar o que eu penso sobre mim
Mariana Mendes, modelo
Por ser de uma cidade pequena, Patos de Minas (MG), seus amigos sempre foram os mesmos. O que fez todos se acostumarem com a pinta de Mariana e não a “atormentarem” tanto com apelidinhos. “Claro que teve uma fase em que isso era mais frequente, mas nunca me afetou psicologicamente, eu sempre consegui lidar de uma forma positiva.”
Nas redes, ela conta que alguns internautas mandam mensagens maldosas. Mas ela faz questão de responder publicamente, sem identificar o “hater”, para mostrar aos seguidores que a apoiam. “Eu divulgo para passar informação, para que saibam que não é legal ser assim com nenhuma característica de nenhuma pessoa. A gente nunca sabe como as pessoas lidam com as suas questões”, pondera.
Segura de si, Mariana diz que “não vai ser um comentário ruim, ou um olhar me julgando na rua que vai mudar o que eu penso sobre mim”. “Eu acho muito importante a gente saber o nosso próprio valor. Não posso deixar na mão dos outros o que eu sou.”
O segredo, segundo ela, é se cercar de pessoas que sejam parecidas com você – seja nas redes sociais ou na vida – e se basear no que as pessoas que te amam pensam de você. “Quanto mais você vê as características que você tem, mais vai se aceitar. Se autoanalisar, se olhar e se perceber também é uma forma de se aceitar.”
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