A Qdenga, vacina contra a dengue fabricada pela farmacêutica japonesa Takeda, foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023. Trata-se do primeiro imunizante de uso amplo contra a doença liberado no País. Anteriormente, a Anvisa havia aprovado a Dengvaxia, vacina da Sanofi Pasteur contra a dengue, mas que é indicada apenas a quem teve exposição anterior à doença.
Em julho de 2023, a Qdenga começou a ser oferecida pela rede privada no Brasil e, em dezembro do mesmo ano, foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se do primeiro País do mundo a disponibilizar o imunizante na rede pública de saúde. Devido ao número limitado de doses, contudo, inicialmente só crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de 521 municípios selecionados pelo Ministério da Saúde serão vacinados pelo SUS.
A previsão do Ministério da Saúde é de que o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue em 2024 – o dobro do que foi registrado em 2023 e que representaria um recorde histórico. A vacinação é uma ferramenta fundamental nesse cenário, embora os impactos coletivos da proteção não devam ser vistos rapidamente por conta do número pequeno de vacinados neste primeiro momento e pelo fato de o esquema vacinal ocorrer em duas doses com intervalo de três meses entre elas. Dessa forma, mesmo aqueles que estão recebendo as vacinas pelo SUS em fevereiro só estarão adequadamente imunizados em maio, quando a temporada anual de dengue já começa a arrefecer.
Diante da alta de casos e o maior interesse pela vacina, o Estadão buscou responder às principais dúvidas sobre o imunizante. Confira:
1. Quem pode tomar a vacina da dengue?
A Qdenga é recomendada a pessoas de 4 a 60 anos. Na rede particular, contudo, pessoas acima de 60 anos conseguem tomar a Qdenga mediante a apresentação de um pedido médico.
No início de fevereiro, porém, a Takeda informou que irá priorizar o fornecimento de novas doses para o SUS e que somente fornecerá ao sistema privado as doses faltantes para completar o esquema vacinal (composto por duas doses, com intervalo de três meses) daqueles que já receberam a primeira injeção.
2. Quanto custa a vacina da dengue na rede particular?
Os valores da dose Qdenga giram em torno de R$ 400. A informação tem como base levantamento realizado pelo Estadão junto aos laboratórios Delboni (R$ 419), Lavoisier (R$409), Alta (R$428) e nas farmácias Drogaria São Paulo (R$ 349) e Droga Raia (R$349). Vale destacar que, com a mudança no esquema de fornecimento das doses para o sistema privado pela Takeda, os valores podem mudar.
3. Por que a vacina da dengue não é indicada a idosos?
Porque não foram realizados estudos suficientes do imunizante para essa faixa etária. Segundo a Takeda, a Qdenga foi desenvolvida com base em uma pesquisa com mais de 28 mil pessoas de 1,5 a 60 anos em 13 países. Por isso, não há informações sobre a efetividade da vacina acima dessa faixa etária.
“Não tem a ver com efeitos colaterais, e sim com a falta de testes. Mas, como a Qdenga se mostrou segura para a população até os 60 anos, acredito que ela será liberada para os idosos em breve”, diz Rosana Richtmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Vale destacar que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (ANMAT), agência regulatória da Argentina, aprovaram o uso da Qdenga para toda a população a partir dos 4 anos.
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4. Por que crianças abaixo de 4 anos não podem tomar?
Diferente do que acontece com os idosos, crianças abaixo de 4 anos participaram das pesquisas para o desenvolvimento do imunizante. No entanto, a vacina se mostrou pouco eficaz para esse grupo, razão pela qual ela não é recomendada para essa faixa etária, segundo a Takeda.
A farmacêutica ressalta, contudo, que também não foram observados efeitos negativos do imunizante nessa população.
5. Grávidas e lactantes podem tomar a vacina da dengue?
Assim como acontece com a maioria dos imunizantes compostos por vírus atenuados, a vacinação com a Qdenga é contraindicada para gestantes e lactantes (ou seja, mulheres que estão amamentando). Segundo a bula, isso acontece por não haver evidências que garantam a segurança da aplicação em grávidas nem que o vírus atenuado da vacina não seja passado por meio do leite materno ao bebê.
Ainda de acordo com a bula, mulheres em idade fértil e com potencial para engravidar devem evitar a gestação por um mês após a vacinação.
A contraindicação vale também para pessoas que tenham demonstrado hipersensibilidade em relação à dose anterior e aos indivíduos com alguma condição de imunossupressão (que deixam o sistema imune enfraquecido).
6. Quanto tempo dura o efeito da vacina da dengue?
De acordo com a fabricante, o esquema completo de vacinação demonstrou eficácia de 80,2% na redução dos casos de dengue após 12 meses e de 90,4% de diminuição nas hospitalizações após 18 meses. Ainda, após quatro anos e meio da segunda dose, os estudos mostraram redução de 61,2% nos casos de dengue e de 84% nos casos de hospitalização.
7. Como é o efeito da vacina contra casos graves?
Segundo a Takeda, o esquema completo de vacinação da Qdenga demonstrou 90,4% de redução de hospitalizações por dengue e de 85,9% de redução de casos severos da doença na população geral, independentemente da exposição anterior à dengue.
8. Quais são as possíveis reações à vacina da dengue?
Segundo o Ministério da Saúde, dor no local da aplicação e dor de cabeça são as reações mais comuns após a aplicação da Qdenga.
9. Se eu estiver com suspeita de dengue, posso tomar?
Não. No caso de suspeita de dengue, a vacinação precisa ser adiada e um médico deve ser consultado, segundo o infectologista Marcelo Otsuka, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). O especialista explica ainda que, de forma geral, na presença de febre é melhor esperar para realizar a vacinação.
10. Quem está com dengue pode tomar?
Não. A recomendação para quem está com dengue é aguardar seis meses para tomar a vacina, segundo a Takeda. “Quem for diagnosticado com a doença no intervalo entre as doses deve manter o esquema vacinal, desde que o prazo não seja inferior a 30 dias em relação ao início dos sintomas”, informa a farmacêutica.
11. A vacina protege contra os quatro sorotipos da dengue?
A Qdenga é tetravalente e foi aprovada pela Anvisa para a prevenção da dengue causada por qualquer um dos quatro sorotipos do vírus (DENV-1, DENV-2, DENV3 e DENV4), independentemente de o paciente ter tido ou não exposição anterior à doença.
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12. Se eu tomar a primeira dose e não encontrar a segunda, o que devo fazer?
De acordo com a Takeda, foi demonstrada eficácia de 81% na redução da dengue sintomática após 30 dias da primeira dose. Contudo, segundo a farmacêutica, não há estudos que atestem a eficácia no médio ou longo prazo nesse cenário. Importante destacar que 95% dos participantes da pesquisa de desenvolvimento da Qdenga tomaram as duas doses e, por isso, a análise em relação àqueles que tomaram apenas a primeira dose é limitada.
O ideal, portanto, é completar o esquema vacinal. Ainda que a Takeda tenha anunciado que vai priorizar o fornecimento de doses da Qdenga ao SUS, ela afirma estar trabalhando para oferecer as doses necessárias para que as pessoas que tomaram a primeira dose na rede particular completem seu esquema vacinal.
“Estamos trabalhando junto aos nossos distribuidores para que as pessoas que tomaram a primeira dose do imunizante na rede privada completem o seu esquema vacinal de duas doses subcutâneas em um intervalo de três meses, cabendo às clínicas realizarem este controle”, informou o laboratório.
De qualquer forma, a Takeda acredita que tomar apenas uma dose da vacina vale a pena para “indivíduos que vivem em áreas não endêmicas ou que vão visitar países endêmicos e não têm tempo para receber a segunda dose antes da viagem”.
13. Por que é difícil aumentar a produção da vacina e o número de doses é limitado?
Segundo Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, há detalhes técnicos que dificultam uma escalada na produção. Em primeiro lugar, trata-se de uma vacina monodose. Isso significa que cada frasco tem apenas uma dose de Qdenga, o suficiente para imunizar somente um indivíduo. Esse tipo de produção dá mais trabalho.
Além disso, o imunizante é liofilizado, ou seja, a vacina líquida é transformada em pó – para aplicação, posteriormente, é acrescentado um diluente. Isso é feito porque vacinas líquidas são um produto instável e, em alguns casos, só a adição de um estabilizador não é suficiente. A técnica acrescenta mais tempo ainda à produção.
Tem outro detalhe: a fabricante da vacina, a Takeda, ainda não conta com uma planta de fábrica grande para ampliar a produção de maneira significativa.
14. Quando a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan será aprovada?
A vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan teve a eficácia confirmada, conforme divulgado pelo Estadão, em artigo publicado recentemente na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM), uma das mais prestigiosas do mundo. Na publicação, os pesquisadores descrevem que o imunizante teve 79,6% de eficácia em prevenir a doença.
A grande vantagem do imunizante produzido no Brasil é o esquema vacinal de dose única, capaz de induzir a imunidade mais rapidamente. A expectativa é de que o Butantan busque o registro da vacina junto à Anvisa ainda neste ano.
15. Por que a vacina da Sanofi não é recomendada para todos os públicos nem foi incorporada ao SUS?
A Dengvaxia, imunizante da Sanofi Pasteur, foi a primeira vacina contra a dengue a receber o registro no mundo e foi aprovada no Brasil em 2015, mas, meses depois após receber a licença, estudos pós-comercialização mostraram que ela aumenta o risco de dengue grave nos casos de vacinados que nunca tinham tido contato prévio com um dos sorotipos da doença.
Por isso, ela é recomendada somente para pessoas que já tiveram infecção prévia. Outra limitação é a faixa etária menos abrangente do que a da Qdenga: dos 9 aos 45 anos. Por essas razões, seu uso foi descartado pela maioria dos países do mundo como política pública de prevenção e ela não foi incorporada pelo Ministério da Saúde. /COLABORARAM FABIANA CAMBRICOLI E LEON FERRARI
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