‘Vamos envelhecer em 19 anos o que a França envelheceu em 145, mas, aqui, o velho é sempre o outro’

Uma das maiores autoridades em longevidade do mundo, o médico gerontólogo Alexandre Kalache destaca como o culto à juventude e à beleza dificulta a formulação de políticas para os idosos mesmo em um cenário de envelhecimento populacional

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

Uma das maiores autoridades em longevidade do mundo, o médico gerontólogo Alexandre Kalache faz questão de iniciar suas palestras provocando o público. “Para chocar e trabalhar nessa desconstrução, eu, com frequência, falo: ‘eu sou um velho’. Falo isso porque, no Brasil, parece que as pessoas veem isso como ofensivo. O maior elogio que você pode fazer para alguém é falar que ela não aparenta a idade que tem, como se isso fosse proibido”, diz ele, que tem 78 anos, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor de longevidade da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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A discriminação etária - ou idadismo, como ele gosta de chamar o preconceito contra pessoas mais velhas - e a invisibilização do idoso, na visão de Kalache, não apenas excluem e isolam os idosos do convívio social, mas impedem que governos e organizações vejam essa população como detentora de direitos e potencialidades e trabalhem por melhores políticas públicas.

“O Brasil está entre os três países que envelhecem mais rápido. Vamos envelhecer em 19 anos o que a França envelheceu em 145 anos. De 2011 a 2030, vamos dobrar o índice de pessoas com 60 anos ou mais. Mas, no nosso País, ‘o velho é sempre o outro, não tem nada a ver comigo’”, provoca ele, citando a diferença do processo de transição demográfica vivido pelo Brasil em comparação com a maioria dos países europeus. Aqui, a queda nas taxas de fecundidade ocorreu de forma mais abrupta e o rápido avanço da Medicina nas últimas décadas aumentou também de forma mais célere a expectativa de vida.

Se por um lado, o envelhecimento deve ser celebrado, o País teve menos tempo do que nações europeias para se preparar para o cenário, confirmado pelos números do Censo 2022 divulgados nesta sexta, 27, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para além da corrida contra o tempo, Kalache diz que a visão da sociedade brasileira sobre a velhice traz dificuldades extras. “O envelhecimento da população não é uma surpresa, as taxas de fecundidade estão em queda desde o final do século passado. Então por que tão poucos setores da sociedade reagiram? A política tem ignorado esse fenômeno. Se o tema não está no radar dos partidos, não estará no radar dos governantes”, destaca ele.

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O culto à beleza e à juventude, muito presente na sociedade brasileira, aumenta o preconceito com os que envelhecem, diz ele. “Somos campeões de botox, de cirurgias plásticas. Sofremos por ser uma sociedade hedonista, com uma busca pela juventude que se mostra tão fútil quanto inalcançável e, com isso, deixamos de investir recursos na população idosa, de reconhecer o capital humano que ela representa”, afirma.

Ele diz que, tomado por essa visão, o País não está formando profissionais da saúde para lidar com a nova realidade demográfica. “Médicos estão sendo formados da mesma forma que me formei, há 50 anos. São formados para atender principalmente crianças, gestantes e, na prática, vão ter que lidar muito mais com uma população idosa”, afirma.

O médico gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade Foto: Iara Morselli

Para ele, a revolução da longevidade deve passar pela educação. “Temos um déficit de 28 mil geriatras, precisamos de mais profissionais do tipo, mas isso leva tempo, então, é fundamental que médicos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e todos os profissionais aprendam mais sobre envelhecimento desde já”, diz.

Para Kalache, é urgente também que se invista mais em prevenção de doenças e promoção da saúde e que se promova uma reestruturação da infraestrutura das cidades para torná-las mais acessíveis e amigáveis às necessidades dos idosos. Tais mudanças permitiriam que os jovens também adotassem hábitos de vida mais saudáveis, o que possibilitaria um envelhecimento mais saudável para as próximas gerações.

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“A saúde é criada no contexto do dia a dia, é sobre onde você mora, como se locomove, se pode visitar sua família, ir ao teatro, se tem boas políticas públicas. Se você tem uma exclusão territorial, vive longe do transporte público, num ambiente violento, você acaba se excluindo”, diz.

Essa abordagem coletiva do cuidado do idoso ainda é pouco trabalhada no Brasil, diz Kalache. “O cuidado fica muito em cima da família, o Estado pouco participa. Não investimos na cultura do cuidado. O que seria mais prioritário no momento seria a criação de centros-dia, com profissionais capacitados e que estimulem a autonomia do idoso”, defende.

Com políticas públicas ainda insuficientes, aprofundam-se desigualdades já existentes no País. “O cuidado recai sobre a família, especialmente sobre as mulheres. E aí esbarramos na questão de gênero, com mulheres deixando seus empregos. E as dificuldades são ainda maiores para a população mais pobre. Então é uma sobreposição muito perversa de ‘ismos’: o idadismo se junta ao machismo, ao racismo, ao lgbtfobismo [sic]. É crucial reconhecer essa interseccionalidade para endereçar os problemas, assim como dar protagonismo ao idoso e ouvir suas demandas e rever a maneira como percebemos o envelhecimento.”

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