Idosos com grandes variações nos níveis de colesterol podem ter um risco maior de déficit cognitivo e demência do que aqueles com colesterol estável, segundo um estudo publicado na revista científica Neurology, em janeiro deste ano.
A pesquisa analisou os dados de 9.846 homens e mulheres, com idade média de 74 anos. Os participantes tiveram as taxas de colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos medidas quatro vezes, com intervalos de um ano entre as medições. Eles foram acompanhados nos anos seguintes e passaram por testes de cognição.

Ao todo, 509 participantes desenvolveram algum tipo de demência. No grupo com maior variação no colesterol total, 147 de 2.408 pessoas tiveram a condição. O número representa uma taxa de 11,3 casos por 1.000 pessoas-ano. No grupo com menor variação, 98 de 2.437 pessoas desenvolveram demência, uma taxa de 7,1 casos por 1.000 pessoas-ano (o conceito de pessoas-ano leva em conta o número de participantes e o tempo que cada um deles permaneceu no estudo).
Após ajustes para outros fatores de risco, como idade, tabagismo e pressão alta, os pesquisadores concluíram que indivíduos com as oscilações mais intensas nos níveis de colesterol total (TC) apresentaram um risco 60% maior de desenvolver demência e 23% maior de déficit cognitivo na comparação com os participantes com o menor nível de variação.
Mudanças nas taxas de LDL (colesterol combinado às lipoproteínas de baixa densidade), conhecido como “colesterol ruim”, também foram associadas a um aumento de 48% no risco de demência e de 27% no déficit cognitivo.
Maiores flutuações no colesterol total e no LDL ainda foram ligadas a um declínio mais rápido na memória episódica, na velocidade psicomotora e na cognição geral.
Por outro lado, não foram encontradas evidências sólidas de associação entre demência ou alterações cognitivas e variações no HDL (colesterol combinado às lipoproteínas de alta densidade), conhecido como “colesterol bom”, e nos triglicerídeos — gorduras que estão presentes no sangue e no tecido adiposo e que funcionam como uma fonte de energia para o corpo.
Hipóteses
As causas da relação entre flutuações do colesterol e demência ainda são desconhecidas, mas existem hipóteses. Os pesquisadores mencionam que as variações nas taxas podem estar ligadas a doenças crônicas subjacentes ou à fragilidade do organismo (e sua incapacidade de manter o equilíbrio dos sistemas do corpo), que por sua vez aumentam o risco de demência.
As mudanças nos níveis de colesterol também poderiam afetar as placas de gordura na parede das artérias e provocar danos na vasculatura cerebral, incluindo o estreitamento ou obstrução dos vasos sanguíneos. “Uma possível explicação é que flutuações significativas nos níveis de colesterol — total e LDL — podem desestabilizar a placa aterosclerótica, que é composta principalmente por colesterol LDL”, explica Zhen Zhou, autora principal do estudo e pesquisadora da Escola de Saúde Pública e Medicina Preventiva da Monash University, na Austrália, em comunicado à imprensa.
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Nesse sentido, Adalberto Stuart Neto, vice-coordenador do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), teoriza que a flutuação causaria uma lesão do tecido nervoso por isquemia, quando o fluxo sanguíneo para o cérebro é reduzido ou interrompido.
Essas lesões vasculares também poderiam aumentar a deposição no tecido nervoso das proteínas beta-amiloide e tau fosforilada, associadas ao Alzheimer, destaca o neurologista. “Por fim, há as hipóteses relacionadas ao papel da apoliproteína E (apoE) especificamente na doença de Alzheimer. A apoE é uma proteína transportadora de colesterol e o subtipo épsilon 4 está associado ao maior risco de desenvolvimento da doença”, adiciona.
Limitações
Pessoas que usavam estatinas, medicamentos para reduzir o colesterol, foram incluídas no estudo, desde que não tivessem iniciado ou interrompido a utilização durante o período de medição. O problema é que os pesquisadores não tinham informações sobre mudanças de dosagem ou uso incorreto do remédio, o que pode ter influenciado os resultados.
“Outro ponto é que a avaliação dos dados não fez um ajuste para outros fatores que podem interferir com o colesterol. Por exemplo: padrão alimentar e atividade física. São fatores importantes”, pondera o geriatra Leonardo Oliva, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Vale destacar que a pesquisa não indica uma relação de causalidade, ou seja, ela não prova que a variação do colesterol causa demência. O que o estudo mostra é uma associação — que pode ser explorada no esforço de prevenir a condição. “Quando se pensa em alguma doença que queremos prevenir, existem diversos fatores de risco que identificamos. Quanto mais (fatores) eliminarmos, menor o risco de desenvolver a doença”, destaca Oliva.
Assim, monitorar a mudança no nível de colesterol dos idosos ao longo do tempo pode ajudar os clínicos a identificar indivíduos assintomáticos em risco, dizem os autores da pesquisa, lembrando que ainda permanecem incertas quais taxas de variabilidade, frequência de medição e limiares forneceriam a melhor previsibilidade.
Colesterol e demência, o que são?
O colesterol é uma substância essencial para o organismo. Ele está presente em todas as células do corpo e desempenha funções vitais, como a formação das membranas celulares, produção de hormônios e síntese de vitaminas. Existem dois tipos principais: o LDL, que pode gerar impactos negativos para a saúde, e o HDL, que remove o excesso de colesterol das células e previne obstrução arterial.
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Altos níveis de LDL estão ligados a doenças cerebrovasculares, como acidente vascular cerebral (AVC). “O aumento nos níveis de colesterol contribui com a formação de placas de aterosclerose que causam inflamações nas artérias do pescoço, que levam o sangue para o cérebro, e nas próprias artérias de dentro do cérebro”, diz Neto.
Já a demência é uma condição médica que causa um declínio cognitivo ou de comportamento que leva as pessoas a perderem a capacidade de realizar tarefas rotineiras de forma independente. “São pessoas que têm déficit de memória, dificuldade de raciocínio e tomada de decisão. Isso faz com que elas não tenham mais a mesma autonomia de fazer atividades diárias”, afirma o neurologista.
“Ainda não sabemos por que as demências acontecem”, acrescenta Oliva, “mas sabemos quais fatores aumentam o risco de surgirem. Dentro desses fatores, tudo que faz mal para o coração, faz mal para o cérebro: hipertensão mal controlada, diabetes descompensada, obesidade, sedentarismo, tabagismo”.