Varíola dos macacos: Brasil corre para criar vacina própria; entenda

Monopólio da Bavarian Nordic, única fabricante de imunizantes contra a doença no mundo, pode estar próximo do fim

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Foto do author João Ker
Atualização:

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu na última semana uma matéria-prima para que a instituição desenvolva sua própria vacina contra a varíola dos macacos (monkeypox). O contrato foi firmado diretamente entre o CTVacinas e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. A previsão é que nos próximos dois a três meses os pesquisadores criem um modelo de produção para o imunizante, que então poderá ser replicado em grande escala e distribuído à população ainda no 1º semestre de 2023.

Com a ajuda do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a equipe do CTVacinas recebeu dois frascos com “sementes” do vírus Vaccínia Ankara Modificado (MVA), que pertence à família da varíola dos macacos e é capaz de produzir uma resposta imune contra a monkeypox. O material é o mesmo utilizado na vacina Jynneos/Imvanex, produzida pela empresa Bavarian Nordic, que é, até o momento, a única responsável por abastecer o mundo todo contra a doença.

Marcelo Morales, secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, e Flávio da Fonseca, professor da UFMG, recebem matéria-prima para o desenvolvimento da vacina contra a varíola dos macacos. Foto: Raphaella Dias-UFMG/Divulgação

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Para criar o modelo da vacina nacional, a equipe da UFMG pretende alterar geneticamente essas “sementes” enviadas pelos Estados Unidos e fazer com que o vírus de MVA enfraquecido se multiplique. “Devido à semelhança genética desse vírus com o da monkeypox (varíola dos macacos), ela consegue imunizar contra a nova doença, assim como protegeu contra a varíola humana no passado. É o que chamamos de proteção cruzada”, explica Flávio da Fonseca, professor da UFMG.

A partir disso, os cientistas criam uma “receita” de produção que depois poderá ser replicada em larga escala por laboratórios como o Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “O que estamos fazendo é criar o desenvolvimento dessa vacina no Brasil, onde ele nunca foi cultivado. Essa estratégia vai ao encontro do nosso interesse em nos tornarmos autônomos e autossuficientes”, aponta Fonseca.

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Carregamento de "sementes" do vírus MVA enfraquecido recebido pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foto: Raphaella Dias-UFMG/Divulgação

“A nossa parte pode ficar pronta entre dois e três meses, porque não é uma vacina criada do zero, como era o caso da covid, mas sim os parâmetros de um modelo em pequena escala”, acrescenta. Concluída esta etapa, ele acredita que o ajuste do modelo à produção em larga escala e a distribuição à população possam ser feitas nos próximos seis meses, se tudo correr como o esperado.

Corrida mundial

A falta de doses da Jynneos para atender à demanda mundial tem repetido o cenário visto na pandemia da covid-19, em que havia grande restrição de imunizantes no mercado global. O problema é que alguns países têm novamente contornado os esforços da Organização Mundial da Saúde (OMS) e negociado compras unilaterais diretamente com a Bavarian Nordic.

Os Estados Unidos já haviam aplicado mais de 460 mil doses da vacina contra a varíola dos macacos até a última semana. Dias antes, a Bavarian Nordic também se comprometeu a entregar outras 170 mil doses a países da União Europeia, especificamente Noruega e Islândia, por meio da Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias da Europa (HERA).

O Brasil, enquanto isso, ainda aguarda uma remessa de 50 mil doses que não seriam suficientes para proteger nem os profissionais da saúde na linha de frente, uma vez que o imunizante requer duas aplicações.

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Para contornar esse problema, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA anunciou na última quinta-feira o início de um ensaio clínico em 200 adultos voluntários. O objetivo é testar a eficácia e nível de resposta imune que a vacina da Jynneos pode gerar se administrada com aplicações intradérmicas (entre duas camadas de pele), o que permitiria “até cinco vezes mais doses por frasco”, segundo a tese do órgão. Hoje, a recomendação é para que ela seja aplicada em duas doses subcutâneas (no tecido abaixo da pele), separadas por 28 dias.

Paralelamente, os EUA também fecharam um contrato com a Bavarian Nordic para a transferência de tecnologia da vacina Jynneos, a ser produzida diretamente no país. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos investiu US$ 11 milhões (aproximadamente R$ 56,6 milhões) para que um centro tecnológico em Michigan passe a envasar as doses e finalizar o processo de fabricação do imunizante.

O monopólio de tecnologia e produção da Bavarian, entretanto, pode estar com os dias contados. Ainda no mês passado, a Moderna anunciou que começa a estudar a possibilidade de desenvolver sua própria vacina de mRNA contra a monkeypox. O Conselho de Pesquisa Médica da Índia (ICMR) também abriu uma concorrência para fabricantes dispostas a desenvolver um imunizante e novos kits de testagem no país. Mesmo sem prazo para escolher uma vencedora, 31 empresas já demonstraram interesse na missão.

Apesar de alternativas à Bavarian ainda estarem nos estágios iniciais e sem data de previsão para quando começariam sequer os testes de desenvolvimento para um imunizante, a entrada de novos concorrentes no mercado pode ser o estímulo que faltava para o aumento da oferta em escala global. No caso do Brasil, entretanto, a perspectiva de produção pela UFMG pode resgatar o pioneirismo e reconhecimento do País nesse mercado.

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