Veganos consomem teor adequado de proteínas, mas dependem de ultraprocessados

Pesquisa da USP com 774 adeptos do veganismo contesta o estigma de deficiências nutricionais nesse tipo de alimentação, porém alerta para complementação com industrializados

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Por Maria Fernanda Ziegler (Agência Fapesp)
Atualização:

Em estudo publicado na revista JAMA Network Open, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) analisaram a dieta de mais de 700 adeptos do veganismo residentes no Brasil.

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Os resultados indicam que, em média, os participantes consomem a quantidade recomendada de proteínas e aminoácidos essenciais. E têm uma dieta baseada principalmente em alimentos não processados e minimamente processados. No entanto, foi possível observar que, aqueles que ingerem menos produtos alimentícios industrializados, como suplementos proteicos e proteína texturizada de soja, se mostraram mais propensos a ter uma ingestão inadequada de proteínas – o que sugere haver nessa população algum grau de dependência de nutrientes provenientes de alimentos ultraprocessados.

Cunhado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP, o termo “ultraprocessado” se refere a formulações de substâncias obtidas na indústria por meio do fracionamento de alimentos, além da adição de aditivos químicos (corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes etc.) que tornam esses produtos altamente palatáveis.

Hambúrgueres veganos imitam diferentes tipos de carne a partir de proteínas vegetais processadas Foto: Sérgio Castro/Estadão

“Nossos resultados se contrapõem ao estigma de que a dieta vegana não seria capaz de fornecer a quantidade necessária de proteína e aminoácidos essenciais que uma pessoa precisa. Como pudemos observar, ela pode ser adequada do ponto de vista nutricional. Em relação aos alimentos ultraprocessados, observamos que os veganos avaliados consumiam menores quantidades desse tipo de alimento quando comparados à população em geral”, afirma Hamilton Roschel, coordenador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP e coordenador do estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Os pesquisadores calcularam a ingestão de proteínas e aminoácidos essenciais, além do consumo de alimentos por nível de processamento. As informações tiveram como base um diário alimentar – enviado por cada um dos 774 participantes do estudo – que continha as informações de todo o alimento consumido durante um dia.

“Sabe-se que alimentos de origem animal são, em geral, mais densos não apenas em proteína, mas também em aminoácidos essenciais. Carne, leite ou ovos apresentam mais proteína por grama de alimento que o arroz ou o feijão, por exemplo. Por isso, era também importante investigar se essa demanda estava sendo suprida em dietas compostas apenas por proteínas vegetais”, explica o pesquisador.

Assim, da mesma forma que o consumo adequado de proteínas pode ser uma questão na dieta vegana, também é esperado que haja naturalmente uma maior dificuldade em atingir os níveis necessários de aminoácidos essenciais.

Na análise, os pesquisadores identificaram que a alimentação dos participantes consistia, em grande parte, de alimentos in natura ou minimamente processados (66,5% da ingestão energética), enquanto os ultraprocessados correspondiam a 13,2%. Na população brasileira de modo geral, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), os valores são de 44,9% para in natura e minimamente processados e 23,7% para ultraprocessados.

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O estudo também identificou uma importante associação entre a adequação da ingestão de proteínas e o consumo de alimentos ultraprocessados. “Apesar de essa população consumir uma quantidade baixa de ultraprocessados, uma parcela parece depender desse tipo de alimento para suprir a demanda proteica. Isso se deve, em parte, ao fato de os alimentos in natura serem, em geral, menos densos em proteínas, o que abriu uma avenida de exploração pela indústria dos chamados meat substitutes, que vêm ganhando mercado”, diz.

É o caso de produtos que imitam diferentes tipos de carne a partir de proteínas vegetais processadas, como hambúrgueres, salsichas e nuggets veganos, ou outras preparações como substitutos de queijos e derivados, que se utilizam de proteínas vegetais alternativas (como da soja, ervilha, arroz ou batata) para a confecção de alimentos ultraprocessados ricos em proteína vegetal.

É importante destacar que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao risco aumentado de ganho de peso, diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, além de depressão, alguns tipos de câncer e mortes prematuras, por exemplo. Por outro lado, embora ainda não se conheçam todos os efeitos de produtos ultraprocessados à base de plantas, evidências recentes sugerem que estes podem ser igualmente danosos à saúde.

Os pesquisadores da FMUSP detectaram que os principais alimentos ultraprocessados determinantes para a adequação do consumo de proteína no cardápio dos veganos brasileiros foram a proteína texturizada da soja (PTS) e os suplementos de isolados proteicos à base de plantas.

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“Embora estejam na mesma classificação de ultraprocessados, alimentos como PTS e suplementos proteicos não necessariamente são prejudiciais à saúde, o que não pode ser dito de alimentos ultraprocessados que contêm altas concentrações de gordura, açúcar, sódio, conservantes e aditivos artificiais, por exemplo”, ressalta Roschel.

O pesquisador explica que, apesar de diversos estudos associarem a ampla categoria dos ultraprocessados a resultados danosos, existem evidências robustas de que derivados de soja não fazem mal à saúde.

“A proteína texturizada de soja é uma fonte proteica e de aminoácidos essenciais importante para os veganos, apesar de ser classificada como ultraprocessado. É importante entendermos que parece existir uma variabilidade significativa nas formulações de produtos ultraprocessados e, embora seja consensual que eles devam ser evitados de modo geral, não é razoável ignorar distinções claras entre eles”, afirma o pesquisador.

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De acordo com os pesquisadores, o mesmo pode ser dito a respeito de suplementos de isolados proteicos à base de plantas. “O uso de suplementos proteicos é considerado uma estratégia baseada em evidências para apoiar a saúde muscular em diferentes contextos, como em casos cuja alimentação baseada em alimentos in natura e minimamente processados não satisfaz a demanda por proteínas. Outro exemplo seria a presença de alguma condição clínica que requeira outro tipo de manejo nutricional. Os suplementos à base de proteínas vegetais cumprem um papel importante e não devem ser ignorados.”

Roschel, no entanto, faz um alerta importante: “Os nossos dados não dizem que alimentos ultraprocessados são bons, tampouco devem servir para estimular o seu consumo. No entanto, não se pode fechar os olhos para distinções importantes entre eles e a importância que cumprem em alguns contextos”, pondera.

“Os resultados do estudo sugerem que serão necessárias políticas que facilitem o acesso a alimentos mais naturais e saudáveis, além de esforços para uma melhor educação nutricional a fim de promover melhores escolhas nutricionais por essa população. Com a expansão do mercado plant-based, é urgente haver regulação governamental para que sejam desenvolvidos produtos acessíveis, transparentes quanto à sua composição, de melhor qualidade e mais saudáveis”, finaliza.

O artigo “Protein and Amino Acid Adequacy and Food Consumption by Processing Level in Vegans in Brazil” pode ser lido aqui.

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