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Prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer

Opinião | Cuidado com a ditadura da felicidade: saúde mental não tem a ver com plenitude permanente

No chamado Janeiro Branco, muito se fala sobre saúde mental, mas é preciso tomar cuidado com a pressão para ser feliz o tempo inteiro – especialmente em situações específicas, como no tratamento de um câncer

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Por Caio Henrique Vianna Baptista

O conceito de saúde mental tem sido amplamente disseminado nas grandes mídias e nas redes sociais. Temos observado, com frequência, o movimento da classe artística, de influenciadores digitais e da população em geral falando sobre a causa e exaltando a importância do bem-estar emocional.

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Mas, afinal, do que se trata a famigerada “saúde mental”? De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela é composta por uma série de fatores, e não diz respeito somente à ausência de doenças mentais. Seria um estado de bem-estar promovido pela capacidade de uma pessoa lidar com situações adversas de maneira funcional; encontrar-se engajada em atividades que lhe conferem sentido e significado de vida (sejam atividades de trabalho, estudos e/ou hobbies) e conseguir contribuir de forma significativa em seu meio social (ter a capacidade de realizar a manutenção de suas relações e participar de maneira ativa de seu meio social, seja sua família e/ou comunidade em geral).

Além do descrito acima, é importante pensarmos que a saúde mental não diz respeito à sensação de plenitude permanente. Atualmente, temos experimentado uma “ditadura da felicidade”, onde não temos abertura para a expressão dos sentimentos próprios da humanidade.

As redes sociais têm participação nesse processo, já que são utilizadas como as “janelas das belezas da vida” – é por meio delas que observamos o sucesso profissional de alguns, belas viagens de outros e os momentos felizes de quase todos.

Sentimentos considerados negativos, como tristeza e medo, são naturais e importantes, mas, atualmente, há a impressão de que eles não podem fazer parte da vida. Foto: Prostock-studio/Adobe Stock

A impressão é de que vivemos a impossibilidade de experimentar a tristeza, o medo, o estresse, entre outros sentimentos e reações, como coisas comuns e naturais – embora eles sejam exatamente isso.

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Logo, é possível pensar que a saúde mental reside no equilíbrio que somos capazes de alcançar diante de situações de vida potencialmente desestabilizadoras e geradoras de sentimentos e reações negativas. Mas, para isso, é necessário naturalizar a existência de tristeza, medo, estresse, tédio, ansiedade, insegurança e por aí vai – especialmente diante de contextos específicos, como no momento em que recebemos o diagnóstico de uma doença ou vivenciamos um desafio no ambiente de trabalho.

E é importante reforçar que nem todas as reações e os sentimentos vistos como “negativos” são doenças mentais – como comentei, essas emoções têm sua importância. No entanto, se elas persistirem e passarem a afetar as atividades do dia a dia, é fundamental procurar um profissional de saúde mental especializado.

Saúde mental e câncer

Aqui, devemos levar em consideração uma série de outros fatores além dos já mencionados. O câncer traz consigo algo que costuma potencializar as reações emocionais negativas pelo fato de ser uma doença estigmatizada socialmente e com conotações culturais e sociais relacionadas à morte e à dor.

A jornada do paciente oncológico costuma ter etapas distintas, nas quais as reações emocionais podem se mostrar mais ou menos intensas. Essas etapas dizem respeito a três momentos específicos: o impacto do diagnóstico, as reações emocionais durante o tratamento e, por fim, as reações emocionais frente aos desfechos clínicos.

Quando pensamos no primeiro momento (o impacto do diagnóstico), é preciso considerar que ele pode ser dificílimo para o paciente e seus familiares. Trata-se de uma notícia que ninguém quer receber e que traz consigo a necessidade do remanejamento dos planos de vida. Neste momento, o paciente e a família precisam se reorganizar para que o tratamento comece. Aqui, os projetos, o trabalho, a escola, a faculdade, enfim, toda a programação de vida passa a ser menos importante, dando lugar a incertezas e ao medo.

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Já a segunda etapa diz respeito às reações emocionais durante o tratamento oncológico. Nesse momento, é comum o paciente se deparar com as consequências físicas desse processo, como perda de autonomia devido à fraqueza, comprometimento de massa muscular, queda de pelos e cabelos, redução de apetite, entre outras. Diante dessa nova realidade, o paciente pode enfrentar momentos de medo, incerteza, ansiedade e tristeza.

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Além disso, reações emocionais potencialmente negativas também podem acontecer com pacientes que vivem cirurgias que mutilam o corpo em nome da cura ou do controle da doença, como uma mastectomia (retirada da mama), cirurgias para colocação de dispositivos (a exemplo da bolsa de colostomia), cirurgias de cabeça e pescoço (que podem envolver a retirada de alguma lesão maligna da face e modificação do rosto), etc. Nessas circunstâncias, o apoio psicológico é um ponto importante no tratamento.

O último momento da jornada do paciente diz respeito aos possíveis desfechos clínicos, que são a cronicidade do quadro (onde o paciente precisará conviver com a doença ou acompanhá-la de perto), a morte ou a cura. Todos os desfechos citados incluem a necessidade de um acompanhamento psicológico especializado, porque cada um pode suscitar reações emocionais distintas. Isso vale até mesmo para a tão esperada cura, já que muitos pacientes podem ter a dificuldade para retornar à rotina. Alguns correm o risco inclusive de desenvolver o chamado “TEPT” (transtorno do estresse pós-traumático), caracterizado muitas vezes por reações de estresse e ansiedade extremos frente a exames de rotina, doenças da vida cotidiana (como gripes e infecções comuns), entre outras situações específicas.

Como cuidar da saúde mental?

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Nesse contexto, o paciente e a família podem se valer de um apoio psicológico específico: o do psicólogo psico-oncologista. Esse profissional é especializado nas demandas emocionais de pacientes oncológicos e de seus familiares. Essa área está diretamente comprometida com a reabilitação emocional, a adaptação do paciente, o suporte específico de familiares e o tratamento frente aos desfechos clínicos específicos.

Também vale ressaltar que o contato com pessoas significativas é algo que ajuda o paciente a lidar com as demandas emocionais. Estudos mostram que o suporte familiar e social conta muito para o restabelecimento da saúde mental. O mesmo pode ser dito sobre a espiritualidade e o contato com atividade consideradas importantes pelo indivíduo.

É fundamental que o paciente se sinta útil, que mantenha suas atividades de trabalho e hobbies (se o tratamento e a equipe médica permitirem), bem como a prática de exercício físico – que, por sua vez, tem eficácia comprovada no que diz respeito ao combate da depressão e da ansiedade.

Opinião por Caio Henrique Vianna Baptista

Psicólogo e psico-oncologista, integrante do comitê científico do Instituto Vencer o Câncer, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO), regional São Paulo

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