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Você não deve ser obrigado a amar seus irmãos, defende especialista

O ideal é que as crianças se deem bem e tenham uma convivência respeitosa, mas sem a imposição de uma amizade forçada

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Por Beatriz Bulhões

A chegada de um irmão muda a vida de qualquer criança. De repente, é preciso aprender a dividir brinquedos, atenção e tempo — para iniciar a lista — e descobrir como se relacionar com alguém novo e diferente. O processo é desafiador tanto para os pequenos quanto para os pais, mas especialistas ouvidos pelo Estadão nesta quinta-feira, 5, Dia do Irmão, afirmam que algumas medidas ajudam a estimular a formação de vínculos sem prejuízos à individualidade, fundamental para a saúde mental e o pleno desenvolvimento.

“Nenhum irmão tem obrigação de ser amigo de ninguém, por mais que isso deixe diversas famílias frustradas”, avisa a psicóloga Luiza Brandão, doutora em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Ela explica que, por conta desse desapontamento, os pais se sentem na obrigação de fazer as crianças se tornarem próximas, mas, na prática, isso só passa a frustração para os pequenos — que tendem a se afastar ainda mais.

Confronto entre irmãos é algo natural e não deve ser sempre mediado pelos pais Foto: anoushkatoronto/Adobe Stock

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Segundo a educadora parental Priscilla Montes, muitas vezes o conflito já começa na ideia de ter outra criança. “Muitas famílias pensam no segundo filho com o único intuito de ‘dar um irmãozinho’ ao primeiro, e acabam errando ao escolher esse como motivo principal”, diz.

“A expectativa dos pais é que eles vão ser melhores amigos e têm que se amar independentemente de qualquer coisa. Mas precisamos considerar que nenhuma relação é construída com base na obrigação”, enfatiza Priscilla.

Para ela, o filho mais novo que nasce nessa perspectiva de “ser um irmão para o mais velho” tem sempre uma espécie de “dívida” imposta pelos pais, o que atrapalha a fluidez de uma relação de amizade.

Educação positiva

Uma das mudanças aconselhadas é a adoção de uma educação que priorize o respeito ao ser humano, e não a imposição hierárquica. “Na educação tradicional, há uma hierarquia de poderes em que um pai ou uma mãe manda e a criança obedece”, lembra Priscilla.

O confronto entre irmãos deve ser encarado como algo natural, devido à própria convivência diária de seres diferentes — e essa diferença entre eles é o que mais importa. Tratar os filhos de maneira igual não irá gerar filhos parecidos, e sim crianças frustradas, defende a educadora.

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“Nossas crianças precisam saber dos seus valores individuais, precisam saber: o que eu, sozinho, sou? Do que eu gosto? O que tenho diferente do meu irmão? O que ele faz que eu não faço? E o que ele não faz, mas eu adoro?”, ensina. “Quando eu trato todos iguais, eles não se desenvolvem com seus valores individuais”, acrescenta.

Um exemplo: se uma filha gosta de ler e a outra gosta de brincar com bonecas, criar um horário para ambas lerem e outro para brincarem com as bonecas geraria duas crianças insatisfeitas. Por outro lado, compreendendo essa diferença, as duas poderiam experimentar o exercício de ler histórias para as bonecas.

Da mesma forma, caso as duas gostem de boneca, Luiza explica que os pais podem aceitar caso uma não empreste a boneca favorita para a outra. Aqui, o ponto-chave é respeitar o apreço que a criança tem por seus objetos e observar se a outra entrega o brinquedo da forma que foi recebido ou com alguma avaria. “Não é que não deve emprestar nada, é observar que esse comportamento também é válido”, ressalva.

Além disso, cada pai ou cuidador deve procurar pontos em comum com os filhos e ter momentos dedicados aos pequenos individualmente. Não é porque um pai gosta de jogar futebol com o caçula, por exemplo, que os outros filhos precisam se apaixonar pelo esporte. Esse adulto deve procurar outras atividades para fazer com as demais crianças, sem abandonar nenhuma delas.

Pais como coadjuvantes

Para Priscilla, os pais precisam se ver como coadjuvantes de uma história que acontece entre duas outras pessoas. Seu papel é de mediação de possíveis conflitos.

Em um momento de briga, ela aconselha escutar os dois lados e agir como “tradutor”. “Crianças menores não conseguem entender direito o que sentem, imagine entender o que o outro sente”, destaca.

A dica é ajudar as crianças a explicarem o que sentem e estimulá-las a pensarem em sugestões para que a brincadeira seja boa para todos, sem reclamar dos sentimentos de inveja e ciúme que podem surgir.

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“Parece contraintuitivo, mas os pais devem permitir todo e qualquer sentimento que um filho tenha em relação ao outro, mesmo os ruins”, reforça Luiza. Isso, claro, prestando atenção para evitar confrontos diretos ou agressões.

A psicóloga acrescenta que alguns pais ficam obcecados em mediar todo desentendimento entre os filhos e acabam criando adultos que não conseguem resolver seus próprios problemas.

Outra medida não aconselhada é a “camiseta da amizade” ou artifícios que obriguem os pequenos a fazerem as pazes. O raciocínio é simples: como adultos, não gostaríamos de estar nesse lugar, sendo obrigados a gostar de quem não gostamos — crianças também não.

“Se eu digo a um adulto, ‘você é obrigado a ser amigo dele’, é mais fácil criar uma animosidade do que o contrário. Mas posso dizer ‘você conhece fulano? Vem conhecer, você vai gostar’, e ir criando a amizade aos poucos”, reforça a educadora.

“O mais importante de tudo na criação dos filhos é o ‘depende’”, diz Luiza. “Famílias funcionam de diversas formas e não existe fórmula pronta. O único conselho válido para todas é: aceite as pessoas — filhos, pais ou irmãos — como são.”

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