A farmacêutica Novo Nordisk divulgou novos dados que mostram que o Wegovy (semaglutida na dosagem 2,4 mg), que tem o mesmo princípio ativo do Ozempic e é indicado para tratar a obesidade e o sobrepeso, promove a redução de alguns problemas cardíacos graves independente da quantidade de peso perdida. Isso para pacientes sem diabetes e que já tinham uma doença cardiovascular estabelecida.
A nova análise, que teve como base o estudo de desfechos cardiovasculares SELECT, foi apresentada no Congresso Europeu de Obesidade (ECO) em Veneza, na Itália, na primeira quinzena de maio. Ela amplia as descobertas de outra análise que foi publicada no respeitado The New England Journal of Medicine, em novembro do ano passado, e mostrou que a semaglutida 2,4 mg proporciona uma redução de risco de 20% para MACE, sigla em inglês para eventos cardiovasculares adversos importantes, que consiste em morte cardiovascular, ataque cardíaco não fatal (infarto do miocárdio) ou acidente vascular cerebral não fatal.
Embora a caneta injetável de aplicação semanal já tenha sido aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para adultos, em janeiro do ano passado, e para crianças e adolescentes a partir de 12 anos, em setembro, só começará a ser vendida nas farmácias brasileiras no segundo semestre deste ano, de acordo com a previsão da fabricante do produto.
A obesidade é uma doença crônica que aumenta o risco de morte prematura e de uma série de complicações de saúde, que incluem desfechos cardiovasculares graves. O tratamento inclui opções farmacológicas, como o Wegovy, e intervenções cirúrgicas, mas tem no centro a mudança de estilo de vida (alimentação saudável e atividade física).
Os novos resultados indicam que, como ocorreu também em pacientes que não perderam peso, a proteção do Wegovy contra riscos cardiovasculares vai além do controle do peso. “Isso sugere que existem mecanismos alternativos de melhora desses desfechos cardiovasculares além da redução da gordura (corporal)”, falou Alexandre Hohl, endocrinologista e professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que participou do ECO e palestrou para jornalistas nesta quarta-feira, 22, a convite da Novo Nordisk.
É importante salientar que MACE não inclui outras doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca e arritmia, por exemplo. No entanto, de acordo com Hohl, ela inclui as duas principais causas de mortalidade do planeta: o AVC e o infarto. “É isso que importa na maioria dos casos”, disse.
Em nota, Priscilla Mattar, endocrinologista e vice-presidente da Área Médica da Novo Nordisk no Brasil, aponta que a descoberta “desafia paradigmas estabelecidos”. Hohl também fala em mudança de paradigma. “Durante muito tempo as medicações que tratavam obesidade levavam a um possível aumento de risco cardiovascular. Eram as chamadas anfetaminas, que não são mais usadas. Agora, temos um cenário no qual essas medicações fazem perda de peso e protegem o coração, é antagônico.”
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A cardiologista Maria Cristina Izar, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e professora adjunta livre docente da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera os dados “muito interessantes”. “Pode beneficiar muitos pacientes que já estão no topo das terapias estandardizadas para tratamento tanto da doença cardiovascular como da obesidade.” Ela não está envolvida no SELECT nem participou do evento promovido pela Novo Nordisk.
“A semaglutida acaba sendo um tratamento para obesidade que comprova cientificamente uma redução do risco de eventos cardiovasculares, um benefício que vai além da redução de peso”, comenta. “A redução da inflamação, a melhora no perfil lipídico global, a redução de triglicérides, a redução de LDL (popularmente chamado de “colesterol ruim”) e o aumento de HDL (”colesterol bom”), que são descritos com essa classe de fármaco, podem explicar isso”, cita.
A professora destaca que já se sabe que essa classe de fármacos reduz mais a “massa gorda” do que “a massa magra”. “Todo emagrecimento leva à perda de massa magra. Mas a gordura que é perdida é principalmente a visceral.” Como o estudo usou “parâmetros antropométricos clássicos”, isso não foi captado. “Não foi feita uma medida de massa gorda, de massa magra, de gordura visceral e de gordura subcutânea, que poderiam ser mais uma informações para falar a favor do resultado positivo do estudo.”
O Ozempic, que tem o mesmo princípio ativo do Wegovy, indicado para tratamento de diabetes tipo 2, já havia demonstrado redução de riscos cardiovasculares.
O SELECT acompanhou mais de 17,6 mil pacientes de diversas nacionalidades entre 2018 e 2021. O objetivo específico era de esmiuçar os desfechos cardiovasculares, mas colheu também informações que permitem análises sobre os efeitos de peso e antropométricos (medida das dimensões físicas) da semaglutida.
Ele é um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, que proporciona evidências consideradas fortes. Isso significa que, aleatoriamente, foram formados dois grupos, um recebeu a semaglutida e outro, um placebo. Nem o examinado nem o examinador sabiam quem estava em qual grupo.
Bula
No início de março deste ano, com base no estudo publicado em novembro, a Food and Drug Administration (FDA), órgão análogo à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fez uma atualização na bula do Wegovy, e incluiu a indicação de uso para a injeção de semaglutida para reduzir o risco de morte cardiovascular, ataque cardíaco e acidente vascular cerebral em adultos com doenças cardiovasculares e obesidade ou sobrepeso.
“Wegovy é o primeiro medicamento para perda de peso a ser aprovado também para ajudar a prevenir eventos cardiovasculares potencialmente fatais em adultos com doenças cardiovasculares e obesidade ou sobrepeso”, disse John Sharretts, diretor da Divisão de Diabetes, Distúrbios Lipídicos e Obesidade no Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da FDA, em nota, no anúncio da da atualização.
Os resultados também foram submetidos à Anvisa. A empresa espera que a atualização aconteça ainda no fim deste ano ou no primeiro semestre de 2025.
Ensaio mais longo sobre os efeitos da semaglutida no peso até agora
Algo que o SELECT também ajuda a compreender é a sustentabilidade do tratamento com Wegovy. Essa análise, que foi publicada na revista científica Nature, aponta para uma queda de peso média de 10% ao longo de 65 semanas, que é mantida por até 4 anos — o período do estudo. Os pacientes seguiram recebendo o tratamento — ou o placebo — durante todo o período da pesquisa.
“Estes dados, que representam o ensaio clínico mais longo sobre os efeitos da semaglutida versus placebo no peso, estabelecem a segurança e a durabilidade dos efeitos da semaglutida na perda e manutenção do peso numa população geográfica e racialmente diversificada de homens e mulheres adultos com excesso de peso e obesidade, mas não com diabetes”, escreveram os pesquisadores.
No estudo, os pesquisadores destacam que houve variações na resposta à perda de peso. Por exemplo, 67,8% alcançaram 5% ou mais de perda de peso e 44,2% alcançaram 10% de perda de peso com semaglutida em dois anos. No grupo do placebo, essas mesmas taxas foram de 21,3% e 6,9%, respectivamente.
A perda de peso no SELECT é um pouco menor do que em outro grande estudo, o STEP 1, que teve uma perda média de peso de 14,9% após 68 semanas. Segundo os pesquisadores, “várias razões” podem explicar isso: o SELECT foi concebido para mensurar desfechos cardiovasculares, e a perda de peso foi apenas um desfecho secundário; os pacientes do outro estudo tinham a perda de peso como motivo para participar e receberam uma intervenção estruturada no estilo de vida; as populações de estudo foram bastante diferentes e os protocolos dos ensaios dos estudos eram diferentes.
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