Os tempos mudam. O mundo de hoje não é mais o que costumava ser, é óbvio. Não precisamos mais usar traje social para ir ao cinema, como na 1ª metade do século 20. Podemos ir, mas não somos obrigados.
Exemplo prosaico, você dirá. Mas como este, há muitos. Legalmente mulheres não são obrigadas a adotar o nome do marido. Seres humanos não são mais obrigados a trabalhar sem receber salário.
Sabemos que nem sempre foi assim. Mas não paramos para pensar nos períodos de transição. Como terá sido a reação do público quando pessoas começaram a frequentar os cinemas de bermuda e chinelo? Qual era o tamanho do desconforto familiar quando mulheres casadas começaram a manter seus nomes de solteira? E a revolta dos senhores de escravos, vaticinando a falência da economia com a abolição da escravatura?
Transições são difíceis, geram resistência, incompreensão, medo. E na esteira, críticas e condenações: eles estão errados, vão acabar com a sociedade. Passada a mudança, contudo, o novo estado de coisas parece natural para os recém-chegados. Até que novas mudanças venham. As coisas mudam continuamente.
Nós mesmos atravessamos uma mudança significativa com relação à valorização da saúde mental. Como toda transformação, ela começou pelos jovens e incomodou adultos. Na primeira década do século 21, era comum ouvir reclamações sobre a nova geração, que não aguentava o tranco e pedia para sair do emprego porque estava estressada ou insatisfeita.
Agora, na segunda década, essa fala rareia à medida que essa mentalidade avança gerações acima: progressivamente os mais velhos compreendem que dar atenção à saúde mental não é privilégio de jovens irresponsáveis, mas dever de todos.
Quando um cantor como Wesley Safadão, que já se aproxima dos quarenta anos, declara publicamente que as crises de ansiedade estão dificultando sua carreira a ponto de forçar uma pausa, fica claro que estamos num novo tempo. Até poucos anos atrás, seria impensável: a questão era tão ignorada que os sintomas talvez nem fossem levados em conta.
A vida é dura mesmo, pensava-se. E os artistas se arrebentavam emocionalmente “aguentando o tranco”, muitas vezes à base de álcool e drogas. Nada muito diferente dos executivos, gerentes e que tais. Os quais, aliás, vêm recusando promoções e cargos mais altos quando percebem que isso lhes custará qualidade de vida. Não são mais os estagiários preguiçosos. São os adultos acompanhando a mudança.
Ainda há quem reclame. Mas dura pouco. Logo, logo, valorizar a saúde mental parecerá sempre ter sido natural. Como sempre deveria ser, afinal.
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