A bióloga que impediu a extinção das araras-azuis

Premiada pela ONU, Neiva Guedes se dedica a proteger a espécie e teve ideia que ajudou a reprodução

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Por Fátima Lessa
Atualização:

A então estudante Neiva Guedes se sentia inquieta em um fim de tarde de novembro de 1989 ao observar um grupo de araras-azuis em galhos secos do Pantanal. Por meio de uma professora, ela havia ficado sabendo da ameaça que rondava a espécie, situação que a comoveu. “Coloquei na cabeça que iria fazer algo para que elas não desaparecessem.”

Na época, estimava-se que a população dessas araras no País chegasse a 2,5 mil, das quais 1,5 mil no Pantanal. A extinção da espécie era uma ameaça real, potencializada pela atuação do tráfico de animais, que até a década de 1980 já havia afetado milhares de aves. Trinta anos depois, os esforços de Neiva ajudaram a mudar essa realidade, e hoje a população já chega a 6,5 mil araras.

Neiva Guedes em campo: após 30 anos, população de 6,5 mil araras Foto: Eveline Castanho/Arquivo Instituto Arara Azul

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Em reconhecimento a esse trabalho, a bióloga e doutora em Zoologia, hoje com 59 anos, ganhou mais um prêmio e passou a integrar o grupo de Mulheres da Ciência, da Organização das Nações Unidas (ONU). A premiação, diz Neiva, é válida sobretudo porque ajuda a divulgar ainda mais o seu trabalho. O Instituto Arara Azul, que ela criou, virou referência.

Obstáculos

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Para chegar a esse ponto, a bióloga teve de superar obstáculos. “Foi desafiador”, diz. Quando começou, as referências bibliográficas eram escassas e não se sabia nada sobre a reprodução da espécie ao ar livre.

Com a ousadia de uma recém-formada, Neiva foi a campo. Sua proposta era contabilizar ninhos de arara-azul, conhecer seus hábitos e evitar sua extinção. Para isso, viajou de carona em carona pelo Pantanal. Quando conseguiu um carro, ele se tornou sua casa, base itinerante em viagens de 30 a 60 dias.

A arara-azul é a maior espécie de psitacídeos do mundo, com envergadura que pode chegar a 1,5 metro. A reprodução demora de sete a nove anos e os filhotes permanecem com os pais até completarem de 1 a 2 anos. Muito sociáveis, só vivem em famílias, grupos e bandos. Quando amadurecem, formam par até que um deles morra. Só se alimentam da castanha de dois tipos de coquinhos, o acuri e a bocaiúva. Em casos extremos, podem comer outros alimentos.

Em uma de suas primeiras tentativas de estudo, Neiva ficava em uma barraca no refúgio ecológico Caiman, em frente a uma árvore, para conhecer o comportamento das araras. Ficava lá do amanhecer até a noite, anotando tudo. Foi então alertada por um amigo biólogo que ela precisava observar “não um casal, mas uma população”.

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Depois da dica, ela saiu caçando ninhos. “Nos primeiros dias, consegui cadastrar 58 ninhos e, destes, 5 ainda com filhotes”. Até então, a catalogação se restringia a observar do chão, pois não conseguia subir na copa das árvores. Mas logo ela conheceu o ornitólogo americano Lee Harper, que lhe ensinou técnicas de campo, principalmente escalada de árvores.

Caixas-ninho

Ao perceber que um dos problemas na reprodução da espécie era a falta de cavidades para construir ninhos, Neiva teve a ideia de criar as caixas-ninho – ninhos artificiais com caixas de madeiras. “Deram certo, e começamos a instalar em larga escala. Depois de um tempo, os ninhos artificiais passaram a ser como os naturais”, conta. Simultaneamente, a equipe restaurava os ninhos naturais e realizava o manejo de ovos e das próprias aves.

E assim, em 2014, a arara-azul saiu da lista de animais ameaçados de extinção. Porém, explica Neiva, a espécie ainda é vulnerável e corre risco, por fatores como tráfico, baixa natalidade e mudanças climáticas. Atualmente, além das araras-azuis, Neiva trabalha com aves urbanas em Campo Grande. Nesses 32 anos, porém, treinou biólogos em vários cantos do País. A premiação da ONU se somou a outras honrarias que recebe desde 1995 no Brasil e em países estrangeiros.

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Saiba mais - Preservação

Auxiliar na preservação das espécies é uma tarefa que pode ser feita por qualquer um, com o simples ato de compartilhar uma foto. Plataformas como o iNaturalist ou WikiAves incentivam que os usuários compartilhem fotos ou cantos de aves com uma rede de naturalistas, biólogos e cientistas. Isso permite que espécies raras ou em extinção, por exemplo, sejam reconhecidas e mapeadas – o que pode contribuir para projetos semelhantes ao de Neiva Guedes e para a pesquisa científica.

Segundo o especialista em aves Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), essa prática também contribui para uma familiaridade maior entre os cidadãos e as espécies de animais. “Além de alimentar uma base de dados importante para a preservação de espécies”, diz. /COLABOROU LUIZ HENRIQUE GOMES, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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