Um pássaro deixou a Terra. Seus últimos representantes estão mortos. Sua morte foi oficialmente registrada. Trata-se do mergulhão que tinha encontrado, aliás, um bom lugar, nos pântanos da ilha de Madagáscar e estabelecido o seu acampamento no Lago Alaotra.
Ele pretendia pôr ovos e continuar sua descendência. Infelizmente, nesse lago, existem peixes carnívoros. E pescadores, também carnívoros. O mergulhão de Alaotra, portanto, encerrou seu périplo pela Terra. Foi para o céu. Onde, sem dúvida, terá encontrado outro pássaro, o dodô, que também habitava a mesma região do Oceano Índico e disse adeus ao planeta bem antes dele, no século 18, sob as balas dos caçadores.
Outro animal está ameaçado: o antílope do Casaquistão. Esses antílopes eram 1 milhão em 1990. Só restam 50 mil. E eles vão morrer.
Outra notícia: examinando o estômago de mamutes, foi descoberto que, se a Terra se resfriou bruscamente há 12.900 anos, foi porque os mamutes desapareceram nessa data. Explicação: o estômago do mamute é muito grande. Seu intestino produz, portanto, quantidades gigantescas de metano, fonte de calor. O fim dos mamutes acabou com essa fonte de metano e provocou o resfriamento do planeta. Fiquei convencido com esse estudo americano? Não.
No Camboja, uma empresa da riquíssima Cingapura extrai milhões de toneladas de areia. Essa areia é expedida por barco. Servirá para aumentar a superfície de Cingapura. Esse saque das areias cambojanas é um desastre. Devasta o setor pesqueiro. As pessoas que construíram suas pequenas casas sobre a areia foram expulsas. Os rios de dinheiro que Cingapura embolsa não servem para nutrir os cambojanos, mas favorecem uma corrupção vertiginosa.
Até quanto escavadoras continuarão a devastar a terra cambojana? Um dia o Camboja terá desaparecido totalmente? Um dia um país muito rico poderá comprar toda a terra de um país muito pobre, e apagá-lo do mapa do mundo? Há alguns anos, tomamos consciência de que a penúria de água em certas regiões, por exemplo o Oriente Médio, é tão aguda que já são previstas “guerras da água”. Por que não veremos explodir também guerras de areia, de pó?
O escritor brasileiro Mario de Andrade realizou uma viagem pelo Nordeste em 1928 e publicou um livro, Turista Aprendiz. Esse é um texto patético, quando ele fala, exatamente, da poeira do Nordeste.
“Poeira, toneladas de uma poeira clara... Um boi puxando um carro d’ água avança lentamente... Descubro enfim um sinal de rebanho. Minha alegria é incomensurável. Mas realmente falta gado por aqui. Só poeira. Um passageiro se queixa para o empregado. ‘Quando estivermos um pouco mais longe, o senhor vai ver. Eu tenho toda uma louça no interior do meu corpo, tijolos, ladrilhos, jarras... Ah, se a poeira pudesse ser exportada, o Nordeste não estaria em crise, isso não. Venderíamos a poeira do Nordeste para o mundo inteiro. E ficaríamos tão ricos como São Paulo!”
Mario de Andrade era um poeta, mas hoje Cingapura e o Camboja, 50 anos mais tarde, dão à sua cólera de 1928 os acentos de uma profecia.
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