Quem olha um faveiro-de-wilson, com seus 20 metros de altura e tronco que chega a 1,5 metro de diâmetro, não imagina que a árvore, depois de sobreviver ao desmatamento histórico, continue correndo risco de extinção. Desta vez, ameaçada pelo capim dos campos de pastagens. “Mas esta é uma ameaça real”, diz o engenheiro florestal Fernando Moreira Fernandes, professor do Jardim Botânico da Fundação de Parques e Zoobotânica de Belo Horizonte. Nos últimos anos, ele tem se dedicado à proteção dessa árvore, na área de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica.
Fernandes começou a missão em 2004. Saiu a vasculhar fazendas e sítios em busca de exemplares que restaram do faveiro-de-wilson na natureza. Ele é um sobrevivente da prática rural do desmatamento para formação de pastagens – predominantemente o capim braquiária (Urochloa decumbens), espécie africana plantada para alimentar o gado. O fogo que costuma lamber a grama seca dos campos do Cerrado em tempo de queimadas, a partir de agosto e setembro, agrava a ameaça ao faveiro.
Foi em 1968 que este foi identificado pelo mateiro Wilson Nascimento. No ano seguinte, ela foi descrita pelo botânico Carlos Toledo Rizzini – daí o nome científico adotado, Dimorphandra wilsonii Rizzini. Em 1984, Rizzini encontrou apenas 18 exemplares do faveiro-de-wilson, lembra Fernandes. “Naquela ocasião, já consideraram a árvore em curso de extinção”, relatou o engenheiro florestal em um simpósio científico.
Com apoio de ONGs, um grupo de especialistas coordenados por Fernandes fez em 2007 o primeiro inventário da espécie. Em 2015, a pesquisa levou o Prêmio Nacional de Biodiversidade com o projeto de conservação e, ao longo dos anos, o trabalho passou a render proteção legal ao faveiro. Em meio ao estudo da espécie, Fernandes descobriu um primo do faveiro-de-wilson, o faveiro-da-mata (Dimorphandra exatata), também sujeito à mesma ameaça.
Preservação
Fernandes encontrou inicialmente 12 árvores da espécie nos municípios de Paraopeba e Caetanópolis, a 100 km de Belo Horizonte. Foram 17 anos de estudo na região. Mas, mesmo com todo o trabalho dos cientistas, apoio da Fundação Zoobotânica e de outros organismos e pesquisadores, hoje um faveiro-de-wilson grita, e outro não ouve. O cientista conta que há apenas 450 indivíduos da espécies por lá.
O objetivo é salvar a bela florada amarela que origina vagens (favas) adocicadas, alimento para araras, antas, veados, cotias, e até animais de criação, como cavalos e gado, em uma área de 23 cidades. “É muito pouco”, resumiu o engenheiro florestal. “A gente começou a pesquisa com uma dúzia. Acabamos descobrindo que a espécie estava ameaçada.”
A diferenciação entre os tipos de faveiro – faveiro-da-mata e faveiro-de-wilson – é feita basicamente pelo tipo de folhagem, pelo tamanho das vagens e também pela casca dos troncos. A família tem mais um primo, o faveiro-do-campo (D. Mollis), mais atarracado, que não está na lista dos ameaçados. “Pelo menos por enquanto. Há alguns milhares”, diz Fernandes.
O estudo detalhado sobre o raro faveiro-de-wilson teve análise da qualidade das sementes, da genética e fisiologia da árvore, germinação e produção de mudas e plantio. Fernandes já coordenou o plantio de cerca de 800 mudas da árvore. “Mas muitas morreram. Por ação de cupins, formigas, depredação, fogo”, lamenta.
Interrupção
Fernandes recorda ainda que, quando esse estudo começou, não havia muitas informações. “Procuramos pela planta no interior, fomos às comunidades”. Isso levou à produção de pelo menos 13 trabalhos científicos publicados, quatro mestrados e três doutorados. E mais: um prêmio, em 2014, da The Mycological Society of America para trabalho da pesquisadora Meirieli da Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), pela descoberta de um fungo que só dá nas folhas do faveiro-de-wilson.
As atividades de proteção e tentativa de recuperação da espécie, contudo, estão paralisadas. “Agora, 2021, o plantio e outras atividades estão parados por falta de patrocínio”, avisa Fernandes.
Participaram desse projeto de conservação organizações como a Fundação Grupo Boticário e o Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos, entre outras entidades. O CEPF, que investiu pelo menos US$ 20 mil no projeto no período entre 2017 e março de 2021, prepara novo plano para financiar a proteção das espécies do Cerrado, incluindo os faveiros.
Comunidade
Os cientistas não fizeram tudo sozinhos. Um dos principais voluntários para a preservação dos faveiros foi o o Seu Toín, Antonio Resende Nogueira, morador do município de Maravilhas (136 km de BH). “Ele localizou pelo menos 60 faveiros em Maravilhas e Pequi”, recorda Fernandes. Na região, Seu Toin ficou conhecido pela divulgação de um cartaz de “Procura-se” da árvore. Ele morreu em janeiro, aos 77 anos. Pela relevância de seu trabalho, Seu Toin virou o Tonico, personagem de um livreto recém-publicado sobre a espécie.
A procura pela árvore mobilizou comunidades e levou à formação de brigadas de combate a incêndios. Moradores locais ajudaram na localização de sobreviventes. É assim também na propriedade da família de José Raymundo Xavier, de 57 anos, morador de Pequi, onde há dois faveiros-de-wilson sobreviventes, cuidados como joias. “A gente não sabia que eram raras. Descobri com a pesquisa deles”, afirma o produtor de leite. “Aqui, nossos vizinhos também têm algumas dessas árvores raras”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.