A Terra terá uma 'caixa preta' para responsabilizar os humanos pelas mudanças climáticas

Cofre de aço do tamanho de um ônibus escolar será construída na Tasmânia, um estado insular na costa sul australiana

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Por Livia Albeck-Ripka

Numa região remota da Austrália, um cofre de aço do tamanho de um ônibus escolar registrará os padrões climáticos de aquecimento da Terra. Ouvirá o que dizemos e fazemos. Criará um arquivo que pode ser fundamental para coletar nossos erros, dizem seus criadores, caso a humanidade seja destruída pelas mudanças climáticas.

A 'Caixa Preta da Terra' vai registrar as ações dos líderes, vasculhando a internet em busca de palavras-chave relacionadas às mudanças climáticas. Foto: Earth’s Black Box

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A caixa-forte, conhecida como Caixa Preta da Terra, será construída na Tasmânia, um estado insular na costa sul australiana. Funcionará como o gravador dos voos dos aviões, que registram os momentos finais da aeronave antes da queda. Mas os fabricantes desta nova caixa preta – entre eles artistas, arquitetos e pesquisadores de dados da Universidade da Tasmânia – dizem que esperam que ela não precise ser aberta.

“Estou dentro do avião, não quero que ele sofra um desastre”, disse Jim Curtis, diretor de criação da agência de publicidade australiana onde o projeto foi concebido. “Realmente espero que não seja tarde demais”.

Imagem de arquivo mostra nuvens em fazenda na Tasmânia;cofre de aço do tamanho de um ônibus escolar registrará os padrões climáticos de aquecimento da Terra Foto: Reuters/David Gray - 04/06/14

Muitas questões continuam em aberto: será que a Terra realmente precisa de uma caixa preta? Como as futuras gerações irão decifrá-la? Curtis disse que a caixa seria projetada para “cobrar responsabilidade de nossos líderes”. E acrescentou: “Se a civilização naufragar, esta caixa sobreviverá com uma história feita com base em dados, completamente objetiva”.

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As mudanças climáticas são uma das ameaças mais graves que a humanidade enfrenta, dizem os cientistas. Elas estão aprofundando as desigualdades econômicas e de saúde, aumentando a frequência e a intensidade dos desastres naturais e, como advertiram as Nações Unidas, ameaçando o abastecimento mundial de alimentos.

Em novembro, os negociadores da cúpula do clima COP26 em Glasgow, Escócia, chegaram ao consenso de que todos os países devem agir mais rapidamente para evitar um aumento catastrófico das temperaturas mundiais. Os cientistas alertaram que, se ultrapassarmos o limiar de 1,5 grau Celsius, o risco de desastres como escassez de água, ondas de calor mortais e colapso de ecossistemas aumentará imensamente. (O mundo já esquentou 1,1 grau Celsius).

E por isso algumas pessoas conceberam a ideia da caixa preta.

O projeto não está sozinho em sua tentativa de tirar os humanos daquilo que os criadores sugerem ser um pensamento de curto prazo a respeito do aquecimento global. Não é o primeiro a tentar guardar pedaços da civilização humana para a posteridade. Cientistas já construíram repositórios para tudo, desde colheitas de alimentos essenciais até gelo de geleiras e embriões de animais congelados, alguns deles já extintos. Outros tentaram esconder nosso lixo nuclear para que as gerações futuras possam evitar o material tóxico mortal.

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Os criadores da caixa afirmam que ela registrará as ações (ou inações) dos líderes, vasculhando a internet em busca de palavras-chave relacionadas às mudanças climáticas em jornais, mídias sociais e periódicos revisados por pares. A caixa também coletará métricas diárias de temperaturas oceânicas e terrestres, de concentração de dióxido de carbono atmosférico e de perda de biodiversidade.

A caixa – que tem 11 metros de comprimento e é feita de aço com 8 centímetros de espessura – só deve ser concluída em meados do ano que vem. Mas os criadores dizem que já começaram a reunir informações. Os dados serão armazenados num disco rígido gigante, automatizado, movido a energia solar, com capacidade para coletar informações por cerca de 50 anos.

A Tasmânia foi escolhida por sua relativa segurança geopolítica e ambiental, e o monólito foi projetado para ser resistente a ameaças como ciclones, terremotos e até mesmo vândalos.

Imagem de satélite mostra impacto de incêndios florestais na Tasmânia Foto: Nasa/Divulgação

David Midson, gerente geral do conselho local que supervisiona grande parte da costa oeste da Tasmânia, onde a caixa será construída, disse que a resposta dos moradores locais ao projeto foi amplamente positiva.

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“Há muita curiosidade e interesse em torno da caixa”, disse Midson, acrescentando que, embora as licenças ainda não tenham sido aprovadas, ele está otimista.

Alguns cientistas duvidam que as mudanças climáticas nos eliminem completamente.

Noah Diffenbaugh, cientista climático da Universidade de Stanford, que diz que, embora os efeitos das mudanças climáticas sejam extremamente graves, “seria um erro confundir o fato de as mudanças climáticas representarem um risco muito concreto, presente e cada vez maior para os humanos e para os ecossistemas com a possibilidade de risco de extinção para os humanos”.

“Há poucas evidências”, enfatizou Diffenbaugh, “de que o aquecimento global ameaça a sobrevivência da espécie humana”.

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O cenário mais provável caso os humanos não reduzam significativamente as emissões de gases de efeito estufa, acrescentou ele, seria um mundo em que alguns lugares vão desaparecer abaixo do nível do mar, muitos outros ficarão quentes demais para os humanos habitarem e perigos como ondas de calor, secas e tempestades serão mais comuns.

Alguns também observam que os dados das mudanças climáticas já estão sendo registrados por outros cientistas e pesquisadores.

“Não é algo muito acessível ou compreensível para a maioria das pessoas”, disse Daniel Kevles, historiador da ciência na Universidade de Yale, sobre a caixa preta. Embora possa ter algum mérito como documento para o futuro, ele acrescentou: “Não estou muito impressionado com relação ao seu impacto para nos alertar”.

Embora as informações possam ser encontradas em outros lugares, insistem os criadores, não estão armazenadas para a posteridade, dentro de um lugar imutável.

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Também não está claro como os futuros visitantes poderão recuperar o conteúdo da caixa.

Os criadores dizem que estão trabalhando nisso. Uma opção é codificar o conteúdo em vários formatos, como o código binário, que poderiam ser decifrados. Os criadores dizem que, se o planeta estiver se aproximando do cataclismo, as instruções para abrir a caixa serão gravadas em seu exterior. A mensagem não pode ser incluída antes, dizem eles, devido ao risco de vândalos tentarem abri-la.

“Estamos em modo beta”, disse Michael Ritchie, que dirige a produtora com sede em Sydney que está gerenciando o projeto. Por enquanto, “as pessoas estão atentas”, disse Ritchie, acrescentando: “Queremos ter certeza de que não vamos arruinar este planeta”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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