O Pantanal não foi o único bioma a fechar o primeiro semestre com número de queimadas acima do normal. A Amazônia registrou 13.489 focos – 62% a mais ante o mesmo período de 2023 e o pior número em 20 anos para o intervalo de janeiro a junho, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Conforme o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a alta foi puxada pelos focos em Roraima, onde a temporada de fogo, que costuma ser entre novembro e dezembro, se estendeu para janeiro e fevereiro. Roraima concentrou 34% dos registros no semestre (4627), atrás apenas de Mato Grosso.
Segundo Agostinho, têm pesado os efeitos do El Niño, cuja influência no clima terminou há poucas semanas, e o aquecimento global. A Amazônia não é adaptada ao fogo e focos naturais são raros.
No bioma, a dinâmica das chamas normalmente segue o rastro do desmate, que costuma ser seguido de queimadas para limpar terrenos. Mas, em anos de seca extrema como os de El Niño, o fogo extrapola esse padrão.
No ano passado, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alvo de críticas pela crise na Amazônia, onde a seca dos rios dificultou até o abastecimento de comida e remédios e o aumento de queimadas fez cidades serem encobertas pela fumaça.
Neste ano, como o Estadão mostrou, novas falhas de prevenção do governo agravam o problema no Pantanal, que corre risco de enfrentar desastre pior do que o de 2020. Lula tem defendido a bandeira ambiental no exterior e organiza uma Cúpula do Clima (COP) das Nações Unidas em Belém, em 2025, para projetar o Brasil nos debates climáticos.
Agostinho nega omissão do governo e diz mobilizar mais dinheiro e equipes para frear as chamas. No Pantanal, segundo o órgão, há 500 agentes federais no combate às chamas. O Ibama não detalhou o cronograma de chegada de mais brigadistas à Amazônia.
Ainda segundo ele, a greve dos servidores do Ibama não vai prejudicar o combate. “De comum acordo, os servidores decidiram que a área de fogo não será impactada pela greve. Tem muitas outras áreas burocráticas do Ibama que de fato estão paradas”, disse. Além de prejudicar a fiscalização de crimes ambientais, a paralisação tem causado perdas bilionárias a diversos setores.
“A gente está conseguindo diminuir o desmatamento, mas o calor intenso, os períodos de seca, a fragmentação florestal e o efeito de borda estão aumentando a degradação em regiões da Amazônia. E isso leva a uma situação de áreas mais sensíveis ao fogo”, afirmou ao Estadão.
Especialistas têm alertado que, com a piora do aquecimento global, fenômenos climáticos extremos vão se tornar cada vez mais intensos e frequentes, o que exigirá maior capacidade de prevenção e resposta por parte das autoridades, além de fiscalização de crimes ambientais.
Ibama cita ‘orçamento insuficiente’ e destaca contratação de brigadistas
Segundo Agostinho, foram empenhados R$84 milhões este ano em medidas de prevenção ao fogo, além de reforço de R$4,5 milhões recebidos no fim de junho do governo federal. O Ibama diz ainda que houve promessa de crédito extraordinário, que pode chegar a R$ 40 milhões.
“Isso não é de agora. É um processo que se iniciou no 2º semestre do ano passado e perdura. Deveríamos ter visto grandes chuvas sobre a Amazônia de dezembro a maio, mas não teve.”
Isso acende um alerta para o período mais seco do ano, que acabou de começar e vai até setembro. “A perspectiva nos próximos três meses é que continue (sem precipitações)”, alerta.
A recomposição orçamentária foi feita após a crise do Pantanal, já que a verba para fiscalização ambiental, prevenção e combate a incêndios havia sido reduzida de R$144 milhões em 2023 para R$ 106 milhões em 2024 no orçamento aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula.
“Era um orçamento insuficiente e nós fizemos todos os remanejamentos possíveis”, acrescentou Agostinho. “Conseguimos antecipar praticamente dois meses a contratação dos brigadistas, conseguimos ter as aeronaves. Quando os incêndios no Pantanal começaram, a gente já estava lá”, diz.
Floresta também está mais seca
Assim como o Pantanal, que sofre com a estiagem nas áreas de nascentes, a Amazônia também está mais seca em relação às médias para esta época do ano. Segundo o meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Renato Senna, os sinais de que o problema climático se formava já eram notados em 2023.
As chuvas escassas foram insuficientes para encher os grandes rios amazônicos. Embora estejam na cheia, eles apresentam atualmente volumes muito inferiores aos que normalmente são registrados nessa época.
É o caso do Rio Negro, que registrou em junho cota máxima de 27 metros, bem abaixo das médias históricas. Isso vem ocorrendo de forma generalizada nas bacias que compõem a Amazônia, principalmente nos rios da margem direita. Ele também manifesta preocupação com as nascentes de rios como o Madeira.
“Associado à ausência de chuva, normalmente tem elevação de temperatura. Há muita matéria seca junto ao solo da floresta, tem (acúmulo de biomassa) combustível. As pessoas tentam colocar fogo para limpar o campo e aumentam a incidência de queimadas”, continua o pesquisador.
Fumaça de queimadas afeta saúde em SP
Todo o regime hídrico do Centro-Oeste e Sudeste é influenciado pela Amazônia. O ciclo hidrológico na floresta faz com que as moléculas de água – vindas do oceano e precipitadas sobre o bioma – sejam evaporadas e voltem em forma de chuvas na região entre 5 a 8 vezes. Quando essa enorme massa de ar se desloca no sentido da Cordilheira dos Andes, migra para o Sudeste, formando os “rios voadores”.
A alteração desse ciclo pelo desmatamento é sentida nas mudanças de comportamento das tempestades que afetam o País no verão: cada vez mais frequentes, intensas e localizadas, de acordo com especialistas.
Estudos também já mostraram que a fumaça de queimadas na Amazônia e no Pantanal afeta a qualidade do ar da cidade de São Paulo, conforme mostrou uma pesquisa de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) publicada em 2023.
A partir de cinco pontos de medição instalados na cidade, o projeto vem monitorando a fumaça oriunda de incêndios florestais e também as concentrações de gases do efeito estufa.
A poluição do ar é a principal causa ambiental de doenças e mortes prematuras no mundo. Partículas finas de poluição do ar ou aerossóis, também conhecidas como partículas finas, são responsáveis por 6,4 milhões de mortes todo ano, causadas por doenças como cardiopatia isquêmica, acidente vascular cerebral, câncer de pulmão, pneumonia, diabete e distúrbios neonatais.
Além da saúde, a poluição atmosférica está ligada à perda de biodiversidade e ecossistema.
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