Amazônia tem mês de junho com maior nº de queimadas desde 2007; focos também crescem no Cerrado

Nos últimos 30 dias, 2.562 focos de incêndio foram registrados na região amazônica, segundo monitoramento do Inpe. Dado total do primeiro semestre é 17% maior em relação ao mesmo período do ano passado

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A Amazônia e o Cerrado brasileiros registraram aumentos no número de queimadas. No primeiro semestre deste ano, 7.533 focos de incêndio foram registrados na floresta amazônica, crescimento de 17% em relação ao mesmo período de 2021. No Cerrado, por sua vez, foram 10.869 registros, valor 13% maior que o dos seis primeiros meses do ano passado. Os dados são do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.  

Os últimos 30 dias foram particularmente ruins para a Amazônia, quando 2.562 focos de incêndio fizeram do mês o pior junho desde 2007. No Cerrado, houve 4.239 registros, aumento de 1,4% em relação ao ano passado e o pior patamar desde junho de 2010. Desde 2019, primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro, esse índice é crescente. Historicamente, anos eleitorais têm os maiores índices de desmatamento e queimadas.

Fogo invade e consome a floresta em Apui, sul do Estado do Amazonas, em agosto de 2019. Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Os dados do Programa Queimadas, do Inpe, seguem outros maus resultados. Há duas semanas, levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontou que nos cinco primeiros meses de 2022, a Amazônia Legal registrou recorde de desmatamento e em 151 dias derrubou 3.360 km² de floresta. A área desmatada é a maior em 15 anos e os municípios mais afetados são, respectivamente, Apuí (AM), Altamira (PA), Lábrea (AM), Novo Progresso (PA) e Novo Aripuanã (AM).

Agora, os dados do Deter, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe, atualizados até o dia 24 de junho, mostram que mesmo faltando uma semana para fechar o mês ele já é o pior junho registrado desde o início do monitoramento no bioma. Foram 752 quilômetros quadrados desmatados. A área sob alerta de desmatamento em junho de 2022 aumentou 55% em comparação a junho do ano passado.

De acordo com o Deter, na Amazônia houve redução de 17% no número de alertas de desmatamento, em comparação com junho de 2021. Quando analisados os alertas de desmatamento desde o início do ano, no entanto, é o pior primeiros semestre (ainda incompleto) desde o lançamento do sistema de monitoramento. Foram 3.750 quilômetros quadrados, crescimento de 4% em relação ao mesmo período de 2021.

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A gestão Jair Bolsonaro tem sido marcada por recordes nos índices de desmatamento, aumento de focos de incêndio florestal e críticas da comunidade internacional em relação à atuação do País na área.

Após uma série de compromissos assumidos pelo governo na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26), em Glasgow, o embaixador britânico no Brasil, Peter Wilson, chegou a afirmar em entrevista ao Estadão em dezembro do ano passado que o País teria de provar que protege efetivamente o meio ambiente para conseguir atrair investimentos estrangeiros, incluindo o do Reino Unido. “O Brasil quer mais investimento em sua economia, mas, no futuro, não vai ser possível atrair os fundos maiores sem uma política ambiental clara nos níveis federal e estaduais”, disse Wilson.

Pesquisador vê ligação com atividade humana

De acordo com o climatologista e pesquisador associado do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo) Carlos Nobre, não há nenhuma condição climática neste ano que possa favorecer o avanço dos focos de incêndio nestes biomas. Pelo contrário, o efeito do La Niña favorece a penetração de maior umidade no continente. “A explicação é aumento de fogo mesmo, fogo (causado por) humano”, afirma.

Há décadas trabalhando com pesquisas de clima relacionadas com a Amazônia, Nobre vê na raiz desse fato, concretizado em dados, o descontrole da fiscalização dos órgãos ambientais e o ano eleitoral, em que historicamente desmatamento e incêndios florestais crescem.

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Recém-eleito para a Royal Society, academia de ciência inglesa com sede em Londres, a mais antiga do mundo ainda em atividade (ele é o segundo brasileiro a ocupar um lugar na entidade, Dom Pedro II é o único a antecedê-lo), Nobre estabelece um paralelo com o período imediatamente anterior à promulgação da Constituição de 1988. “Em 1987 e 1988, havia a expectativa de um novo marco legal que reduziria o desmatamento. Houve, então, uma explosão das atividades ilegais na Amazônia”, afirma. “Neste ano há uma leitura parecida, na minha interpretação. A (possível) mudança de presidente vai trazer a tendência de uma enorme diminuição da ilegalidade (ambiental).”

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O pesquisador vê a ilegalidade aumentar e fugir de qualquer tentativa de controle. “Desde 2019, mesmo esse presidente proibiu o uso de fogo (em atividades agrícolas durante os meses de seca) e foi totalmente ignorado. Ninguém está levando nada a sério”, afirma.

Para combater as ilegalidades ambientais e a repercussão negativa, o governo federal criou em 2020 o Conselho Nacional da Amazônia Legal, comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Entre as medidas implantadas estão a utilização das Forças Armadas para o combate a atividades ilegais na região, por meio das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs).

Para especialistas, no entanto, o investimento crescente nessas frentes de combate a ilegalidades não surtiu efeito e os números do desmatamento continuaram a crescer. Em resposta à críticas, o governo brasileiro assinou em Glasgow, durante a  COP-26 (a conferência do clima da ONU), acordos para zerar o desmatamento ilegal até 2028 e reflorestar 18 milhões de hectares até 2030.

Entre os efeitos das queimadas, além da perda de biodiversidade, prejuízos econômicos e à saúde, está a emissão de gases geradores do efeito estufa. Estudo de 2021, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostra que os incêndios florestais no Brasil acresceram em 21% as emissões anuais do País.  Cortar pela metade o volume emitido, até 2030, é outro compromisso assumido pelo Brasil durante a COP-26.

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A reportagem questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre os dados, mas não obteve resposta até a noite desta sexta-feira, 1.

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