RIO - Quase 40% da extração de madeira na Amazônia é irregular, segundo estudo conduzido pela Rede Simex, que reúne várias instituições de pesquisa da região. O trabalho revela ainda que pelo menos 15% da retirada ilegal ocorreu dentro de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação.
A pesquisa foi feita com base em imagens de satélite tomadas de 377 mil hectares de áreas com extração de madeira na Amazônia entre agosto de 2020 e julho de 2021. Pela primeira vez, os pesquisadores tiveram acesso às autorizações para a retirada de madeira, emitidas pelos órgãos ambientais de todos os Estados analisados, o que permitiu revelar a taxa de atividade ilegal.
A Rede Simex é formada pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), pelo Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Idesam), pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e pelo Imaflora. O levantamento constata que houve exploração de madeira não autorizada em 142 mil hectares da floresta - 38% da retirada total. Isso significa que a Amazônia registra retirada irregular de árvores em área similar à da cidade de São Paulo em apenas um ano.
“O índice de exploração não autorizada é muito alto e representa graves danos socioambientais para a Amazônia, contribuindo para impedir o desenvolvimento sustentável da região”, diz o pesquisador do Imazon Dalton Cardoso. “Sem manejo florestal sustentável, a floresta pode ser degradada, há mais riscos de conflitos e deixa-se de gerar empregos formais e impostos.”
Os pesquisadores analisam as imagens de satélite para determinar onde tem ocorrido a retirada de árvores. Depois, comparam essas áreas com as delimitadas pelas autorizações oficiais e, assim, conseguem determinar a extração ilegal. Pelo formato da perda da vegetação, é possível perceber quando o objetivo é a extração da madeira. No desmatamento, toda a cobertura vegetal é retirada. Na extração, há retiradas pontuais. Estradas vicinais e construções provisórias de apoio ajudam a identificar essas áreas.
Para Rodrigo Castro, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne empresas e sociedade civil em defesa da floresta, o estudo é fundamental para dimensionar o problema, mas o resultado não chega a surpreender.
“É mais um elemento a reforçar a desgovernança na Amazônia, de desmonte da governabilidade e de impunidade”, diz Castro. “A extração ilegal não passa por órgãos de licenciamento, não gera empregos formais nem arrecadação. É um desastre em muitos aspectos, sem falar na agressão e degradação do patrimônio natural.”
Mais de 20 mil hectares estão em áreas de conservação e terras indígenas
Do total das áreas exploradas irregularmente, 21 mil hectares estão em terras indígenas e unidades de conservação, onde a extração de madeira é ilegal em qualquer hipótese. O número corresponde a 15% de toda a região com atividade irregular na Amazônia. É uma área similar à de João Pessoa. “Quem cumpre a lei está sendo prejudicado”, destaca Castro. “A legalidade precisa ser mantida, é claro, mas é preciso criar condições para que ela vença.”
A maior parte da extração de madeira na Amazônia ocorre em Mato Grosso. De agosto de 2020 a julho de 2021, a atividade irregular abarcou 103 mil hectares no Estado – 73% da extração ilegal em toda a Amazônia. A extração legal foi registrada em 173 mil hectares.
“Apesar de a maior parta da exploração madeireira em Mato Grosso ter sido autorizada, a área com atividade não permitida cresceu 17% em relação ao levantamento anterior, que analisou o período de agosto de 2019 a julho de 2020″, alerta Vinicius Silgueiro, coordenador de inteligência territorial do ICV. Só nas terras indígenas do Estado, houve aumento de 70% na extração de madeira irregular.
O 2º Estado com a maior área de exploração madeireira na Amazônia é o Pará: um total de 57 mil hectares ou 15% da região. Rondônia, Amazonas, Acre e Roraima registraram áreas de extração com menos de 20 mil hectares, o que representa porcentuais de 4,3% a 0,3% do total mapeado para a região. Outros três Estados não tiveram imagens de satélite analisadas. No Amapá, o problema foi a alta cobertura de nuvens. Tocantins e Maranhão têm áreas ainda pequenas para serem detectadas.
Para a pesquisadora do Idesam Tayane Carvalho, os dados mostram que as ações de fiscalização continuam insuficientes. “O cenário torna ainda mais necessário o incentivo ao manejo florestal sustentável, pautado na legislação”, afirma.
A extração de madeira difere do desmatamento. A extração diz respeito à retirada de árvores específicas para a venda de madeira. Já o desmate costuma ser a retirada total da floresta, geralmente para abrir espaço para o cultivo agrícola ou a pecuária. Parte importante da extração, porém, não é ilegal. Ocorre por meio do manejo sustentável em áreas determinadas da propriedade privada, com preservação de parte da floresta original.
“Fazemos ações de conscientização e orientamos os sindicatos para que todos os empreendimentos exijam toda a documentação necessária e autorizações ao adquirir matéria-prima, não recebam mercadoria sem nota”, afirma o diretor-executivo do Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (Cipem), Valdinei Bento dos Santos. “Também estamos apoiando o órgão ambiental estadual na cadeia de rastreabilidade, que esta prestes a ser implantada, em que cada árvore poderá ser georeferenciada. Teremos a rastreabilidade do manejo até a indústria.”
Estados dizem se esforçar para coibir crimes
Procurado, o governo de Mato Grosso disse que a maior parte da exploração madeireira no Estado é legal, com 63% do total com autorização ambiental. Afirmou também que monitora “todo o seu território por imagens de satélite, gera alertas de desmatamento em tempo real, e age com rapidez para impedir o avanço do dano ambiental”. Quem desmata ilegalmente, continua, “é multado, tem a área embargada, e responde nas esferas administrativa, civil e criminal”.
Destaca ainda ter alcançado “38% do desmatamento dentro da legalidade no 1º trimestre de 2022, como resultado do investimento na eficiência do licenciamento ambiental, estímulo ao manejo florestal sustentável que mantém a floresta em pé, e da tolerância zero aos crimes ambientais.” O desmate legal, diz o governo, “era de cerca de 5% em 2019″.
Já a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará afirma que 70% do território paraense tem jurisdição federal e diz ter instituído a Força Estadual de Combate ao Desmatamento, que já realizou 27 fases da Operação Amazônia Viva, que integra agentes ambientais e de segurança.
Em pouco mais de 2 anos, mais de 7 mil hectares de terras com atividade ilegal foram embargadas e 11.439,9841 m³ de madeira em tora extraída de forma ilegal foram apreendidas e 2.090,88056 m³ de madeira serrada extraída de forma ilegal, apreendidas. O Pará diz que está em fase final para lançar o Plano Estadual de Bioeconomia, em busca de uma “economia de carbono neutro”.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente afirmou apenas que “a operação Guardiões do Bioma, que combate ilícitos ambientais, é coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu.
Em maio de 2021, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de ação de busca e apreensão, em São Paulo e Brasília, da Polícia Federal. A suspeita era de afrouxamento de regras de controle para exportação de madeira. Na época, Salles classificou a ação como “exagerada” e “desnecessária”. Pouco tempo depois, ele saiu do governo.
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