O ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, divulga no início da tarde desta quarta-feira, 31, uma nota se manifestando contrariamente à fusão da pasta ao Ministério da Agricultura anunciada nesta terça-feira pela equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Para Duarte, "o novo ministério que surgiria teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas. A economia nacional sofreria, especialmente o agronegócio, diante de uma possível retaliação comercial por parte dos países importadores".
Na nota, o MMA informa que preparou um detalhado e volumoso material listando todo o trabalho que é conduzido pela pasta para municiar a equipe de transição e diz que recebeu com surpresa e preocupação o anúncio da fusão feito na terça pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM), que deve assumir a Casa Civil na gestão Bolsonaro.
"Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências", diz a nota. Segundo o MMA, dos 2.782 processos de licenciamento que tramitam atualmente no Ibama, apenas 29 têm relação com a agricultura.
Duarte lembra que o Brasil é o "país mais megadiverso do mundo, tem a maior floresta tropical e 12% da água doce do planeta, e tem toda a condição de estar à frente da guinada global, mais sólida a cada dia, rumo a uma economia sustentável". Ele aponta que é função da pasta proteger essas riquezas naturais "contra a exploração criminosa e predatória, de forma a que possam continuar cumprindo seu papel essencial para o desenvolvimento socioeconômico".
A nota destaca que o MMA trabalha com os mais diversos temas, que vão do combate ao desmatamento e a incêndios florestais, a gerir substâncias perigosas e controlar emissões de poluentes de veículos automotores. Mesmo os trabalhos de licenciamento envolvem "setores que não têm implicação com a atividade agropecuária, como o petrolífero", aponta. "O Ministério do Meio Ambiente tem, portanto, interface com todas as demais agendas públicas, mas suas ações extrapolam cada uma delas, necessitando, por isso, de estrutura própria e fortalecida", continua.
O ministro lembra também que o ministério está à frente de interlocuções internacionais no que tange, por exemplo, a agenda climática. "A sobrecarga do ministro com tantas e tão variadas agendas ameaçaria o protagonismo da representação brasileira nos fóruns decisórios globais", alerta.
"Temos uma grande responsabilidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário. O mundo, mais do que nunca, espera que o Brasil mantenha sua liderança ambiental", conclui a nota.
Antes do primeiro turno, em entrevista ao blog Ambiente-se, Duarte já tinha se mostrado preocupado que uma vitória de Bolsonaro poderia elevar o desmatamento e comprometer o agronegócio. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fizeram um cálculo estimando como o campo pode se comportar com um eventual desmonte do sistema ambiental do País e calcularam que o desmatamento da Amazônia pode mais que triplicar.
Pasta vai unir quem é fiscalizado com quem fiscaliza
Nesta terça, 30, quando o anúncio foi feito, Marina Silva (Rede), que foi ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008, classificou a decisão como "triplo desastre". E declarou: "Estamos inaugurando o tempo trágico da proteção ambiental igual a nada. Nem bem começou o governo Bolsonaro e o retrocesso anunciado é incalculável".
Ela defendeu ainda que a medida "trará graves prejuízos ao Brasil e passará aos consumidores no exterior a ideia de que todo o agronegócio brasileiro sobrevive graças a destruição das florestas, atraindo a sanha das barreiras não tarifárias em prejuízo de todos".
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, grupo que reúne 180 entidades do agronegócio, de defesa do ambiente, da academia e do setor financeiro, enviou uma nota afirmando "que a união desses ministérios pode pôr em xeque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas". Para o grupo, "um órgão regulador não pode estar submetido a um setor regulado, por uma questão de coerência e boa governança".
Para o Observatório do Clima, "o governo de Jair Bolsonaro antecipa o início do desmonte da governança ambiental do Brasil". O grupo de organizações da sociedade civil afirma que a medida "submete o órgão regulador ao setor regulado. Ignora que o patrimônio ambiental único ao Brasil é um ativo, e não um passivo, que também demanda uma estrutura única de regulação".
Em nota, os ambientalistas afirma que, com a decisão, o presidente eleito "deixa claro que pretende cumprir cada uma das ameaças que fez durante a campanha ao meio ambiente e aos direitos difusos: enfraquecer o Ibama e o Instituto Chico Mendes, não demarcar mais um centímetro sequer de terras indígenas, acabar com todo tipo de ativismo e facilitar o acesso a armas de fogo por proprietários rurais".
Uma das poucas vozes que se manifestaram a favor da medida foi Xico Graziano, secretário de Meio Ambiente no Estado de São Paulo na gestão José Serra, entre 2007 e 2010. Antes ele foi secretário de Agricultura. Para ele, a fusão "cria uma desafiadora agenda de trabalho entre ruralistas e ambientalistas. Sai o produzir x preservar, entra produzir + preservar. Somar, não dividir". Segundo Graziano, é o início do que ele chama de "era do agroambientalismo".
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