Após três anos de influência no clima global, chegou ao fim em fevereiro o La Niña, fenômeno climático caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico equatorial. Com isso, tem início a transição para o El Niño, que deve elevar as temperaturas em todo o planeta. Trata-se de fenômeno cíclico que provoca o aquecimento do oceano na mesma região, ao longo de uma faixa na linha do Equador. Segundo pesquisadores da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos Estados Unidos, há 65% de probabilidade de isso acontecer entre julho e setembro.
Ainda não é possível prever exatamente quando seus efeitos serão sentidos pela população, mas sabe-se que o El Niño vai se desenvolver a partir de maio, provavelmente, e ao longo do 2º semestre de 2023. Caso a previsão se confirme, o fenômeno deve influenciar fortemente a atmosfera, levando a temperaturas elevadas e períodos de chuva prolongada.
O último episódio de El Niño foi entre 2015 e 2016, ano mais quente da história, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os efeitos desse evento climático podem durar até 18 meses.
Desde 2020, as estações foram marcadas pelas consequências do La Niña, responsável pelo aumento de fortes temporais, como os registrado no Norte e no Nordeste nos últimos anos, bem como pela seca nas regiões mais ao sul.
Por isso, o Rio Grande do Sul foi castigado por grave estiagem nos últimos tempos, que prejudicou as últimas safras agrícolas. Da mesma forma, houve cheia histórica no Amazonas em 2021, que afetou amplamente a população e deixou milhares de famílias sem casa.
El Niño e seus impactos
O El Niño se caracteriza por um aquecimento anormal do Oceano Pacífico equatorial. Conforme explica Estael Sias, meteorologista da MetSul e mestre em Ciências Atmosféricas pela Universidade de São Paulo (USP), geralmente ocorre aquecimento persistente, que leva até três meses. Isso acontece porque os ventos alísios sopram com uma intensidade bem menor do que o normal.
A temperatura do mar nessa região, próxima à linha do Equador, sobe pelo menos meio grau acima da média, podendo chegar a 28º C. Isso acaba formando um ar quente e alterando os padrões atmosféricos em diversos pontos do planeta. Na Indonésia, na Amazônia e no Nordeste do Brasil, principalmente, a tendência é de seca e de elevação intensa das temperaturas.
“O que causa esse aquecimento ainda é uma incógnita para a ciência, mas podemos prever que o evento irá ocorrer, acompanhar seu desenvolvimento e projetar as consequências”, afirma Estael. Segundo a cientista, estamos em um momento de neutralidade, após o final do La Niña.
Em grande parte, o El Niño foi responsável pela seca na Amazônia em 2016, por exemplo. Na época, a aridez e os incêndios provocaram a devastação de 2,5 bilhões de árvores da floresta, que normalmente é muito úmida.
De acordo com Carlos Nobre, doutor em Meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o efeito do El Niño é complexo, porque se junta também a um forte jato subtropical. Trata-se de uma corrente de ar intensa, de mais de 100 km/h.
“O ar seco que vem do oceano se junta a esses ventos fortes, que circulam em cima do Sul do Brasil, por exemplo, provocando muita precipitação. O Uruguai, o Paraguai e o centro-leste da Argentina também sofrem com esse impacto”, diz ele, autor de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da US.
Aqueles que vivem no Sul do Brasil devem se preparar para um período de muita umidade, com chuvas prolongadas e intensas, que pode durar meses. Isso foi observado em 2015, quando houve precipitação por vários meses seguidos no Rio Grande do Sul, provocado enchentes em diversos pontos do Estado.
No Norte e no Nordeste, há grandes chances de vir um grande período de seca pronunciada. Isso eleva o risco de estiagem prolongada nessas localidades, com prováveis prejuízos à produção agrícola e quebra de safras. Além disso, a aridez na Amazônia pode favorecer as queimadas.
O papel das mudanças climáticas no processo
Para Carlos Nobre, a grande preocupação é que os eventos extremos se tornem ainda mais intensos, com as mudanças climáticas. Segundo ele, o aquecimento global pode intensificar os efeitos do El Niño, e o Brasil não está preparado para lidar com as consequências disso.
“Já aquecemos o planeta e ainda vamos aquecer. A tendência é de que esses eventos sejam cada vez mais extremos. O Brasil está muito atrasado em termos de políticas públicas voltadas para a adaptação às mudanças climáticas. Nossa resposta a esses fenômenos é precária, como observado no episódio das chuvas no litoral norte de São Paulo”, afirma.
Com o aquecimento global, são registradas temperaturas mais altas, contribuindo para a evaporação do Oceano Pacífico. “Quando se formar o El Niño, haverá mais calor e evaporação das águas do mar”, diz o pesquisador. Em cem anos, o fenômeno mais grave foi registrado em 2016, indicando que o El Niño já deve ter sido influenciado pelas mudanças climáticas naquele período. Esse episódio do biênio 2015-2016 ficou conhecido como “Super El Niño”, tendo em vista seu impacto.
De acordo com Nobre, os eventos climáticos de chuvas intensas aconteciam somente uma vez por década antes do século 19. Depois, passaram a ocorrer pelo menos 30% mais vezes. Já as ondas de calor acontecem com frequência 70% maior.
Para ele, a sequência de desastres provocados por eventos climáticos que tem sido observada no Brasil é motivada pelo aquecimento global. E a tendência é piorar.
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