De longe já é possível vê-los: uma árvore de galhos finos se destaca pela cor de suas flores, que podem ser rosa, amarelo, branco, roxo, ou, de forma menos comum, verde. Durante um passeio de bicicleta observando os ipês de Brasília (DF), Paula Sicsú, bióloga e mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), resolveu fazer uma plataforma colaborativa com a localização das famosas árvores coloridas.
A ideia deu origem ao aplicativo Ipês, que pode ser baixado gratuitamente para sistemas Android e IOs. Criado em 2021, na época da pandemia, Paula conta que queria mostrar às pessoas um cenário para dedicar a caminhada ou o ciclismo. O app foi se espalhando e, atualmente, conta com mais de 2.500 árvores cadastradas pelo Brasil - além de uma em Buenos Aires.
Diferencial e funcionalidades
Na última contagem feita pela brasiliense, 5.835 usuários já se cadastraram na plataforma.
Além da localização e da cor dos ipês, o aplicativo aponta se está florido ou não, o transporte para chegar ao local (carro, bicicleta, trilha a pé) e a estrutura (se há banheiros próximos, por exemplo).
Estas informações adicionais são o diferencial do aplicativo. Já existiam outras plataformas de catalogação de árvores, a exemplo do Programa Biota - Instituto Virtual da Biodiversidade, criado em 1999 pelo Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Sistema de Informação Ambiental (SinBiota) .
Porém, no caso do aplicativo Ipês, a plataforma é colaborativa e permite aos usuários adicionar imagens e descrições sobre as árvores, além de dispor de funções como curtir e pesquisar por região. O app também não é voltado apenas para públicos universitários e teóricos, mas para toda e qualquer pessoa que aprecie o florescer.
Paula pretende, além de catalogar, incentivar a visita a estas árvores. “Às vezes alguém falava que tinha um ipê bonito em tal lugar, via fotos lindas, mas quando eu conseguia chegar lá já estava desfolhando”, comenta.
Por que o ipê é uma árvore importante?
Enquanto outras árvores ficam secas pelo inverno, os ipês escolhem esta época do ano para florescer. “Eles florescem geralmente ao redor da Semana da Pátria (dias que antecedem a Independência do Brasil), e pela simbologia das cores verde (das folhas) e amarelo (das flores) o ipê-amarelo sempre foi reconhecido como um símbolo do nosso país”, explica o professor titular do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Marcelo Dornelas.
O Brasil abriga entre 15 e 20% de toda biodiversidade do planeta, mas “grande parte deste patrimônio valiosíssimo foi, e continua sendo, perdida de forma irreversível antes mesmo de ser conhecida”. Assim, para o especialista, a tentativa de catalogação não apenas é válida como esse incentivo à visitação pode criar um estímulo à preservação.
Além da beleza, o indicativo de florescimento serve ainda para apontar a disponibilidade de sementes para a formação de mudas. São as pequenas “casquinhas” que caem ao chão após as flores e, por serem leves, viajam com ajuda do vento para fecundar outros solos.
A própria formação das flores é feita de forma separada por cor na tentativa de garantir uma polinização de sucesso. “Primeiro, florescem os ipês-roxos. E por que os amarelos não estão florindo nessa época? Para não competir com o polinizador. Se uma abelha for no amarelo e depois no rosa, não vai ocorrer fecundação”, explica a mestre em biologia.
Essa planta está presente em todo o continente americano, desde a parte central até o sul. No Brasil, conforme o professor da Unicamp, eles são mais frequentes em áreas de cerrado e caatinga, mas são encontrados também na região Norte (Amazônia) e no Pantanal.
Para as pessoas que cortam os ipês e reclamam da “bagunça” de flores coloridas pelo chão, Marcelo Dornelas usa da ironia: “Preocupação compulsiva com limpeza pode ser um sinal de que a pessoa está sofrendo com o Transtorno Obsessivo Compulsivo, mas felizmente há bons psicólogos e psiquiatras que podem auxiliá-las em seu sofrimento”, brinca.
Novas atualizações
O aplicativo mostra arvores não apenas no Distrito Federal, mas também nos Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão e Amapá. A expectativa da criadora é que mais pessoas se sintam à vontade para compartilhar o encontro com essas árvores em outros locais.
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