THE WASHINGTON POST - Na Groenlândia, parece mais julho do que setembro. Depois de um verão bastante frio e úmido na Groenlândia, uma onda de calor incomum no fim de semana passado causou um extenso derretimento na camada de gelo – o tipo de derretimento normalmente visto no meio do verão. Os pesquisadores dizem que é o maior evento de derretimento a ocorrer em setembro, de acordo com conjuntos de dados que abrangem quase quatro décadas.
“Este evento demonstra como o aquecimento global aumenta não apenas a intensidade, mas também a duração da temporada de derretimento”, disse Maurice van Tiggelen, cientista polar da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, por e-mail.
O primeiro dia de setembro normalmente marca o fim da temporada de derretimento na Groenlândia, uma vez que o sol fica mais baixo no céu e as temperaturas geralmente caem. No entanto, no fim de semana, as temperaturas começaram a subir quando uma onda de ar quente abriu caminho para o norte através da Baía de Baffin e da costa oeste da Groenlândia. Como resultado, dezenas de bilhões de toneladas de gelo se perderam – um evento que pode aumentar as contribuições já significativas da Groenlândia para o aumento do nível do mar.
À medida que o clima muda, os pesquisadores projetam que períodos mais longos e mais fortes de calor afetem a camada de gelo – aumentando o derretimento geral.
Entre sexta e segunda-feira, várias estações meteorológicas registraram sua maior temperatura atmosférica de todo o ano. Regiões do oeste da Groenlândia ficaram até 20 graus Celsius acima do normal para esta época do ano.
O cume, tradicionalmente a parte mais fria da camada de gelo, subiu acima do ponto de fusão no sábado, de acordo com observações da Estação Summit da Fundação Nacional de Ciências.
“É realmente incrível ver uma onda de calor como esta cobrir a Groenlândia em setembro”, disse Ted Scambos, pesquisador sênior da Universidade do Colorado, por e-mail. “Pela primeira vez nos registros, as temperaturas no cume excederam o ponto de fusão em setembro, na tarde do dia 3.”
Derretimento
O calor provocou derretimento em cerca de 35% da camada de gelo no fim de semana passado – um derretimento generalizado, do tipo que geralmente se observa em julho. Normalmente, apenas 10% da superfície do manto de gelo está derretendo no início de setembro.
As condições de derretimento também criaram obstáculos para os pesquisadores da área: Van Tiggelen e seus colegas estavam trabalhando na parte sul da camada de gelo, mas tiveram de encurtar sua estadia para fugir de um grande evento de precipitação. Ele também disse que a superfície do gelo estava mais escorregadia do que durante as visitas em dias ensolarados nos anos anteriores.
No pico de derretimento no sábado, a taxa de escoamento da água derretida chegou a 12 bilhões de toneladas por dia – o que facilmente a classifica como um dos dez maiores eventos de escoamento já registrados, disse o cientista climático Xavier Fettweis.
Fettweis explicou que rastrear o escoamento da água derretida é importante porque essa água pode chegar ao oceano e contribuir para o aumento do nível do mar. Uma parte do escoamento também pode ficar retida na camada de neve e se congelar novamente durante o inverno.
No entanto, disse ele, esse derretimento incomumente tardio pode favorecer a formação de placas de gelo no topo da camada de neve. As placas de gelo podem impedir que a água do degelo percorra a camada de neve, o que significa que ela pode cair no oceano, contribuindo ainda mais para o aumento do nível do mar.
“Se tais eventos ocorrerem nos próximos verões (o que é muito provável), a contribuição para o aumento do nível do mar aumentará”, escreveu Fettweis por e-mail.
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Gelo perdido
No total, estima-se que a Groenlândia tenha perdido cerca de 20 bilhões de toneladas de gelo durante o evento do fim de semana, de acordo com Scambos. Isso é cerca de 7% do gelo total derretido em um ano típico. Para cada 360 bilhões de toneladas de gelo perdidas, o nível do mar sobe um milímetro.
A Groenlândia já é a maior contribuinte para o aumento do nível do mar, superando a Antártida e as geleiras de montanhas. As taxas de derretimento aumentaram nas últimas duas décadas, pois o Ártico está aquecendo mais rápido do que o resto do mundo.
Novas pesquisas sugerem que a camada de gelo perderá cerca de 3% de sua massa atual – um volume igual a quase 30 centímetros de aumento do nível do mar – mesmo que o mundo pare de emitir gases de efeito estufa hoje.
“A camada de gelo da Groenlândia não consegue tolerar as condições que estão se tornando cada vez mais comuns para ela. Este evento é muito representativo dessas condições desestabilizadoras”, disse Scambos.
Fora o último evento, a temporada de derretimento deste ano na Groenlândia foi bastante moderada. Antes dessa onda de calor, a ação mais notável foi uma “ondulação de calor” que causou derretimento moderado em meados de julho.
Os pesquisadores estão preocupados com as consequências a longo prazo de eventos tão pontuais e extremos. Com o tempo, um regime de temperatura mais quente e uma maior frequência de eventos extremos levariam a um derretimento mais total da Groenlândia, acelerando a perda de sua massa.
Este é o segundo ano consecutivo em que uma onda de calor excepcionalmente tardia varreu a camada de gelo. Em 14 de agosto de 2021, as temperaturas subiram 18 graus Celsius acima da média e fizeram chover no cume da camada de gelo, cerca de três quilômetros acima do nível do mar, em evento pela primeira vez registrado. Na época, os pesquisadores disseram que era o maior evento de derretimento a ocorrer tão tarde no ano.
Chuva e umidade
Fettweis disse que tanto o registro de agosto de 2021 quanto o atual estão associados a grandes quantidades de chuva e nuvens úmidas invadindo a área, uma fonte cada vez mais comum de eventos de derretimento na Groenlândia. Ele disse que esses sistemas climáticos são “novos na história da camada de gelo”.
Enquanto isso, temperaturas anormalmente quentes e céus nublados continuavam a cobrir a Groenlândia na terça-feira. As temperaturas recentes ficaram um pouco acima dos 2 graus negativos no cume, e as temperaturas médias em outras partes do Ártico estão caindo rapidamente abaixo de zero. “O mesmo fluxo climático básico está acontecendo pelo quarto dia consecutivo, o que é absolutamente surpreendente”, disse Christopher Shuman, cientista pesquisador da Universidade de Maryland e da Nasa. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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