THE NEW YORK TIMES - A última vez que houve uma grande desaceleração na poderosa rede de correntes oceânicas que moldam o clima ao redor do Atlântico Norte, parece ter mergulhado a Europa em um frio intenso por mais de um milênio.
Isso foi há cerca de 12,8 mil anos, quando não havia muitas pessoas por perto para experimentá-lo. Mas, nas últimas décadas, o aquecimento global causado pela ação humana pode estar fazendo com que as correntes desacelerem mais uma vez, e os cientistas têm trabalhado para determinar se e quando elas podem sofrer outro grande enfraquecimento, o que teria efeitos em cascata nos padrões climáticos em uma faixa do globo.
Dois pesquisadores na Dinamarca apresentaram esta semana uma resposta ousada: um enfraquecimento acentuado das correntes, ou mesmo uma paralisação, pode ocorrer até o final do século.
Foi uma surpresa até mesmo para os pesquisadores que sua análise mostrasse um colapso potencial chegando tão cedo, disse uma delas, Susanne Ditlevsen, professora de estatística da Universidade de Copenhague. Os cientistas climáticos geralmente concordam que a circulação no Oceano Atlântico diminuirá neste século, mas não há consenso sobre se ela irá parar antes de 2100.
É por isso que também foi uma surpresa, disse Susanne, que ela e seu co-autor tenham conseguido determinar o momento de um colapso. Os cientistas devem continuar estudando e debatendo o assunto, mas Ditlevsen disse que as novas descobertas são motivo suficiente para não considerar uma paralisação como uma preocupação abstrata e distante. “É agora”, disse ela.
Mudanças difíceis de reverter
A nova pesquisa, publicada na terça-feira, 25, na revista científica Nature Communications, se soma a um crescente corpo de trabalho científico que descreve como as emissões contínuas da humanidade de gases que retêm o calor podem desencadear “pontos de inflexão” climáticos ou mudanças rápidas e difíceis de reverter em o ambiente.
Descongelamento abrupto do permafrost do Ártico. Perda da Floresta Amazônica. Colapso dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental. Uma vez que o mundo supera um certo ponto, esses e outros eventos podem acelerar, alertam os cientistas, embora os limites exatos em que isso ocorreria ainda sejam altamente incertos.
No Atlântico, os pesquisadores têm procurado por precursores de mudanças semelhantes a pontos de inflexão em um emaranhado de correntes oceânicas que atendem por um nome desagradável: a Circulação Meridional do Atlântico (ou AMOC, na sigla em inglês).
Essas correntes carregam águas quentes dos trópicos através da Corrente do Golfo, passando pelo sudeste dos Estados Unidos, antes de se curvar em direção ao norte da Europa.
Quando essa água libera seu calor para o ar mais ao norte, ela se torna mais fria e densa, fazendo com que afunde nas profundezas do oceano e volte para o Equador. Esse efeito de afundamento, ou “viragem”, permite que as correntes transfiram enormes quantidades de calor ao redor do planeta, tornando-as extremamente influentes para o clima ao redor do Atlântico e além.
Se a circulação enfraquecer, os efeitos sobre o clima seriam de longo alcance, embora os cientistas ainda estejam examinando a magnitude potencial. Grande parte do Hemisfério Norte pode esfriar. As costas da América do Norte e da Europa podem ver um aumento mais rápido do nível do mar. O norte da Europa poderia experimentar invernos mais tempestuosos, enquanto o Sahel na África e as regiões de monções da Ásia provavelmente teriam menos chuva.
Evidências de núcleos de gelo e sedimentos indicam que a circulação do Atlântico passou por paradas e recomeços abruptos no passado distante. Mas os modelos de computador mais avançados dos cientistas sobre o clima global produziram uma ampla gama de previsões de como as correntes podem se comportar nas próximas décadas, em parte porque a combinação de fatores que as moldam é muito complexa.
Abordagem inovadora
A nova análise de Susanne concentrou-se em uma métrica simples, baseada nas temperaturas da superfície do mar, semelhante às que outros cientistas usaram como indicadores da força da circulação atlântica. Ela conduziu a análise com Peter Ditlevsen, seu irmão, que é cientista do clima no Instituto Niels Bohr, da Universidade de Copenhague. Eles usaram dados em sua medida de proxy de 1870 a 2020 para calcular indicadores estatísticos que preveem mudanças na reviravolta.
Eles então usaram as propriedades matemáticas de um sistema semelhante a um ponto de inflexão para extrapolar os resultados a partir dessas tendências. Isso levou a previsão de que a circulação atlântica poderia entrar em colapso em meados do século, embora possa ocorrer entre 2025 e 2095.
A análise não incluiu suposições específicas sobre quanto as emissões de gases de efeito estufa aumentarão neste século. Assumiu apenas que as forças que provocam o colapso do AMOC continuariam em um ritmo imutável - essencialmente, que as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono continuariam aumentando desde a Revolução Industrial.
Questionamentos
Em entrevista, vários pesquisadores que estudam o tema aplaudiram a nova análise por usar uma abordagem inovadora para prever quando podemos cruzar um ponto de inflexão, principalmente considerando o quão difícil tem sido fazer isso usando modelos de computador do clima global. Mas eles expressaram reservas sobre alguns dos métodos e disseram que ainda é necessário mais trabalho para definir o momento com maior certeza.
Susan Lozier, oceanógrafa física da Georgia Tech, disse que as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte, perto da Groenlândia, não foram necessariamente influenciadas apenas pelas mudanças na virada, tornando-as um proxy questionável para inferir essas mudanças. Ela apontou para um estudo publicado no ano passado mostrando que grande parte do desenvolvimento da bolha fria pode ser explicada por mudanças no vento e nos padrões atmosféricos.
Os cientistas agora estão usando sensores pendurados no Atlântico para medir diretamente essa virada. Lozier está envolvido em um desses esforços de medição. O objetivo é entender melhor o que está impulsionando as mudanças sob as ondas e melhorar as projeções de mudanças futuras.
Mas os projetos começaram a coletar dados no mínimo em 2004, o que não é tempo suficiente para tirar conclusões firmes de longo prazo. “É extremamente difícil olhar para um recorde curto de reviravoltas oceânicas e dizer o que acontecerá em 30, 40 ou 50 anos”, disse Lozier.
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