Argentina vai copiar Trump e abandonar Acordo de Paris? Saída da COP afeta negociações?

Especialistas criticam governo Milei no país, que sofre com seca, ondas de calor e outros extremos climáticos; Alckmin e Marina lamentaram decisão

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ENVIADAS ESPECIAIS A BAKU - A vitória de Donald Trump para a Casa Branca aumentou a tensão para a Cúpula do Clima (COP-29) em Baku, no Azerbaijão. Isso porque, na 1ª gestão (2017-2021), o republicano tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto global para frear a alta de temperaturas. A saída da delegação da Argentina da conferência na quarta-feira, 13, gerou críticas e o temor de de que o país também copie a desistência do acordo climático.

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O governo Javier Milei já havia chamado a atenção recentemente por ter sido o único a votar contrariamente a uma resolução sobre direitos dos povos indígenas na assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas redes sociais, republicou notícias e elogios sobre a saída da delegação da COP-29. Já críticos chamaram a decisão de “suicida”, com impactos negativos sobretudo para a nação sul-americana, e de subordinação ao futuro governo Trump.

Nesta quinta-feira 14, o negociador-chefe da conferência, Yalchin Rafiyev, não quis comentar sobre o tema ao ser questionado por jornalistas, dizendo se tratar de questão exclusivamente bilateral, entre a Argentina e as Nações Unidas.

Já o principal nome à frente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (Pnud), Achim Steiner, disse que a saída de um país não interferiria significativamente nas negociações, diante do caráter resiliente das COPs ano a ano.

Diferentemente do Brasil, a Argentina não tem tido um papel mundialmente tão expressivo na discussão climática nos últimos anos, ainda mais depois da posse de Milei, em 2023. Por isso, a notícia não tem sido vista como um baque para o andamento das negociações da COP, que são centradas em financiamento climático (recursos de países ricos para as nações em desenvolvimento).

Encontro de Donald Trump com Javier Milei Foto: Governo da Argentina via AFP

Há, contudo, dúvidas se a decisão será sucedida de um abandono do Acordo de Paris, após a provável saída dos Estados Unidos no próximo ano. Na prática, questiona-se se outros países negacionistas ou não alinhados à agenda climática mundial possam repetir o gesto.

Alckmin e Marina comentam a decisão: ‘sociedade vai cobrar’

Questionado por jornalistas nesta quinta, o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin (PSB), lamentou a decisão de Milei. “O negacionismo frente à mudança climática é muito ruim. A ciência está aqui para ajudar a humanidade”, afirmou ele, que está na COP-29 para agendas oficiais, como chefe da delegação brasileira. “Está nítida a questão das mudanças climáticas, e a sua repercussão até na economia. Mas isso não vai mudar as relações de Estado (do Brasil com o vizinho)”, completou.

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Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou se tratar de decisão de impacto político e simbólico. E os maiores prejudicados serão os que ficarem “trancados pelo lado de fora”, segundo ela.

“Muitas pessoas podem até concordar com posições em relação à questão de costumes, mas não querem ver a vida de suas famílias ameaçada, não querem ver seus negócios sendo prejudicados. Aqueles que estão saindo do Acordo de Paris, se recusando a fazer o dever de casa em benefício da vida, do planeta e de si mesmos, não ficarão impunes em relação à cobranças que suas sociedades irão lhes fazer e já estão fazendo”, defendeu.

Nesse cenário, que alguns avaliam como um dos mais difíceis em décadas em termos de negociações geopolíticas internacionais, ganha protagonismo o papel da sociedade civil (empresas, organizações variadas e cidadãos) e dos governos subnacionais (estados, prefeituras e afins) no cumprimento das metas climáticas.

Um exemplo frequentemente citado é o movimento “We Are Still In” (”Ainda estamos dentro”, em tradução livre), tomado por alguns estados e empresas após a saída temporária dos Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017.

Por enquanto, parte dos especialistas minimiza a possibilidade de mais saídas do acordo climático, considerando que os Estados Unidos são referência mundial aquém do seu potencial em termos de sustentabilidade e corte de gases estufa.

Entende-se, inclusive, que o próprio vácuo deixado por Trump fortaleceu o papel da China enquanto liderança mundial em algumas das discussões ambientais. E, para além de questões ideológicas, há entendimento de parte da sociedade civil (e de empresas) da importância social e econômica de uma transição verde, com potencial de atração de recursos para países em desenvolvimento.

Embora a delegação argentina tenha deixado o evento, representantes de governos locais e organizações continuam participando de atividades por enquanto. Há, contudo, o temor de que não continuem na COP-29.

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Chefe da delegação brasileira, Geraldo Alckmin lamentou decisão da Argentina Foto: Rafiq Maqbool/AP

Popularidade e crise devem frear reação interna

A Argentina é signatária do Acordo de Paris desde 2016. À época, a Casa Rosada chamou a adesão de “momento histórico”. Hoje, com a popularidade do governo Milei e a crise sociopolítica, entende-se que há pouco espaço para a discussão climática no país.

Santa Fé, Córdoba e Misiones estão entre as províncias que são referências no país vizinho do Brasil em políticas de sustentabilidade, mas muitas decisões dependem da liderança federal, como a transição energética para opções de menor impacto ambiental.

A organização Jóvenes Por El Clima Argentina lamentou a decisão. “Não estar representado na COP nos tira a credibilidade e a segurança jurídica, e impede diretamente a chegada de investimentos para a Argentina. Tudo ao contrário do que é um país sério”, apontou.

“Outros países vão decidir pela gente”, completou. A Argentina também tem sofrido com a emergência climática, com ondas de calor e chuva extrema, dentre outros extremos.

Diretor das organizações Top Social e Common Initiative, o argentino Oscar Soria classificou a decisão como mais uma mostra de uma política externa burlesca para agradar à extrema direita global. “É um grave retrocesso para a economia e o bem-estar dos argentinos: a crise climática está impactando severamente a economia, em especial pelas recentes secas, que afetaram as exportações agrícolas. É uma medida suicida”, declarou em rede social.

Diretor executivo da Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN) Argentina, Andrés Nápoli avaliou que a decisão terá “muitas implicações a nível interno”, mas que não afetarão o restante da comunidade internacional. Isto é, não impactariam nas negociações da COP, mas, sim, ao próprio país, isolando-o no cenário mundial.

Uma parte dos especialistas locais também vê possível interferência, contudo, em negociações comerciais entre Mercosul e União Europeia. Dessa forma, poderia impactar em acordos a serem discutidos na reunião do G20, na próxima semana, no Rio de Janeiro.

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‘Mudanças minadas pelo governo Milei’, diz relatório do Parlamento Europeu

Relatório do Parlamento Europeu de outubro apontou que a Argentina tomou algumas medidas positivas para mitigar as emissões nos últimos anos. Como exemplo, cita metas de energias renováveis e a implementação de imposto sobre carbono sobre alguns combustíveis fósseis. Porém, chama a situação de “complexa” desde a eleição de Milei.

“A implementação ineficaz e a falta de ambição limitaram os progressos. Mudanças incrementais – mas positivas – foram minadas pelo novo governo de Javier Milei, que emitiu o Decreto de Necessidade e Urgência, em dezembro de 2023, revogando leis ambientais, como a proteção de terras rurais, leis de mineração e a modificação da Lei de Gestão de Incêndio. Além disso, o governo propôs medidas substanciais cortes orçamentários para ciência e tecnologia”, diz o relatório.

Presidente do Azerbaijão chama França de colonialista

Outra crise foi protagonizada pelo anfitrião do evento: na manhã de quarta, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou a França de ter cometido crimes “colonialistas” e que seria responsável por parte da crise climática em alguns de seus departamentos ultramarinos, como Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa e Polinésia Francesa.

Na Nova Caledônia, na Oceania, protestos em maio acabaram com mortes confirmadas, o que chamou de “violações dos direitos humanos”. O próprio Azerbaijão também é criticado pelo autoritarismo e prisão de jornalistas. O atual presidente está no poder há cerca de 20 anos, após substituir seu pai, Heydar Aliyev.

A declaração recebeu poucos aplausos de lideranças, mas não do secretário-geral da ONU, António Guterres, presente no evento. As falas ocorreram durante painel sobre os efeitos da crise climática em pequenos países insulares.

Depois disso, a ministra da Transição Ecológica da França, Agnès Pannier-Runacher, anunciou o cancelamento de sua viagem à COP-29 e chamou as declarações de “inaceitáveis”. Os negociadores climáticos do país continuarão no evento. Antes disso, as relações entre os países já eram tensas, devido à proximidade francesa com a Armênia, país com histórico de anos de conflito com o Azerbaijão.

* A repórter Priscila Mengue viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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