Tem crescido o interesse em ter uma casa com menos impacto ambiental e que seja mais adaptada aos extremos climáticos - como as ondas de calor, que se tornam cada vez mais frequentes.
“Sai mais caro proporcionalmente, mas tem valor conceitual que se paga em médio prazo. A tendência é esse tipo de casa, com pensamento ecológico, valorizar cada vez mais. Já está valorizando”, diz o diretor artístico Fernando Taliba, 47, que tem um imóvel do tipo em Córrego do Bom Jesus, interior de Minas Gerais, na região da Serra da Mantiqueira.
Ele e a família trocaram o apartamento de 100 m² e sem varanda onde moraram por 15 anos em Perdizes, na zona oeste paulistana, e contrataram o escritório de arquitetura Gera Brasil para desenvolver o projeto sustentável.
Um dos cartões de visita do Gera é a Casa das Birutas, edificação feita em materiais naturais, como o bambu, e autossuficiente em energia, construída em Piracaia (SP). Premiada, ela chamou a atenção de uma família paulistana que alimentava o desejo de ter uma casa sustentável.
A casa de Taliba privilegia o uso de madeira, em grande parte oriunda de reflorestamento, e a entrada de luz e ventilação naturais, que dispensa o uso do ar-condicionado e da luz elétrica durante o dia. Também reaproveita as “águas cinzas”, utilizadas no chuveiro e pias, e tem uma horta. A construção de uma cisterna e de placas solares está nos planos.
“Já existe material com base reciclada de qualidade. O grande desafio é ser absorvido pelo mercado. São um pouco mais caros, isso ainda não se popularizou muito”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie Loyde Harbich. Para ela, grande parte das pessoas ainda não conhece ou confia nas alternativas ecológicas.
O foco na sustentabilidade, porém, tem feito cada vez mais parte de projetos de alto padrão, segundo relata o arquiteto Daniel Fromer, focado na área. “O cliente está olhando muito pra isso, diferente do que era há alguns anos atrás”, acrescenta.
Veja abaixo 7 soluções de reforma e construção indicadas pelos arquitetos ouvidos pelo Estadão:
1) Considerar posição relativa ao sol e à vegetação do entorno
Escolher uma posição favorável para a casa em relação à luz e a outras variáveis é primordial. Em geral, cômodos em que passamos mais tempo devem estar posicionados em direção ao norte para receber mais sol. Os que não precisam de tanta insolação ou onde se quer maior frescor, ficam voltados para a parte sul.
Se houver vegetação alta no terreno ou em áreas adjacentes, o sombreamento ou a área mais fresca ao redor dela podem ser usados para trazer mais conforto térmico à casa.
“A forma como as edificações estão implantadas no terreno é tema da maior importância em um projeto sustentável”, diz Karen Ueda.
“Uma boa implantação é o ponto de partida para entender toda a questão do conforto ambiental, pois diz respeito à insolação e ventilação, permitindo melhor integração das construções às variáveis do terreno”, acrescenta a arquiteta.
2) Usar materiais naturais, de fontes renováveis e reutilizáveis
Privilegiar materiais naturais é um dos princípios da bioarquitetura ou arquitetura bioclimática.
Além da já mencionada taipa de pilão, há o solo-cimento, tipo de tijolo feito da mistura entre cimento, água e terra, em que se pode utilizar a escavação do solo da própria obra como fonte de matéria-prima.
Entre os materiais com reaproveitamento, já há oferta de tijolo e concreto feitos com materiais reciclados, como resíduos têxteis.
Outro ponto importante é analisar o ciclo de vida dos materiais, lembra o arquiteto Daniel Fromer: “Se a matéria-prima vem de fontes renováveis; se a distância entre o ponto de produção e de consumo gera queima de combustível excessiva para o transporte; se a aplicação consome demasiada energia e se o material é reciclável e reaproveitável após a vida útil”.
Substituir produtos concreto e aço por materiais vindos de fontes renováveis, como a madeira de reflorestamento, ajuda a reduzir as emissões de gás carbônico da atividade construtiva.
3) Construir telhados com “franja” e adotar ventilação cruzada
Telhados que sombreiam paredes e janelas que recebem muito sol em determinadas horas do dia também ajudam. A técnica que deixa a luz entrar mas protege do calor foi utilizada na Casa das Birutas, projeto premiado do Gera Brasil em Piracaia (SP).
Foi a fama desse projeto que fez Fernando conhecer o trabalho do escritório. A casa projetada para a família em 2021 também conta com um telhado desse tipo.
A ventilação cruzada é outra regra de ouro para refrescar ambientes: colocar janelas e aberturas em lados opostos do cômodo possibilita a passagem do ar e a troca com o ambiente externo.
4) Tornar o consumo de energia mais sustentável (e barato)
A instalação de placas fotovoltaicas tem se tornado cada vez mais acessível e, mesmo com o investimento inicial – que depende da superfície disponível e da demanda de energia – pode reduzir o gasto com energia da casa.
“A tecnologia barateou bastante, ao mesmo tempo em que a energia elétrica está custando muito mais caro. Antigamente, projetos de substituição de matriz energética para solar demoravam, em média, cinco anos para se pagar. Hoje em dia esse retorno está sendo dado em cerca de um ano e meio”, diz Daniel Fromer.
Ainda assim, o gasto pode não caber no orçamento, como aconteceu na casa de Fernando e Milene. Na época, eles precisariam investir mais de R$100 mil abastecer integralmente a casa de 140 m² com energia solar. Mas a implementação das placas ainda pode ser feita em outro momento.
“Não é só comprar. Tem de instalar também. A gente não conseguiu, não sobrou dinheiro para isso. Ficou para depois”, diz a jornalista Milene Chaves.
Quem não puder investir em um projeto como esse pode adotar outras medidas – instalar lâmpadas mais econômicas, como as de LED, ou sensores de presença. Soluções já citadas que contribuem para tornar o ambiente mais iluminado e fresco também reduzem o gasto associado à utilização de aparelhos como ventilador e ar-condicionado.
5) Adotar um sistema de reaproveitamento da água
O uso e descarte de água é mais uma preocupação em uma casa sustentável. Segundo Karen Ueda, três quartos da água utilizada em um domicílio resulta nas chamadas águas cinzas, utilizadas em pias, chuveiros, tanques e máquinas de lavar roupa. Um quarto é de águas pretas, usadas nos vasos sanitários.
Em áreas rurais, é mais fácil separar a destinação dessas águas para reaproveitamento. As águas cinzas podem ser encaminhadas para um círculo de bananeiras, sistema simples para tratamento, ou utilizadas para irrigação de árvores frutíferas e ornamentais.
Para as águas pretas, o sistema mais utilizado é o biodigestor, que funciona com a decomposição da matéria orgânica em um ambiente sem oxigênio, que dá origem ao biogás.
A casa de Fernando e Milene utiliza o círculo de bananeiras para reuso das águas cinzas. Segundo eles, adaptar a tubulação da calha para levar a água até lá não acarreta uma despesa significativamente maior.
Eles planejam ter ainda uma cisterna para captar água da chuva. Para isso, precisarão adquirir duas caixas d’água de 5 mil litros, fazendo um investimento que deve ir de R$ 7 a 10 mil reais.
6) Pintar fachadas que recebem muito sol com cores claras
Uma das ações mais fáceis de se implementar, a pintura em tons claros onde há grande incidência solar diminui a absorção do calor pelas paredes, tornando o cômodo mais fresco.
Os arquitetos também recomendam as tintas minerais, capazes de simular o efeito das paredes de terra em termos de dissipação de calor. “O uso das tintas minerais no lugar das que têm compostos orgânicos voláteis derivados de petróleo diminui o impacto ambiental e torna as habitações mais saudáveis”, defende Fromer.
São 10% mais caras e têm uma cartela de cores menos diversa, mas, para a arquiteta Karen Ueda, têm resultado melhor em termos de estética e qualidade.
7) Incorporar a vegetação como parte da casa
Cobrir edificações existentes com plantas, criando cortinas ou paredes “verdes” ameniza a insolação direta e ajuda a manter o ambiente mais fresco. Segundo Karen Ueda, a instalação de uma parede verde pode reduzir a temperatura interna de 2 ºC a 2,5ºC no verão. “É uma alternativa de baixo custo e que garante bom resultado rapidamente”, afirma.
A vegetação também pode ser integrada à concepção do projeto, em telhados “verdes” e jardins internos, que melhoram o microclima e contribuem para a absorção da água da chuva, cujo escoamento é um problema para as cidades. Dentro de casa, as plantas também podem ajudar a melhorar a qualidade e umidade do ar.
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