O que é arquitetura bioclimática? ‘Sai mais caro, mas se paga e valoriza cada vez mais’

Arquitetos tem visto clientes mais conectados com demanda por projetos sustentáveis; custo maior ainda é obstáculo

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Foto do author Juliana Domingos de Lima
Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:

“Como posso construir tendo o menor impacto possível no meio ambiente?” Essa tem sido uma das perguntas mais ouvidas pela arquiteta Karen Ueda, sócia diretora do escritório Gera Brasil, fundado em 2015 em São Paulo e especializado em arquitetura sustentável.

A maior parte dos clientes nesse perfil está hoje no interior e chega com demandas de materiais ou sistemas que gostariam de adotar para tornar suas casas mais adaptadas ao clima. Paredes de terra e taipas de pilão (técnicas de construção com materiais naturais) estão entre as mais pedidas.

Construída em ecovila em Piracaia, interior de São Paulo, Casa das Birutas foi premiada em 2019 Foto: Bruno Chimenti/Gera Brasil

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Segundo Karen, a preocupação com uma casa mais saudável – para quem mora e para o ambiente – tem crescido desde a pandemia e aumenta depois de eventos climáticos severos, como as enchentes no Rio Grande do Sul ou as ondas de calor que afetaram São Paulo e outras partes do Brasil. Entre 2019 e 2021, o escritório dobrou o número de projetos residenciais, que passou de 32 para 65 com um pico no segundo semestre de 2020.

“As pessoas vêm com uma lista do que querem e a gente tem de traduzir para cada realidade. (A aplicação) depende do desenho da casa, do tipo de terreno. Na medida em que mostramos o que é possível nessas soluções, vemos uma transformação nos clientes”, diz a arquiteta.

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Foi assim com Fernando Taliba e Milene Chaves, de 47 anos, casal que há um ano trocou um apartamento de três quartos e sem varanda em Perdizes, zona oeste de São Paulo, por uma casa sustentável em Córrego de Bom Jesus (MG), na Serra da Mantiqueira, projetada pelo Gera.

“A premissa era tentar um melhor casamento entre a nossa nova casa e a natureza, causar o menor impacto possível com respeito ao ambiente e também às pessoas que já moravam por aqui”, diz o diretor artístico de televisão. “Essa casa representa uma transformação, sonho que se tornou realidade sustentável”.

Casa sustentável projetada pelo Gera Brasil fica a 1500m de altitude, na Serra da Mantiqueira Foto: Eli Duarte/Gera Brasil

A escolha do casal foi inspirada na Casa das Birutas, edificação feita em materiais naturais, como o bambu, e autossuficiente em energia, construída em Piracaia (SP).

O foco na sustentabilidade também tem sido uma exigência da clientela do arquiteto Daniel Fromer, focado em projetos de alto padrão. “O cliente está olhando muito pra isso, diferente do que era há alguns anos”, diz.

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Muitas das soluções, porém, não são só para empreendimentos de luxo e podem ser levadas para construções e reformas de menor orçamento.

Projetos sustentáveis e carbono zero

A ideia de adaptar as edificações ao ambiente e ao clima não é nova. A arquitetura bioclimática, muito falada hoje, ganhou força primeiro nos anos 1970, quando a crise do petróleo levou arquitetos a buscar soluções para manter o conforto térmico das casas com menor gasto de energia.

“Nos trópicos, a melhor forma de adaptar é usar estratégias para não depender tanto do ar-condicionado, usando ventilação e iluminação natural”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, Loyde Harbich.

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Técnicas para resfriar as edificações de forma passiva, como uso de brises (elementos que quebram a incidência direta do sol), foram deixadas de lado com a disseminação da tecnologia do ar-condicionado, mas têm sido recuperadas pela arquitetura, agora chamada de sustentável.

Segundo Loyde, ela abarca outros princípios, como o uso de materiais ecológicos e duráveis, e tem como desdobramento a arquitetura carbono zero, focada no uso de itens com baixa emissão de gases estufa, na demolição consciente, no reaproveitamento e na realização de retrofits. Essas alternativas são privilegiadas na arquitetura sustentável em vez de se demolir, descartar e construir novamente com materiais novos.

“Hoje já tem material com base reciclada de muita qualidade. O grande desafio é ser absorvido pelo mercado. São um pouco mais caros; isso ainda não se popularizou muito”, afirma Loyde.

Segundo ela, também há um fator cultural que pesa na escolha, já que muitas pessoas ainda não conhecem ou não confiam nas alternativas.

Para a professora, usar estratégias de compensação é uma forma de atingir a sustentabilidade. Quando o design totalmente sustentável não for alcançável, ele pode ser equilibrado em outros aspectos da casa.

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“Se, por exemplo, o nível de eficiência da envoltória (paredes e teto) não for suficiente para manter o ambiente interno equilibrado, isso pode ser compensado com coleta de energia solar para aclimatar artificialmente”, afirma a especialista.

Madeira de reflorestamento

Na casa de Fernando e Milene, o material mais utilizado foi a madeira, que vai da estrutura às janelas e piso, 85% dela vinda de reflorestamento. A opção trouxe algumas dificuldades, como ter de contratar mão de obra especializada nesse tipo de construção e levar o material até o alto da montanha, onde fica o terreno da família. Só de vigas, foram 23 toneladas, que custaram em torno de R$ 150 mil.

Madeira foi o material mais usado na construção Foto: Eli Duarte/Gera Brasil

Em função da sustentabilidade e do custo, transportes de maior distância foram evitados em outros componentes da casa. Milene dá o exemplo do ladrilho hidráulico: o produto feito em São Paulo que ela tinha em mente no início foi substituído por outro vindo de Cambuí, cidade mais próxima.

Apesar da estrutura mais cara, a casa economiza em eficiência energética. As portas de entrada em madeira e vidro permitem a entrada de luz e ventilação naturais, de forma prescindir do uso de ar-condicionado. Até as luzes só precisam ser ligadas quando já é noite. O piso em pinus também ajudou no conforto térmico e na economia — usado em toda a casa, custou no total R$ 16 mil, incluindo a madeira e o tratamento. Na cotação feita pelo casal, além de ser menos sustentável, um piso de madeira de lei sairia bem mais caro, cerca de R$ 40 mil.

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Ainda assim, os proprietários calculam que uma casa convencional em alvenaria teria custado um terço menos. Mas defendem que o investimento tende a se pagar.

“Sai mais caro proporcionalmente, mas tem valor conceitual que se paga em médio prazo. A tendência é esse tipo de casa, com pensamento ecológico, valorizar cada vez mais. Já está valorizando”, diz Fernando.

A família enaltece os benefícios da relação com a natureza possibilitada pela nova casa. Lorena, filha do casal, é uma entusiasta da mudança:

“É legal o mato porque a gente tem muito mais entretenimento. A gente não fica nessa coisa de tela que vicia, a gente tem muito mais o que fazer: plantar, passear com os nossos cachorros. Em São Paulo a gente olhava para a janela e era só prédio. Agora a gente olha e é muito florido, tem uma estrada linda e grande. E tem uma horta que a gente não precisa comprar verdura, alface, tomate, já tem aqui”, diz a menina de 9 anos.

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Veja abaixo 7 soluções de reforma e construção indicadas pelos arquitetos ouvidos pelo Estadão.

Família mudou de apartamento em Perdizes para casa na Mantiqueira há um ano Foto: Eli Duarte

Veja abaixo 7 soluções de reforma e construção indicadas pelos arquitetos ouvidos pelo Estadão:

1) Considerar posição relativa ao sol e à vegetação do entorno

Escolher uma posição favorável para a casa em relação à luz e a outras variáveis é primordial. Em geral, cômodos em que passamos mais tempo devem estar posicionados em direção ao norte para receber mais sol. Os que não precisam de tanta insolação ou onde se quer maior frescor, ficam voltados para a parte sul.

Se houver vegetação alta no terreno ou em áreas adjacentes, o sombreamento ou a área mais fresca ao redor dela podem ser usados para trazer mais conforto térmico à casa.

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“A forma como as edificações estão implantadas no terreno é tema da maior importância em um projeto sustentável”, diz Karen Ueda.

“Uma boa implantação é o ponto de partida para entender toda a questão do conforto ambiental, pois diz respeito à insolação e ventilação, permitindo melhor integração das construções às variáveis do terreno”, acrescenta a arquiteta.

2) Usar materiais naturais, de fontes renováveis e reutilizáveis

Privilegiar materiais naturais é um dos princípios da bioarquitetura ou arquitetura bioclimática.

Além da já mencionada taipa de pilão, há o solo-cimento, tipo de tijolo feito da mistura entre cimento, água e terra, em que se pode utilizar a escavação do solo da própria obra como fonte de matéria-prima.

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Entre os materiais com reaproveitamento, já há oferta de tijolo e concreto feitos com materiais reciclados, como resíduos têxteis.

Outro ponto importante é analisar o ciclo de vida dos materiais, lembra o arquiteto Daniel Fromer: “Se a matéria-prima vem de fontes renováveis; se a distância entre o ponto de produção e de consumo gera queima de combustível excessiva para o transporte; se a aplicação consome demasiada energia e se o material é reciclável e reaproveitável após a vida útil”.

Substituir produtos concreto e aço por materiais vindos de fontes renováveis, como a madeira de reflorestamento, ajuda a reduzir as emissões de gás carbônico da atividade construtiva.

3) Construir telhados com “franja” e adotar ventilação cruzada

Telhados que sombreiam paredes e janelas que recebem muito sol em determinadas horas do dia também ajudam. A técnica que deixa a luz entrar mas protege do calor foi utilizada na Casa das Birutas, projeto premiado do Gera Brasil em Piracaia (SP).

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Foi a fama desse projeto que fez Fernando conhecer o trabalho do escritório. A casa projetada para a família em 2021 também conta com um telhado desse tipo.

A ventilação cruzada é outra regra de ouro para refrescar ambientes: colocar janelas e aberturas em lados opostos do cômodo possibilita a passagem do ar e a troca com o ambiente externo.

4) Tornar o consumo de energia mais sustentável (e barato)

A instalação de placas fotovoltaicas tem se tornado cada vez mais acessível e, mesmo com o investimento inicial – que depende da superfície disponível e da demanda de energia – pode reduzir o gasto com energia da casa.

“A tecnologia barateou bastante, ao mesmo tempo em que a energia elétrica está custando mais caro. Antigamente, projetos de substituição de matriz energética para solar demoravam, em média, cinco anos para se pagar. Hoje em dia esse retorno vem em cerca de um ano e meio”, diz Daniel Fromer.

“Não é só comprar. Tem de instalar também. A gente não conseguiu, não sobrou dinheiro para isso. Ficou para depois”, conta Milene.

Quem não puder investir em um projeto como esse pode adotar outras medidas – lâmpadas mais econômicas, como as de LED, ou sensores de presença. Soluções já citadas que contribuem para tornar o ambiente mais iluminado e fresco também reduzem o gasto associado à utilização de aparelhos como ventilador e ar-condicionado.

5) Adotar um sistema de reaproveitamento da água

O uso e descarte de água é outra preocupação em uma casa sustentável. Segundo Karen Ueda, três quartos da água usada em um domicílio resulta nas chamadas águas cinzas: de pias, chuveiros, tanques e máquinas de lavar roupa. Um quarto é de águas pretas, usadas nos vasos sanitários.

Em áreas rurais, é mais fácil separar a destinação dessas águas para reaproveitamento. As cinzas podem ser encaminhadas para um círculo de bananeiras, sistema simples para tratamento, ou utilizadas para irrigação de árvores frutíferas e ornamentais.

Para as águas pretas, o sistema mais adotado é o biodigestor, que funciona com a decomposição da matéria orgânica em um ambiente sem oxigênio, que dá origem ao biogás. Custa em torno de R$2 mil, considerando uma casa em que morem quatro pessoas.

A casa de Fernando e Milene utiliza o círculo de bananeiras para reuso das águas cinzas. Segundo eles, adaptar a tubulação da calha para levar a água até lá não resulta em despesa significativamente maior.

Eles planejam ter ainda uma cisterna para captar água da chuva. Para isso, precisarão adquirir duas caixas d’água de 5 mil litros, fazendo um investimento que deve ir de R$ 7 mil a R$ 10 mil.

6) Pintar fachadas que recebem muito sol com cores claras

Uma das ações mais fáceis de se implementar, a pintura em tons claros onde há grande incidência solar diminui a absorção do calor pelas paredes, tornando o cômodo mais fresco.

Os arquitetos também recomendam tintas minerais, capazes de simular o efeito das paredes de terra em termos de dissipação de calor. “O uso das tintas minerais no lugar das que têm compostos orgânicos voláteis derivados de petróleo diminui o impacto ambiental e torna as habitações mais saudáveis”, defende Fromer.

São 10% mais caras e têm uma cartela de cores menos diversa, mas, para a arquiteta Karen Ueda, têm resultado melhor em termos de estética e qualidade.

7) Incorporar a vegetação como parte da casa

Cobrir edificações existentes com plantas, criando cortinas ou paredes “verdes” ameniza a insolação direta e ajuda a manter o ambiente mais fresco. Segundo Karen, a instalação de parede verde pode reduzir a temperatura interna de 2 ºC a 2,5ºC no verão. “É uma alternativa de baixo custo”, afirma.

A vegetação também pode ser integrada à concepção do projeto, em telhados “verdes” e jardins internos, que melhoram o microclima e contribuem para a absorção da água da chuva, cujo escoamento é um problema para as cidades. Dentro de casa, as plantas também podem ajudar a melhorar a qualidade e umidade do ar.

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