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Amazônia: As pistas de pouso secretas que estão por trás da crise da mineração ilegal no Brasil

O 'New York Times' identificou 1.269 pistas de pouso não registradas em toda a floresta amazônica brasileira no ano passado

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Por Denise Luna (Broadcast), Manuela Andreoni, Blacki Migliozzi e Pablo Robles

BOA VISTA - A 800 metros de altitude, a pista de pouso é apenas uma rachadura no meio do oceano aparentemente interminável de floresta tropical, cercada por poços de mineração lamacentos que vazam produtos químicos tóxicos para o leito do rio.

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A pista de terra é de propriedade do governo brasileiro – a única maneira de as autoridades de saúde chegarem aos indígenas da aldeia próxima. Mas garimpeiros ilegais a tomaram e agora usam pequenos aviões para transportar equipamentos e combustível para áreas onde não existem estradas. Quando algum avião que eles não reconhecem se aproxima, os garimpeiros espalham tambores de combustível ao longo da pista, para impossibilitar o pouso.

“A pista de pouso agora pertence aos garimpeiros”, disse Junior Hekurari, um agente de saúde indígena.

Garimpeiros espalham tambores de combustível ao longo de pista ilegal na Amazônia para impedir pousos. Foto: Victor Moriyama/The New York Times

Os garimpeiros também construíram outras quatro pistas de pouso nas proximidades, todas ilegalmente, impulsionando uma expansão tão rápida da mineração ilegal nas terras supostamente protegidas do povo yanomami que o crime agora saiu do controle e as autoridades do governo estão com muito medo de retornar.

Este é apenas um pequeno aglomerado de pistas de pouso clandestinas que levam a mineração ilegal de ouro e estanho para os cantos mais remotos da floresta amazônica. Esculpidas na paisagem densa e exuberante, elas fazem parte de vastas redes criminosas que operam sem controle, devido à negligência ou ineficácia das agências reguladoras e de fiscalização no Brasil, incluindo os militares.

O New York Times identificou 1.269 pistas de pouso não registradas em toda a floresta amazônica brasileira no ano passado, muitas das quais abastecem uma próspera indústria ilícita que ganhou força sob o presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro vem enfrentando constantes críticas globais por permitir que a Amazônia seja saqueada durante seu governo. Autoridades dizem que a rápida disseminação da mineração ilícita sob seu mandato pode prejudicar milhões de pessoas cujos meios de subsistência dependem dos rios da Amazônia e acelerar a destruição da maior floresta tropical do mundo.

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A Amazônia faz o papel de uma esponja gigante, tirando dezenas de bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Mas nos últimos anos está sob um ataque implacável: extração de madeira, mineração, queimadas extensivas para agricultura e outras ameaças legais e ilegais.

Pesquisas recentes mostram que as mudanças climáticas e o desmatamento generalizado estão levando a floresta tropical a um ponto de não retorno que pode destruir sua capacidade de se recuperar de tais danos. Em última análise, isso poderia lançar na atmosfera anos de emissões globais e dificultar os esforços para combater o aquecimento global.

Desde que assumiu o cargo, em 2019, Bolsonaro defendeu setores que impulsionam a destruição da floresta tropical, gerando níveis recordes de desmatamento. Ele reduziu as proteções e afrouxou as regulamentações para expandir a mineração e a extração de madeira na Amazônia. E também cortou fundos federais e pessoal, enfraquecendo as agências que zelam pelas leis indígenas e ambientais.

Bolsonaro há muito apoia a legalização da mineração em terras indígenas. Ele até visitou uma mina de ouro ilegal no que deveria ser território protegido, sinalizando publicamente seu apoio a atividades ilícitas na Amazônia brasileira.

“Não é justo criminalizar garimpeiros”, disse Bolsonaro a apoiadores diante de sua residência em Brasília, no ano passado.

Vista aérea de pista de pouso ilegal em terra yanomami, em Roraima. Foto: Victor Moiyama/The New York Times

Sem fiscalização

Somente nas terras yanomami – cerca de 100 mil quilômetros quadrados, aproximadamente o tamanho de Portugal –, as autoridades policiais estimam que 30 mil mineradores estejam trabalhando ilegalmente em território protegido pelo governo. Mas há pouca fiscalização. Nos últimos anos, seus números aumentaram, causando confrontos mortais, deslocamento de comunidades indígenas, rápido desmatamento e destruição de terras e rios, com níveis impressionantes de mercúrio tóxico nas águas.

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A mineração ilegal em terras yanomami perto da fronteira do Brasil com a Venezuela é uma janela para o que está acontecendo na floresta amazônica, que cobre cerca de 60% do país.

Muitas das 1.269 pistas de pouso não registradas que foram identificadas pelo New York Times permitem que as aeronaves pousem em áreas ricas em ouro e estanho que de outra forma seriam quase impossíveis de alcançar por causa da densa floresta tropical e do terreno montanhoso. Embora o papel do tráfego aéreo na mineração ilegal esteja bem documentado, o Times examinou milhares de imagens de satélite que datam de 2016 para verificar cada pista de pouso e compilar a imagem mais abrangente até agora da escala das atividades ilegais.

A análise do Times descobriu que pelo menos 362 – mais de um quarto – das pistas de pouso estão a menos de 20 quilômetros de áreas de garimpo, uma forma de mineração que depende muito do uso de mercúrio altamente tóxico. Cerca de 60% dessas pistas estão em terras indígenas e protegidas, onde é proibida qualquer forma de mineração.

As centenas de outras pistas de pouso identificadas pelo Times muitas vezes dão suporte a operações de mineração ilegais a grandes distâncias, ou são usadas por narcotraficantes ou por agricultores para espalhar pesticidas. Além disso, os garimpeiros também vêm usando ilegalmente ou tomaram dezenas de pistas de pouso do governo, das quais as autoridades dependem para acessar comunidades remotas.

“Nossa percepção é que sem aviões não haveria mineração na terra yanomami”, disse Matheus Bueno, procurador federal de Boa Vista, capital do Estado de Roraima, onde fica parte da terra yanomami.

Crescimento da mineração ilegal

De 2010 a 2020, a mineração ilegal em terras indígenas cresceu quase 500% e em terras de conservação, 300%, de acordo com uma análise do Mapbiomas, um coletivo brasileiro de organizações sem fins lucrativos e instituições acadêmicas com foco no clima.

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Para o povo yanomami, os efeitos do garimpo ilegal já foram devastadores.

Com uma população de quase 40 mil habitantes, os yanomami, cujas terras se estendem pelo Brasil e pela Venezuela, são o maior grupo indígena que vive em relativo isolamento na Amazônia. Um estudo recente da Hutukara, uma organização sem fins lucrativos yanomami, estimou que mais da metade das pessoas que vivem no território yanomami brasileiro foi prejudicada pela mineração ilegal.

As consequências, de acordo com o relatório, incluem desnutrição, por causa de lavouras destruídas ou abandonadas, e malária espalhada pela proliferação de mosquitos em minas a céu aberto e áreas desmatadas.

As operações também dividiram os grupos indígenas, porque alguns trabalham com os garimpeiros, enquanto outros se opõem a eles. No início deste ano, eclodiu uma briga entre dois grupos, deixando dois homens mortos e outros cinco feridos.

Mercúrio

Mas o que mais alarma as autoridades de saúde é o mercúrio usado para separar o pó de ouro da lama do leito do rio, substância que está envenenando a água e os peixes dos quais a comunidade depende.

O envenenamento por mercúrio pode prejudicar o desenvolvimento das crianças e atacar o sistema nervoso central, causando uma série de problemas de saúde, desde perda de visão até doenças cardiovasculares, de acordo com um relatório da Fiocruz, um instituto de pesquisa em saúde pública.

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Uma recente análise da água coletada de quatro rios yanomami encontrou níveis de mercúrio 8.600% mais altos do que o que é considerado seguro para consumo humano.

“A destruição de algumas comunidades já é total”, disse Hekurari. “A mineração está em toda parte.”

As minas de garimpo normalmente começam com um único homem caminhando pela floresta, carregando apenas uma pá, uma enxada e um dispositivo de GPS.

Os garimpeiros muitas vezes vêm de comunidades empobrecidas e estão tentando ganhar mais do que um salário mínimo. Seus chefes fazem parte de empresas criminosas fragmentadas, mas politicamente poderosas, que nos últimos anos se aproveitaram da mão de obra barata e do aumento do preço do ouro e do estanho.

Assim que um local lucrativo é identificado, mais garimpeiros chegam carregando suprimentos para abrir uma mina rudimentar. Bombas movidas a diesel lançam poderosos jatos de água na lama para soltá-la, enquanto outras bombas extraem a lama do leito do rio, criando enormes crateras que interrompem o fluxo das águas. O mercúrio então é misturado com a lama extraída para separar as partículas de ouro. Traços de mercúrio permanecem na lama descartada e também evaporam no ar durante o processo.

As pistas de pouso são construídas em áreas ricas o suficiente em minerais para compensar as caras cadeias de suprimentos aéreas.

“É assim que eles ganham escala”, disse Gustavo Geiser, especialista forense da Polícia Federal brasileira que trabalhou em vários casos de mineração ilegal.

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O ouro então é vendido a compradores, alguns deles sem licença, que o transferem para fundições no Brasil e no exterior para refinamento. Em seguida, muitas vezes acaba em bancos de todo o mundo ou em produtos, como joias e celulares.

O garimpo pode ser legal, mas grande parte dele é realizado sem as licenças ambientais exigidas ou em áreas protegidas, onde é proibido.

Como parte de uma ampla investigação do ano passado sobre mineração ilegal em terras yanomami, o IBAMA e a Polícia Federal apreenderam dezenas de aviões e helicópteros e revelaram o funcionamento interno da logística que sustenta essas operações.

A única distribuidora de combustível de aviação do estado de Roraima foi multada por vender para compradores não cadastrados, os quais tinham postos de gasolina improvisados (a distribuidora ainda está sob investigação criminal). O combustível era transportado para pistas de pouso próximas das quais aviões e helicópteros ficavam escondidos em clareiras na floresta.

Em maio, o Times usou um drone para observar uma das pistas de pouso encontradas pelos agentes e viu dois aviões sendo carregados com carga não identificada e várias caminhonetes com tambores de combustível - um exemplo de como as agências de fiscalização têm dificuldade para efetivamente coibir essas operações.

A recente expansão da mineração ilegal em todo o Brasil não é inédita: a corrida do ouro da década de 1980 criou uma crise muito parecida com a que existe hoje.

Em meio à pressão internacional, o governo sufocou a maior parte da mineração ilegal explodindo dezenas de pistas de pouso, prendendo e extraditando mineradores e fechando o espaço aéreo sobre as terras yanomami por meses a fio, de acordo com reportagens.

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Muitos agentes de fiscalização dizem que é preciso implantar uma estratégia semelhante para combater efetivamente a mineração ilegal de hoje. Mas, sob Bolsonaro, as políticas de proteção foram enfraquecidas. Os críticos dizem que o governo prioriza o desenvolvimento econômico não regulamentado em detrimento de questões ambientais e indígenas.

Na terra yanomami, o exército tem três bases de monitoramento da atividade fronteiriça, uma das quais às vezes é usada para combater o garimpo ilegal. O Times identificou pelo menos 35 pistas de pouso não registradas, provavelmente usadas por garimpeiros, em um raio de 80 quilômetros dessa base.

“O exército reconhece que a integridade da fronteira se apresenta como um desafio para o estado brasileiro, em particular para as forças de segurança”, disse o Exército do Brasil ao Times por e-mail, acrescentando que o país compartilha mais de 16 mil quilômetros de fronteira com 10 países.

O plano de proteção de fronteiras do exército, disse o e-mail, tem o “objetivo de reduzir os crimes transfronteiriços e ambientais, bem como a atividade do crime organizado”.

A Força Aérea Brasileira não respondeu a vários pedidos de comentários.

Investigar atividades ilegais em terras indígenas e reservas federais é tarefa da Polícia Federal brasileira, mas a agência não tem recursos para coibir a atividade de mineração ilegal, segundo funcionários que falaram sob condição de anonimato por medo de retaliação.

A força tem um único helicóptero de transporte para todo o país. Os militares muitas vezes se recusam a apoiar as operações, a menos que agências com orçamentos muito menores paguem grandes somas para usar suas aeronaves, segundo oficiais da polícia.

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Investigações da Polícia Federal, agentes ambientais e promotores pintam um quadro de caos no espaço aéreo da Amazônia. Aviões e helicópteros com licenças revogadas voam sem controle para minas ilegais com seus transponders desligados, muitas vezes cruzando a fronteira com a Venezuela.

Avião sobrevoa área de mineração ilegal em Roraima. Foto: Victor Moriyama/The New York Times

Uma complicação para as agências de fiscalização é a nova lei que recentemente eliminou a exigência de autorização do governo para que pistas de pouso sejam construídas em terras desprotegidas. As pistas ainda precisam ser registradas para operar, mas os críticos dizem que a lei enfraquece ainda mais a fiscalização do governo porque os fiscais não podem mais emitir multas simplesmente por sua existência; eles agora precisam provar que as pistas de pouso não registradas estão sendo usadas.

Juliano Noman, chefe da Anac, agência de aviação civil do Brasil, encarregada de monitorar atividades ilegais de pistas de pouso, disse que a remoção da exigência agilizou o processo de registro e não alimentou mais atividades criminosas. Uma seção de terra limpa não pode ser confirmada como uma pista de pouso, a menos que seja detectado algum tráfego aéreo, disse ele.

Sua agência, disse ele, ainda está impedindo com sucesso o tráfego aéreo ilegal.

“Não há nada na aviação que torne a mineração ilegal mais fácil ou escalável”, disse ele, acrescentando que os criminosos sempre encontrarão maneiras de transportar seus produtos, uma realidade que não cabe à sua agência combater.

Rodrigo Martins de Mello estava envolto em uma bandeira brasileira enquanto falava com algumas centenas de garimpeiros de cima de um caminhão de som, em maio. Eles estavam em Boa Vista para protestar contra um grupo de senadores que tinham vindo à cidade para investigar abusos de direitos humanos ligados ao garimpo ilegal.

“O mais importante é acabar com a opressão ao garimpo”, disse Mello. “Estamos aqui buscando nossa liberdade, nossa tranquilidade para trabalhar.”

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Piloto e empresário da aviação, Mello representa o crescente apoio ao garimpo em alguns cantos empobrecidos da Amazônia - e seu impulso para se expandir ainda mais para dentro das áreas protegidas.

Com participações em vários projetos legais de mineração, ele faz parte de uma poderosa rede de empresários que se aproveitam das regulamentações enfraquecidas sob o governo Bolsonaro para fazer mineração, extração de madeira e outras atividades na floresta tropical.

Ao mesmo tempo, ele também está sob investigação por seu envolvimento com mineração ilegal.

Com a eleição nacional em outubro, Mello se juntou ao partido político de Bolsonaro e lançou sua própria campanha ao Congresso para representar os garimpeiros. Ele também é coordenador de um movimento no estado de Roraima que quer afrouxar as regulamentações sobre o garimpo.

Mello disse que seu principal projeto é construir cooperativas de mineração em todo o estado, para que os mineiros possam trabalhar legalmente e ajudar a economia local a crescer. “Eles acreditam em mim porque acham que posso viabilizar economicamente essas cooperativas”, disse.

Mas ele também apoia políticas que beneficiariam os mineradores ilegais, como proibir a aplicação da lei de destruir equipamentos ligados a crimes ambientais.

Sua agenda rapidamente fez dele um líder em um estado onde os garimpeiros são uma grande força política. Os críticos dizem que Mello está promovendo políticas que vão corroer ainda mais as proteções que já são pouco aplicadas.

Presente no protesto de Mello, Christina Rocha se lembrou do marido, Antônio José, que morreu no ano passado quando o avião que o transportava para uma mina ilegal caiu. Seu corpo foi encontrado oito meses depois.

“Tem muito acidente”, disse ela. “Se fosse legal, as pessoas não teriam que correr tanto risco.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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