BRASÍLIA- Parada no governo mais uma vez, a Autoridade Climática não tem data para ser criada. Após divergências dentro da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a proposta para o novo órgão estacionou no Ministério da Casa Civil. Nesta segunda-feira, 11, o País chega à Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, sem criar a estrutura prometida desde a campanha eleitoral em 2022.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, afirma que a elaboração do modelo é complexa, pois requer novo arcabouço jurídico. Procurada, a Casa Civil não respondeu. O órgão serviria para direcionar a política climática no governo, além de conduzir a pauta transversalmente em todos ministérios.
A criação da Autoridade Climática vem à tona sempre que o Brasil passa por catástrofes, seja com a tempestade recorde do Rio Grande do Sul, ou com a seca que intensificou as queimadas. Embora tenha se tornado “bala de prata” no discurso de Lula quando há pressão por crises ambientais, sua criação segue em segundo plano dentro do governo.
Lula escolheu a agenda ambiental como uma das prioridades do seu governo e quer se colocar como líder global na área, mas problemas climáticos ao longo do ano expuseram falhas de prevenção ou de rapidez nas respostas do governo a esses problemas.
Na quarta-feira, 6, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, justificou a demora, afirmando que o tema é complexo e requer arcabouço prévio para funcionar. Só depois da criação do Estatuto Jurídico da Emergência Climática, o governo pretende propor a Autoridade Climática. O Executivo queria resolver as mudanças jurídicas no começo do mês passado, mas o tema também não teve desfecho.
“A Autoridade Climática entra como o operador desse sistema, dessa governança. É algo bastante complexo, que suscita debate, porque você está criando novos conceitos, novos paradigmas, e está na Casa Civil sendo feita essa finalização desse conjunto de medidas”, afirmou a ministra.
Segundo fontes que acompanham as discussões, hoje o modelo com mais força dentro do governo é o que coloca a estrutura da Autoridade Climática subordinada à Presidência da República, como defendia o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e não à pasta, como quer Marina. O argumento é de que uma estrutura vinculada à cúpula do governo teria mais força para se impor ante os outros ministérios.
No início de setembro, em meio ao avanço das queimadas no Brasil, Lula anunciou em Manaus a criação da Autoridade Climática. Na época, o presidente falou sobre a importância da estrutura para conduzir um plano contra a crise climática.
“Nosso foco precisa ser a adaptação e preparação para o enfrentamento desse fenômeno. Para isso, vamos estabelecer uma autoridade climática e um comitê técnico-científico que dê suporte e articule a implementação das ações do governo federal”, disse o presidente da República.
Essa foi a segunda vez que o governo ressuscitou a Autoridade Climática após um evento extremo. A primeira, ocorreu em maio, durante as chuvas no Rio Grande do Sul, quando a possibilidade de criação do órgão voltou a ser ventilada por membros do alto escalão.
Na época, no entanto, a medida não prosperou, porque, como a Coluna do Estadão mostrou, auxiliares palacianos não viam chance de a Autoridade prosperar no Congresso.
Adaptação climática
A importância de medidas de adaptação ficou ainda mais evidente após o Rio Grande do Sul ser devastado pela força das águas. A tragédia climática de maio foi a terceira em pouco tempo no Estado, que já havia enfrentado enchentes em setembro e novembro de 2023.
“Temos um buraco na adaptação climática. É urgente criar uma estrutura institucional para lidar com ela”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. “O Brasil precisa de governança climática, que articule de forma sistêmica os governos com a sociedade. Nesse sentido, está faltando tanto alguém para liderar a agenda de adaptação com a prioridade merecida, quanto um conselho forte para a política climática.”
Apesar do discurso do presidente, a demora em criar a estrutura, segundo especialistas, demonstra falta de comprometimento com a proposta. Para a gerente de Políticas públicas do Greenpeace Brasil, Mariana Mota, o atraso mostra que o tema é sensível politicamente.
“A demora pra sair do papel evidencia que o discurso de transversalidade da agenda climática encontra um obstáculo dentro do próprio governo e do Congresso. Caso contrário, já teria saído”, afirma.
Desde que o modelo começou a ganhar corpo dentro do governo, a proposta gera divergências entre a Casa Civil e o Ministério do Meio Ambiente. Rui Costa já chegou inclusive a fazer críticas públicas sobre o formato apresentado pela pasta de Marina, afirmando que não seria só a criação do órgão que resolveria o problema.
Além da divergência interna, o Congresso tem imposto derrotas ao governo em temas relacionados ao meio ambiente, como a tese do Marco Temporal de demarcação de terras indígenas, que chegou a ser vetada pelo presidente e acabou tendo o veto derrubado. A articulação do tema no Congresso também é uma das frentes que a gestão petista precisará atuar para colocar a estrutura de pé.
Mariana Mota destaca que caso a Autoridade Climática seja criada, é preciso ter autonomia e recursos. “Alcançar metas climáticas ambiciosas exige mais do que uma nova estrutura administrativa. É necessária articulação política robusta para construir consensos que possam enfrentar interesses consolidados no modelo econômico atual, baseado em desmatamento e combustíveis fósseis”, diz.
Desmate em queda, mas risco do fogo
Uma das metas fixadas por Lula foi a de zerar o desmate na Amazônia até 2030. Neste mês, o governo divulgou dados da perda da cobertura vegetal monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Os dados revelam queda de 30,6% do desmate ante 2023, chegando ao menor patamar registrado em nove anos. De agosto de 2023 a julho de 2024, foi desmatada uma área de 6.288 km², ante 9.064 km² no período anterior.
A degradação florestal do bioma, no entanto, registrou o maior patamar em 15 anos, o que preocupa cientistas e autoridades. Um dos motivos para esse problema é o espalhamento de incêndios, o que compromete a cobertura vegetal.
O país também registrou a primeira queda no desmatamento do Cerrado desde 2019. Segundo os dados, foram desmatados desde agosto de 2023 a julho deste ano 8.174 km², queda de 25,7% em relação a 2023.
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