RIO - Vista de longe, um dos mais belos e famosos cartões postais do Brasil; de perto, uma área em que, em alguns trechos como as margens da ilha do Fundão (zona norte do Rio), nem é possível ver a água, encoberta pelo lixo: assim é a baía de Guanabara, que banha o Estado do Rio de Janeiro. Alvo de diversos programas de despoluição nas últimas décadas, a baía recebe diariamente cerca de 90 toneladas de detritos produzidos por sete municípios (Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Duque de Caxias, Magé, Guapimirim e Itaboraí), além de 18 mil litros de esgoto doméstico por segundo, de acordo com estimativa divulgada em 2016 pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
“Por conta do crescimento urbano desordenado, os rios foram transformados em valões de esgoto e lixo. Milhares de toneladas de lixo descem dos rios em direção à baía de Guanabara, principalmente em períodos de chuva”, conta o biólogo Mário Moscatelli, que acompanha a poluição na baía desde 1997. “Antes de ser ecólogo, sou lixeiro”, brinca. “Gasto 95% do meu tempo protegendo e tirando lixo das áreas de mangue que estou recuperando do que plantando. Já retirei 15 toneladas de resíduos de uma área de manguezal de 100 metros quadrados”.
“O lixo ataca o principal ativo econômico e ambiental da cidade do Rio, que são suas praias”, alerta o biólogo. Ele avalia que o problema não é técnico nem decorre de falta de verba. “Dinheiro (para despoluir) já teve, mas a falta de controle e responsabilização pelos resultados pífios resultaram nesse quadro”, avalia. “ O problema é político e cultural. Político porque depende de que o eleitor escolha quem de fato está ligado aos novos tempos ambientais e suas responsabilidades. A maioria dos dos prefeitos não toma conhecimento da situação e não são cobrados nas ruas nem pelo sistema de fiscalização”, considera. “Cultural por três fatores: uma parcela significativa da população não dá importância para o próprio voto nem cobra nada dos eleitos; a sociedade fica resignada diante da falta de política pública ambiental; e o cidadão não faz nem o mínimo que é cobrado de cada um, que é não jogar lixo nos rios. Vivemos uma tempestade ambiental perfeita”, conclui.
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), subordinado à secretaria estadual de Ambiente e Sustentabilidade, instalou 17 ecobarreiras na foz dos principais rios que deságuam na baía de Guanabara com o objetivo de reter os resíduos sólidos flutuantes, mas a operação desse sistema foi interrompida e o órgão aguarda uma decisão judicial para contratar uma empresa para retomar o serviço.
Na capital, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) não limpa a baía em si, mas recolhe o lixo abandonado em encostas e em rios e lagos, que podem acabar na rede de esgoto e poluindo as praias. Em toda a cidade, são coletados diariamente cerca de 9 mil toneladas de resíduos (lixo domiciliar e urbano, grandes geradores e resíduos da construção civil). A Companhia afirma atuar “constantemente para acabar com os pontos de descartes irregulares na cidade”.
Embora os detritos, como garrafas pet, pneus e até sofás, sejam a poluição mais visível da baía de Guanabara, o elemento poluidor que mais preocupa é o esgoto. A empresa Águas do Rio, que assumiu recentemente a administração dos serviços de água e esgoto em 27 municípios do Estado, atendendo 10 milhões de moradores, prevê no prazo de cinco anos conseguir coletar e tratar 80% do esgoto produzido na área atendida. Para isso, anuncia investimentos de R$ 2,7 bilhões e a formação de um cinturão sanitário. Na baía de Guanabara, só não cabe à empresa o serviço de coleta e tratamento em Niterói e em uma parte de Guapimirim.
A expectativa do biólogo Moscatelli é de que a despoluição evolua, com a nova gestão do serviço de coleta e tratamento do esgoto. “Só poderia piorar se a empresa privada continuasse com a mesma prática da estatal, isto é, péssima qualidade de gestão do saneamento, e aumentasse o valor do serviço, o que eu considero impossível”, afirma.
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