Há dois anos, uma tragédia deixou 45 mortos em Santos, São Vicente e Guarujá após um temporal. Naquele 3 de março a média pluviométrica histórica para o mês na região foi ultrapassada em apenas uma noite. Chuvas extremas como aquela, no entanto, serão cada vez mais comuns na Baixada Santista e concentradas nas áreas que já recebem os maiores volumes, segundo estudo inédito que projeta os efeitos das mudanças climáticas nessas cidades até o final do século.
“Os eventos extremos de chuva aumentarão tanto em magnitude quanto em frequência já nas próximas décadas (alta confiabilidade) e muito provavelmente se acentuando ainda na mais na segunda metade do século, causando mais eventos de inundações bruscas, enxurradas, alagamentos, processo erosivos e deslizamentos de terra, especialmente nas regiões de serra e logo abaixo das mesmas”, diz uma das conclusões do estudo, resultado da parceria da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ).
Quanto mais extremo for um evento já registrado historicamente, maior será o aumento relativo de sua frequência. É provável que a média dos maiores valores de precipitação registrados anualmente seja pelo menos 5% maior até 2050, e muito provavelmente o dobro disso (10%) ao final do século.
Eventos de chuva mais branda (menos que 30mm/h, 50mm/24h e 80mm/72h) - que são historicamente mais frequentes - passarão a acontecer um pouco menos que o normal e estarão temporalmente mais distantes entre si. Por esta razão, a maior quantidade de dias consecutivos sem chuva possivelmente será, ao menos, 10% maior até 2050, e 20% no final do século durante a estação chuvosa.
As conclusões se alinham com o que mostra o último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado neste mês. Os cientistas reunidos pelo IPCC veem grande probabilidade de que as cidades e as planícies costeiras estejam expostas ao aumento do nível do mar na forma de inundações costeiras e erosões. Esses perigos podem afetar assentamentos humanos, portos, indústrias e outras infraestruturas. Se processos de adaptação e mitigação não forem adotados, os riscos para essas áreas e as pessoas aumentarão substancialmente até 2100. De acordo com estudos listados pelo relatório, até 880 milhões de pessoas em todo o mundo terão maiores riscos até o final do século.
Os efeitos das alterações do clima para a região da Baixada Santista também serão sentidos nas ondas de calor que se tornarão cada vez mais comuns. Durante o verão, esses eventos se tornarão até cinco vezes mais frequentes até 2050. Até o final do século, o aumento tende a ser ainda maior. Em alguns dos cenários analisados, de 10 a 20 vezes mais comuns.
A média das temperaturas e das máximas também devem crescer. “Pelo menos um grau deve aumentar na média até 2050, independentemente do cenário analisado”, diz o coordenador do estudo, Pedro Camarinha. “Teremos mais dias com temperaturas de 38º, 39º, 40º.”
Já os períodos frios e as ondas de frio raramente devem acontecer até 2050. Dali pra frente, diz a pesquisa, “é virtualmente certo que a região não tenha mais eventos desse tipo”.
O estudo é um desdobramento de um levantamento feito exclusivamente em Santos, uma das primeiras cidades a criar umplano municipal de mudanças climáticas, em 2016, antes mesmo do plano nacional.No dia 16, as defesas civis dos nove municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista, com cerca de 1,8 milhão de habitantes, começam a receber treinamento e ter acesso ao banco de dados gerado a partir da pesquisa.
“Estamos descentralizando essa rede de dados com mapas de uso do solo e redes hidrográficas”, diz a diretora da Assessoria Internacional da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, Jussara Carvalho. “Nossa expectativa é capacitar os técnicos dos municípios da região da Baixada Santista.”
Outra conclusão do estudo é que quanto mais extremo for um evento já registrado historicamente, maior será o aumento relativo de sua frequência. Até 2050, eventos com tempo de recorrência de 15 a 10 anos tendem a acontecer pelo menos a cada 5 anos “o que poderá levar à superação de condições e operacionais consideradas em projetos de diversas infraestruturas, como sistemas de drenagem, entre outros”, diz a pesquisa.
O estudo recomenda o aprofundamento em novas pesquisas a respeito dos riscos climáticos na região para direcionar medidas de adaptação específicas e eficazes. “Reiteramos a importância de apoiar medidas de adaptação de ‘não arrependimento’, sobretudo as que se encaixam no âmbito da adaptação baseada em ecossistema, educação ambiental, normativas e leis de uso e ocupação (sobretudo mais conservacionistas), além da capacitação e suporte à Defesa Civil e apoio às entidades e programas voltados ao monitoramento e alerta de desastres naturais”.
“São ações (medidas de adaptação) que, mesmo que as perturbações climáticas futuras não se concretizem, resolverão problemas (ou parte deles) que já existem hoje em dia. Ou seja, o investimento não causará arrependimento, pois ele trará, de uma forma ou de outra, benefícios”, diz Camarinha. “Por exemplo, investir pesado em obras de contenção que sejam projetadas para novos eventos climáticos futuros pode ser muito oneroso e, na hipótese da não concretização dos eventos pelos quais ela foi projetada, poderia causar um ‘arrependimento’”.
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