ENVIADA ESPECIAL A BAKU - Há expectativa para que a Cúpula do Clima (COP) da Amazônia restabeleça a confiança na condução de acordos multilaterais para frear as mudanças climáticas. A um ano do evento, a próxima COP-30 vai herdar da COP-29 com resultado considerado frustrante e em um contexto geopolítico de difícil negociação, agravado com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.
Um dos principais idealizadores da conferência de Belém, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), acredita que a cúpula de 2025 resgatará a “essência” das COPs após edições em “petroestados” - Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão - e com histórico pouco aberto a manifestações.
A afirmação ocorre em um momento que o formato do evento tem sido questionado - um grupo composto pelo climatologista Carlos Nobre e pelo ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon. chegou a pedir revisão sobre o processo de escolha das sedes.
Diferentemente da edição mais recente, em que a maioria dos chefes de Estado faltaram, Barbalho espera uma cúpula repleta de líderes globais e com forte participação da sociedade civil.
No Pará, o governador tem falado em mudança de rota na economia. Ele defende a migração de um passado de extrativismo e agropecuária extensiva para a bioeconomia, em que a floresta de pé se torna um ativo.
Isso inclui desde a aposta no mercado de carbono (pelo potencial de “sequestro” de gases de efeito estufa pelo bioma) até o anúncio de concessão para recuperar a área de proteção ambiental de 1,6 milhão de hectares. Mas, por ora, a mineração continua como uma das principais atividades econômicas no Estado.
O Estadão conversou com Barbalho durante a COP. Veja algumas das principais ideias defendidas pelo governador:
Protagonismo dos governos subnacionais
Foi uma solução que tivemos entre 2019 e 2022, quando os governos subnacionais (Estados e prefeituras) no Brasil foram aqueles que tiveram alavancagem de protagonismo. O mundo, ao perceber que havia dificuldade de diálogo com o governo brasileiro (de Jair Bolsonaro), passou a dialogar com os governos subnacionais. E aqueles que tiveram capacidade de aproveitar essa janela de oportunidade seguiram adiante. Com a chegada do presidente Lula, há agregação do esforço subnacional e do esforço do governo brasileiro, que não se sombreiam: se somam. Não somos concorrentes. Pelo contrário, trabalhamos juntos para dar escala aos nossos esforços.
Crítica de especialistas e organizações sobre modelo atual das COPs
Belém será palco do reencontro da essência da COP. Quando sai de duas COPs em ‘petroestados’ e vai para a Amazônia, tem um simbolismo extraordinário. Isso mostra o caminho daquilo que o Brasil deseja apresentar como o país líder e sede da COP-30. Além disso, a necessidade de trazer a floresta para o centro das discussões: sai da discussão do financiamento das economias de combustíveis fósseis e passa para o centro da floresta, colocando o exemplo do Brasil. O Brasil tem problemas, mas certamente tem autoridade, comparado com outras nações no que diz respeito às metas e ambições. É aquilo que já vêm realizando, seja no campo da energia, no campo da redução das emissões, nesse caso atrelada a uma redução do desmatamento. Temos deveres de casa a fazer, sem dúvida, mas se olhar para o lado e visualizar o comportamento de outras nações nessa agenda, certamente este momento é o que o Brasil deve exercer esta liderança, esta autoridade.
Ciência e manifestações
Devemos conciliar, valorizando a ciência, valorizando a tecnologia e valorizando as organizações não governamentais. E Belém será o grande palco da maior mobilização da sociedade no entorno da COP. Até porque vem de COPs (Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão) em que os sistemas de poder são extremamente rígidos no que diz respeito a maiores mobilizações.
Papel do setor privado
Permite um campo democrático de mobilização, de sociedade, mas não deve afastar o setor privado. Pelo contrário: até que o setor privado tem cumprido papel extremamente importante diante do vácuo do financiamento público. Se formos fazer análise de quanto efetivamente há de financiamento público a fundo perdido para a redução das emissões, a iniciativa privada cumpre um papel extraordinário. E não podemos desmobilizar isso, até porque as empresas têm metas de redução de emissões, que compõem a meta dos países. Portanto, nesse contexto, não devemos ser capturados por lobbies setoriais que estão na contramão da redução das emissões, mas estimular que o financiamento privado seja protagonista, junto com o financiamento público, para atingir nossos objetivos.
Segurança após atentado em Brasília
Independentemente do episódio ocorrido em Brasília, essa é uma preocupação de todo o evento que mobiliza essa quantidade de nações e pessoas. Estamos falando da expectativa de em torno de 140 chefes de Estado e 60 mil pessoas das mais diversas nacionalidades. Isso requer a participação integrada das forças de segurança municipais e estaduais e da força de segurança nacional, que deve coordenar esse processo e o diálogo através das Nações Unidas e das relações internacionais. Estamos falando de delegações internacionais, que chegam com o seu estafe e estarão conectadas nos seus sistemas e protocolos de segurança. Tenho absoluta confiança e convicção de que será um evento absolutamente seguro.
Presença de grandes líderes mundiais na COP-30
Não tenho dúvida que a COP de Belém será a COP com o maior número de chefes de estado desde o Acordo de Paris, em 2015. O fato de ser na floresta, na Amazônia, e de ter um presidente da república com credenciais que apontam a sua credibilidade internacional certamente permitirão essa convergência.
Biodiversidade e economia
Temos trabalhado para que essa biodiversidade possa escalar, ganhar dimensão de nova vocação para o Estado. E estou falando de cosméticos, fármacos, biomateriais, do cacau que se transforma em chocolate. De forma mais ampla, em ecoturismo, gastronomia, em uma transversalidade que permite com que a economia de um Estado que tinha como vocação, exclusivamente, o extrativismo — ora mineral, ora o extrativismo vegetal —, a pecuária fortemente e outras culturas de plantio em larga escala. E, agora, a gente passa para o nosso ativo florestal e aponta: ‘tem esse caminho’. Cabe ao Estado fazer o que cabe ao Estado: diagnosticar oportunidades; gargalos, para buscar solucioná-los; e construir soluções.
Soluções
Destaco a regularização fundiária, que é importante. É fundamental que possamos investir em ciência e tecnologia, como o Parque de Bioeconomia e o Banco do Estado do Pará, que tem uma linha específica chamado Banpará-Bio e um fundo garantidor, para alavancar operações atreladas especificamente à bioeconomia. Portanto, temos a absoluta crença de que estamos diante de uma carteira. Estamos diante de um cardápio que oferece essa nova economia verde do Estado: carbono, concessões de floresta e de restauro, bioeconomia e pagamento por serviços ambientais. O Estado está na fase final para um financiamento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que permitirá que 20 mil famílias da agricultura familiar possam receber por pagamento de serviço ambiental. Isso significa que cada família deve receber, por hectare preservado, R$ 1 mil por ano. É pouco? Talvez seja pouco sim, mas sabe quanto essa família recebe hoje, em média, por hectare de pecuária no Pará? R$ 500. Portanto, é essa rede que estamos falando para conciliar a lógica da preservação com produção, porque aí integro a minha missão de cuidar do meio ambiente. Mas, acima de tudo, precisa estar conectado com cuidar de pessoas. Se não, isso desregula e não será sustentável, não será perene. Porque, em algum momento, a crise social vai dar pressão na floresta e aí terei certamente prejuízo do processo de harmonização, com prejuízos ambientais.
Bioeconomia
É um amadurecimento institucional da importância de construirmos um novo ambiente no País. E aí tem a agenda do comando e controle, da fiscalização, para poder combater ilegalidades, reduzir desmatamento. E, por outro lado, o que entendo ser fundamental: construir uma economia atrelada à agenda ambiental. Comando e controle é fundamental, mas apenas isso não vai resolver. Temos defendido, de maneira forte. Primeiro: o uso do solo na região. Temos áreas degradadas que, se forem produtivas, não precisa derrubar uma árvore sequer para continuar sendo protagonista na produção alimentar. O Pará tem 6 milhões de hectares de áreas degradadas. Se transformo essa área com produção de cacau ou outras atividades que geram renda e emprego, que produzem, que fazem com que se recupere e essas áreas, inclusive, para crédito de carbono, é uma nova economia que oportunizo em um território degradado.
Concessão da APA Triunfo do Xingu
Vamos fazer a primeira publicação de restauro em área pública. É profundamente simbólica, porque estamos falando da APA (Área de Proteção Ambiental) Triunfo do Xingu, que é a que mais sofre pressão sobre a floresta. É uma área que foi apropriada ilegalmente a partir de grilagem de terra, que o Estado vai à Justiça, recupera o território e, a partir da recuperação desse território, passará para a iniciativa privada restaurar toda a área. Mobiliza R$ 250 milhões de investimentos que o privado terá que ter e gera 2 mil empregos desse novo negócio para a Amazônia. A iniciativa privada está ávida por essa oportunidade. Portanto, você junta uma demanda ambiental do Estado, um passivo ambiental do Estado e reverte para um ativo econômico e um ativo ambiental, trazendo o privado para esse processo.
Mercado de carbono
O outro viés é o mercado de carbono, a captura de carbono. Para capturar o carbono emitido por indústria, combustíveis fósseis e outras matrizes para transformar isso numa nova commodity. Nos posiciona, como Floresta Amazônica, como ponto central. Somos o principal player do mercado de carbono no planeta. Então, isso é a nova economia verde e sustentável, que vai gerar repartição dos recursos para povos indígenas, quilombolas, extrativistas, que vai ser também monetizada a agricultura familiar, o pecuarista, o agricultor — que tem a sua propriedade rural, mas tem a sua área de reserva, a sua área de estoque. E a nossa biodiversidade, que os nossos povos ancestrais já sabem a sua riqueza, mas que as pessoas hoje muito pouco valorizam.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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