Na Fazenda Agro Verde, em Unaí, em Minas Gerais, o uso de adubos e defensivos químicos na produção de grãos está sendo substituído gradativamente pelos bioinsumos, técnica que consiste na aplicação de fungos e bactérias que equilibram o ambiente, favorecendo o aumento da produtividade nas lavouras e a resistência natural às pragas.
Jan Luitie, o proprietário, conta que sempre se incomodou com a dependência crescente de produtos químicos na plantação. “Sempre vinha a receita pronta: tantos quilos de adubo, tantos litros daquilo. Começamos a perceber que estávamos cada vez mais dependentes. No caso da soja, principalmente, precisava aplicar antes de plantar, durante a safra, e depois. Isso acaba matando a vida biológica do solo”, diz o produtor.
Ele veio com a família da Holanda para o Brasil há 40 anos e relata ver que as propriedades rurais, ao longo do tempo, passaram a criar plantas que só sobrevivem com com esses recursos artificiais. “E assim a raiz não trabalha mais para a planta. Não há mais raízes saudáveis”, acrescenta Jean Luitie.
Desse incômodo de Luitie vieram as pesquisas para mudar o sistema produtivo da propriedade. Os bioinsumos surgiram como alternativa que somaria três benefícios para o negócio: redução de custos com aquisição de produção químicos, além de regeneração da terra degradada e a sustentabilidade da produção.
Há um ano, ele conseguiu tirar do papel o sonho de construir uma biofábrica na fazenda. Financiado por uma linha de crédito especifica para projetos de agricultura sustentável, do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Luitie passou a multiplicar biofertilizantes em laboratório.
“Nossa plantação hoje ocupa 4,5 mil hectares, a maior parte é arrendamento, e a biofábrica ainda não atende a área toda. Mas tentamos fazer o controle 100% biológico na terra própria”, afirma.
Segundo ele, ainda há um longo caminho. “O mal que os químicos causaram durante esses últimos 20, 30 anos a gente não consegue desfazer em um ano, nem em dois. Isso é demorado”, acrescenta.
A bióloga Ana Carolina Melo de Almeida, nora de Jan Luitie, é responsável pelo controle de qualidade do laboratório. Pós-graduada em Bioinsumos e mestre em Botânica Aplicada, Almeida explica que a chamada “produção on-farm” (na fazenda) permite a aplicação no campo de doses de micro-organismos que realmente são efetivos no controle dos patógenos, sejam eles fungos ou bactérias, que vão causar dano à lavoura.
“Com isso você consegue ter alto desenvolvimento do plantio, com redução de custo, e colocando doses de micro-organismos que vão equilibrar o meio ambiente, favorecendo o aumento da produtividade e a regeneração de ecossistemas”, explica.
Esta, aliás, é uma exigência crescente do próprio mercado importador, especialmente a União Europeia, que tem endurecido as regras para priorizar a entrada de alimentos mais sustentáveis. E com um produto cada vez mais orgânico, a Fazenda Agro Verde, que já fornece soja para uma agroindústria exportadora, agora sonha mais alto: vender diretamente para os países do bloco.
Crédito e agenda 2030
O financiamento de projetos de sustentabilidade é considerado um dos principais pilares da Agenda 2030, na qual representantes dos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles o Brasil, comprometeram-se com um plano de ação global que reúne 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas.
Essas metas foram criadas para erradicar a pobreza e promover vida digna a todos, dentro das condições que o planeta oferece e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações. Estimativas da própria ONU indicam que sejam necessários investimentos de 1,5% a 2,5% do PIB global para para viabilizar a Agenda 2030.
Os bancos de desenvolvimento têm puxado a oferta de crédito para projetos de sustentabilidade. “No ano passado, 40% dos financiamentos liberados pelo BDMG estavam alinhados a pelo menos um ODS. Neste ano, já avançamos muito. Entre janeiro e julho de 2024, 52% dos nossos desembolsos estão alinhados aos ODS. Isso revela, sim, demanda maior por financiamentos de projetos nesse sentido”, diz o presidente do BDMG, Gabriel Viégas Neto.
Segundo ele, isso significa que, do total de R$ 1,76 bilhão desembolsados pelo banco até julho para empresas e o setor público, R$ 925,5 milhões foram para projetos de sustentabilidade, incluindo agricultura sustentável. Para serem financiados, os projetos precisam estar dentro do escopo dos itens financiáveis.
No caso específico da Fazenda AgroVerde, o financiamento foi obtido por meio do programa LabAgrominas, que contempla duas linhas: Solo Mais e Bioinsumos com taxas acessíveis. A linha Solo Mais, contratada pelo produtor Jan Luitje, financia a contratação de assistência técnica, compra, transporte e aplicação de remineralizadores de solo, plantas de cobertura, fertilizantes naturais, compostos orgânicos e organominerais, além de bioinsumos.
Já o produtor rural José Gouveia Franco obteve financiamento da Bioinsumos para resolver um drama ambiental em sua propriedade, a Fazenda São Vicente, em Ituiutaba, em Minas Gerais: o que fazer com 350 mil litros diários de dejetos vindos da pecuária leiteira e da suinocultura? A solução foi adotar o sistema de biodigestores, que a partir do tratamento do material produz energia elétrica e fertilizantes naturais.
”O gás metano, fruto dos dejetos dos animais, deixou de ser um poluente para ser uma solução sustentável e de proteção do meio ambiente. Produzimos energia elétrica e biofertilizantes que substituem o adubo químico. O que era malefício virou atrativo financeiro”, explica Franco sobre o investimento que garantiu que a propriedade se tornasse autossustentável em energia.
Fundos irrigam projetos verdes
Com a perspectiva de crescimento do crédito verde, em julho o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa anunciaram a criação de um fundo de investimento (ETF) com foco em projetos sustentáveis na Amazônia. A iniciativa tem parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e foi divulgada durante evento do G-20, que reúne ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais das 20 maiores economias do planeta, no Rio.
Em dezembro de 2023, durante a COP-27, em Dubai, 20 bancos de fomento anunciaram a Coalizão Verde, com objetivo de mobilizar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões para o desenvolvimento sustentável da Amazônia até 2030.
E o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) recebeu, em abril, o valor recorde de R$ 10,4 bilhões do Fundo Clima (FC), maior iniciativa de redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal do mundo (REDD+). Para se ter ideia, entre 2011 e 2022, o fundo gerido pelo BNDES recebeu R$ 2,5 bilhões. O banco estima que o Fundo Clima vai desembolsar R$ 32,1 bilhões até 2026, com destaque para projetos de energia e transporte limpo.
“O Fundo Clima já mudou de patamar: de 2022 para 2023, saltou de R$ 170 milhões para R$ 814 milhões desembolsados”, disse, em julho, o diretor Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa.
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