Bolsonaro diz que divulgar dados 'alarmantes' de desmatamento 'prejudica' o País

Depois de dizer que os dados do Inpe são mentirosos e acusar o diretor do instituto de trabalhar a "serviço de alguma ONG", presidente agora afirmou que a divulgação é "propaganda negativa"; SBPC envia carta em apoio ao instituto

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Em café da manhã com a imprensa estrangeira, Bolsonaro já tinha feito críticas ao Inpe e disse que os dados de desmatamento são mentirosos Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pela divulgação dos dados que mostram alta de desmatamento na Amazônia. Bolsonaro, que na sexta-feira, 19, chegou a dizer que os números são mentirosos e acusou o diretor do órgão, Ricardo Galvão, de estar “a serviço de alguma ONG”, afirmou neste domingo que desmatamento tem que ser combatido e não “fazer campanha contra o Brasil”. Para ele, divulgar dados alarmantes “prejudica” o País.

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“No mínimo, se o dado fosse alarmante, ele (Galvão) deveria, por questão de responsabilidade, respeito e patriotismo procurar o chefe imediato, no caso o ministro e (dizer): olha ministro, temos uns dados aqui, a gente divulgar, porque devemos divulgar, o senhor se prepare porque vai ter alguma uma crítica. Assim que deve ser feito e não de forma rasa como ele faz, que coloca o Brasil em situação complicada. [...]Um dado desse aí, da maneira de divulgar, prejudica a gente”, disse Bolsonaro.

Ele conversou com a imprensa na chegada a um restaurante, em Brasília, após participar de culto religioso em igreja da cidade, acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

De acordo com números divulgados pelo Inpe no início deste mês, o desmatamento na Amazônia Legal brasileira atingiu 920,4 km² em junho, um aumento de 88% em comparação com o mesmo mês no ano passado. Este mês de julho, que ainda não acabou, já apresenta os maiores valores de desmatamento para um mês desde 2015. Até sábado, a perda registrada era de 1.260 km², contra 596,6 km² em julho do ano passado, uma alta de 111%.

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Dados do sistema Deter-B, do Inpe, mostram evolução do desmatamento, mês a mês, desde 2015. Os índices de julho deste ano estão bem acima da série histórica Foto: Reprodução Terrabrasilis

Neste sábado, Galvão rebateu as críticas de Bolsonaro em entrevista ao Estado. Ele disse que o presidente teve uma atitude “pusilânime e covarde” e que suas declarações parecem “conversa de botequim”. E lenbrou que os dados do Inpe são referendados internacionalmente e oferecem a taxa oficialmente de desmatamento do País desde 1989.

“O sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição”, afirmou o diretor do Inpe.

E complementou: “Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo.”

O presidente minimizou as declarações e o desafio feito por Galvão de repetir as críticas frente a frente. “Ele tem mandato, eu não vou falar com ele. Quem vai falar com ele é o Marcos Pontes (ministro de Ciência e Tecnologia) e talvez também o Ricardo Salles (ministro de Meio Ambiente). O que nós não queremos é uma propaganda negativa para o Brasil. Não queremos fugir da verdade. Aqueles dados pareceram muito com os do ano passado e deram um salto. Então, eu fiquei preocupado com aqueles números, obviamente, mas também fiquei achando que eles poderiam não estar condizentes com a verdade, então, ele vai conversar com esses dois ministros e toca o barco”, declarou Bolsonaro.

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Os gráficos divulgados abertamente no site do Inpe mostram que os números deste ano são bem diferentes do ano passado. “O resultado deste mês de julho sim nos surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou”, afirmou Galvão.

O pesquisador também disse ao Estado que vem tentando desde o início do mês apresentá-los ao governo. “Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação com o ministro Ricardo Salles, com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional), para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia”, disse.

Segundo ele, não houve resposta. Os ministérios da Ciência e do Meio Ambiente foram procurados no sábado para comentar as declarações de Galvão, mas também não se manifestaram.

Apoio da comunidade científica

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou neste domingo uma carta em defesa do Inpe, que foi encaminhada ao presidente Bolsonaro. A entidade aponta que houve "críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior" e disse que são "ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico".

O documento, elaborado durante a reunião anual da SBPC, também saiu na defesa de Ricardo Galvão. "É um cientista reconhecido internacionalmente, que há décadas contribui para a ciência, tecnologia e inovação do Brasil", ressalta a carta.

"Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza. Desmerecer instituições científicas da qualificação do Inpe gera uma imagem negativa do País e da ciência que é aqui realizada. Reafirmamos nossa confiança na qualidade do monitoramento do desmatamento da Amazônia realizado pelo Inpe (...) e manifestamos nossa preocupação com as ações recentes que colocam em risco um patrimônio científico estratégico para o desenvolvimento do Brasil e para a soberania nacional", escrevem os cientistas. 

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