BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciaram aumento na previsão de cortes de emissão de gases de efeito estufa, em discursos transmitidos no pavilhão do Brasil na Conferência do Clima (COP-26), em Glasgow. A nova previsão é cortar 50% das emissões até 2030 - antes, esse patamar era de 43%. A mudança, porém, não melhora as ambições climáticas do governo, que tem sofrido pressão internacional para ampliar seus compromissos contra o aquecimento global.
Especialistas afirmam que o governo federal foi responsável por uma "pedalada climática". Definida no Acordo de Paris, seis anos atrás, a meta de 43% de cortes nas emissões até 2030 tomava como base os lançamentos de gases estufa na atmosfera em 2005, projetados na época em 2,1 bilhões de toneladas de CO2.
O governo federal, porém, revisou o cálculo da base de emissões, o que aumentou a quantidade de gases emitida em 2005 para 2,8 bilhões de toneladas de CO2. Com isso, acabou "liberando" o País para emitir 400 milhões de toneladas CO2 a mais em relação à meta anunciada em 2015. Essa revisão é alvo de ação contra o governo na Justiça.
O Ministério do Meio Ambiente não indicou qual será a base de cálculo utilizada para aplicar o novo porcentual, de 50%. Apesar de subir o porcentual de corte de emissões agora, a nova promessa não aumenta a ambição climática brasileira em números absolutos.
Uma última estimativa do Ministério de Ciência e Tecnologia, mais atualizada, calculou as emissões de 2005 em 2,4 bilhões de toneladas de CO2. Caso sejam usados esses números mais atuais, a nova meta brasileira praticamente empata a quantidade de emissões com o que havia sido definido no Acordo de Paris, em 2015.
Mas, se for mantida a base de cálculo de 2,8 bilhões de toneladas de CO2, a redução de 50% anunciada agora apenas deixará a "pedalada climática" menor. "Em qualquer um dos casos o país falhou em aumentar a ambição climática", apontou o Observatório do Clima, em comunicado após as declarações do ministro da COP-26.
Já o enviado especial para o Clima do governo americano, John Kerry, elogiou o anúncio. "Isso adiciona um impulso crucial ao movimento global para combater a crise climática", escreveu nas redes sociais. A gestão Joe Biden tem sido uma principais vozes em defesa da urgência de acelerar os esforços contra o aquecimento global.
Há a expectativa de que as nações melhorem suas metas. Já as reduções nas ambições violam o Acordo de Paris, que aponta que os países não podem retroceder em suas promessas climáticas. Na semana passada, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que o Brasil foi o país que mais regrediu em suas ambições de reduzir as emissões de CO2 entre as nações do G-20. A ONU avaliou que a revisão na meta feita pelo Brasil “levou a um aumento absoluto” nas emissões.
Indagado por e-mail, o Ministério do Meio Ambiente não informou qual será a base de cálculo da nova porcentagem.
A gestão Bolsonaro também oficializou a meta de atingir em 2050 a neutralidade (saldo zero) de carbono, o que significa equilibrar todo CO2 liberado com absorção equivalente desse gás, com o reflorestamento, por exemplo. Anteriormente, o prazo para alcançar a neutralidade era 2060. Em uma carta protocolada no domingo, 31, na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, afirma que a antecipação em uma década é parte dos esforços para limitar o aquecimento global.
Esse prazo foi responsável por um impasse na reunião das 20 economias mais ricas do globo (G-20) neste fim de semana. Enquanto Estados Unidos, União Europeia e o Reino Unido defendem esse prazo de 2050, a resistência de países como China, Índia e Rússia tirou menção a uma data específica da declaração final. Em abril, o governo brasileiro já havia sinalizado que adotaria 2050 como referência.
A carta de França à UNFCCC afirma ainda que, "no devido tempo", o governo brasileiro vai enviar a proposta atualizada de sua meta climática, "que é compatível com os novos objetivos de longo prazo".
Outra mudança trazida pelo governo brasileiro é a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028 - e não 2030, como previsto anteriormente. Os novos anúncios do governo fazem parte da tentativa de driblar a desconfiança internacional em relação ao Brasil na pauta do meio ambiente, diante da recente alta de desmate e incêndios na Amazônia. Leite também defendeu que Estados mais ricos sejam "mais ambiciosos" em suas metas para reduzir a poluição atmosférica.
Leite afirmou que o financiamento climático é urgente para que o mundo possa fazer frente aos desafios. “É fundamental ter robustos volumes e nas quantidades necessárias para que a transição (para uma economia sustentável) ocorra de forma justa em cada região do planeta”, disse ele em transmissão no pavilhão do Brasil, em Glasgow, onde ocorre a COP-26 junto com um espaço montado em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Leite está em Brasília e viajará para Escócia na semana que vem para participar da convenção do Clima. Já Bolsonaro decidiu não ir ao evento e está em Pádua, na Itália. Mais de cem chefes de Estado estão reunidos para a convenção climática.
Leite e Bolsonaro afirmaram que o Brasil é hoje uma potencia verde e que prova disso é o uso de biocombustíveis em larga escala. “Neste momento, os olhos do mundo estão voltados para soluções inovadores que proporcionem avanços econômicos com crescimento verde e o Brasil é parte dessa solução”, defendeu o ministro. Na gravação, Bolsonaro destacou a necessidade de esforços para a conservação da floresta e para a criação de "empregos verdes". 'Sempre fomos parte da solução, não do problema", acrescentou Bolsonaro.
O ministro também defendeu que Estados mais ricos tenham ambição maior em suas metas para cortar emissões, sem citar uma região específica. Um total de 11 dos 22 governadores que fazem parte do Consórcio Brasil Verde irá a Glasgow como forma de se contrapor o governo federal e tentar mudar a imagem negativa do Brasil no exterior.
Em Glasgow, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse não acreditar na concretização do anúncio de Bolsonaro. “Do ponto de vista do governo federal, só tem aumentado o problema, o desrespeito ambiental, a falta de uma política clara da descarbonização da nossa economia, a falta de protocolos na proteção da Floresta Amazônica, dos nossos mananciais e nos compromissos que o Brasil desobedeceu desde a COP de Paris”, afirmou.
Doria também comentou que o presidente seria “enxovalhado” se fosse à COP26. "Parte do problema é o governo federal, quem tem apresentado a solução são os problemas subnacionais, nós temos 13 governadores de Estado aqui na COP, que tem uma posição diametralmente oposta a do presidente Bolsonaro, da defesa do ambiente.”
O que é a COP-26?
A COP-26, que começou neste domingo e seguirá até o dia 12, discute ações climáticas que possam fortalecer o combate ao aquecimento global com base nas metas do Acordo de Paris, pacto assinado em 2015. A conferência ocorre em um momento em que eventos climáticos extremos - como secas, inundações e ondas de calor - têm sido cada vez mais frequentes.
O relatório do IPCC, painel intergovernamental de mudanças climáticas da ONU, mostrou este ano que o planeta deve ficar 1,5ºC mais quente do que na era pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do inicialmente previsto. Por isso, decisões políticas tomadas pelos líderes ao longo da COP-26 são determinantes para salvar o planeta, mas há grandes desafios para chegar a um acordo.
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