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Brasil está de volta ao jogo ambiental após eleição de Lula. Como o País chega à COP-27?

Presidente eleito para assumir em 2023 deve ir à conferência do clima, convidado pela ONU e pelo Egito, país-sede

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Foto do author João Gabriel de Lima

O governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), convidou o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para ir à Conferência das Partes sobre o Clima, a COP-27. Lula aceitou – mais tarde seria convidado também pelas Nações Unidas e pelo presidente Abdul Khalil El-Sisi, do Egito, país-sede.

“A presença de Lula fará com que a Amazônia se torne ainda mais relevante na reunião”, disse Barbalho ao Estadão. “Quando (o presidente americano) Joe Biden e (o primeiro-ministro alemão) Olaf Scholz dizem que querem trabalhar com o Brasil na preservação da floresta, eles sinalizam que o que insere o Brasil na agenda mundial é a Amazônia. Façamos disso uma oportunidade.”

Panorama da Amazônia, no norte do Brasil. País deve estar na COP-27 com o presidente eleito, Lula. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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As palavras do governador emedebista ecoam as de Annalena Baerbock, ministra do Exterior da Alemanha, a maior economia europeia. Ela disse ter esperança que “o desmatamento desenfreado da Amazônia tenha um fim” e que “o Brasil volte a ser um promotor em nossa luta conjunta contra a crise climática”. Nos últimos anos, a escalada nas taxas de destruição do bioma fez o governo Jair Bolsonaro ser alvo de críticas no Brasil e no exterior.

Barbalho convidou Lula para a COP-27 em nome do Consórcio Amazônia, que reúne os nove governadores da região. Por iniciativa do Consórcio, a Amazônia brasileira será o único ente subnacional a ter um pavilhão na Zona Azul – ordinariamente, os pavilhões costumam representar países.

Na COP-26, em Glasgow, o Brasil era a única nação a ter dois pavilhões, o oficial, organizado pelo governo, e o da sociedade civil, reunindo empresários, cientistas, ambientalistas e representantes do agronegócio. Neste ano serão três.

“O Brasil precisa voltar a ser um protagonista nas discussões sobre a crise climática. Afinal, temos a maior floresta tropical do planeta”, diz a economista Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade e organizadora do pavilhão da sociedade civil.Os dois pavilhões, o do Consórcio dos governadores e o da sociedade civil, trabalham para que a Amazônia esteja em evidência na COP 27 – o terceiro, do governo federal, não fará referência específica à região, concentrando-se no tema das energias renováveis.

Nos anos 1980, logo após a redemocratização, o Brasil era tido como o vilão internacional do clima, por causa do desmatamento na Amazônia. Nossa imagem começou a mudar a partir do governo Fernando Collor, quando o Brasil recebeu a Rio 92.

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Os índices de desmatamento, no entanto, continuavam altos – atingiram picos durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e no início do período Lula, chegando perto de 30 mil quilômetros quadrados por ano.

Só começaram a cair consistentemente, reduzindo-se à metade desse valor, a partir de 2005, durante a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Marina rompeu com Lula antes do fim do segundo mandato com o petista, mas decidiu retomar o apoio ao antigo aliado nesta nova corrida presidencial. Em 2019, a gestão Bolsonaro iniciou o desmonte das instituições de comando e controle do Ministério do Meio Ambiente, como o Ibama e o ICMBio – e o desmatamento voltou a subir.

“Um dos nossos primeiros objetivos deve ser restaurar os órgãos de fiscalização, fragilizados durante o governo atual”, diz Barbalho. A agenda da Amazônia, no entanto, vai muito além da preservação ambiental. Intensificou-se nos últimos anos a pesquisa científica sobre a região, abrangendo várias áreas.

“Trabalhamos em cinco eixos: negócios e iniciativa privada, desenvolvimento econômico e social, governança, fortalecimento de instituições públicas e cultura”, afirma Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú.

O Arapyaú irá lançar na Cúpula do Clima um documento com propostas para os primeiros cem dias de governo, elaborado por uma rede que engloba, entre outros, o Observatório do Clima, o Instituto Clima e Sociedade e o projeto Amazônia 2030. Essa rede forma a Concertação Pela Amazônia.

O Amazônia 2030, uma reunião de cientistas de renome internacional, realizou estudos em várias áreas. Promoverá na COP-27, entre outras coisas, um seminário sobre como dinamizar a economia da Amazônia por meio de reflorestamento e promoção da agricultura em áreas já desmatadas.

Lula e Marina Silva em conferência de imprensa durante campanha eleitoral do presidente eleito. Ex-senadora já foi cogitada como ministra em novo governo. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

‘Brasil não precisa mais cortar nenhuma árvore’

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“O Brasil não precisa mais cortar nenhuma árvore para ter espaço para agricultura na Amazônia, visto que já desmatamos o equivalente a duas vezes e meia o Estado do Paraná”, disse ao Estadão, no mês passado, o cientista Paulo Barreto, um dos maiores especialistas mundiais na economia da região. “É preciso acabar com a grilagem, um crime que equivale à pirataria em áreas florestais.”

Algumas propostas criadas pela Concertação Pela Amazônia já vêm sendo implementadas, em parcerias entre governos e iniciativa privada. Uma delas é a inclusão de uma matéria sobre a Amazônia na grade curricular básica dos Estados da região. Há otimismo em relação a recursos, incluindo internacionais, para a execução de projetos assim.

No dia seguinte à eleição de Lula, a Noruega resolveu retomar o financiamento do Fundo Amazônia, que havia sido suspenso em 2019. O governo da Alemanha, o outro financiador do Fundo, anunciou que voltaria a contribuir nesta quarta-feira.

Nesta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que derruba decretos da gestão Bolsonaro que, na prática, inviabilizaram a execução do programa. A decisão dos ministros também obriga o governo federal a reativar o programa dentro de 60 dias.

Piazzon conta que o documento da Concertação Pela Amazônia começou a ser idealizado em março de 2020, em um jantar na casa do empresário Guilherme Leal, em São Paulo, do qual participaram vários protagonistas da sociedade civil brasileira preocupados com a questão ambiental – entre outras referências importantes da economia, como Armínio Fraga, João Roberto Marinho, João Moreira Salles, Pedro Passos e Teresa e Cândido Bracher.

Pouco a pouco outros nomes de peso foram se juntando ao grupo, como Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente nas gestões de Lula e Dilma Rousseff, e hoje integrante do conselho da COP, que reúne alguns dos maiores especialistas mundiais na área. Antes de embarcar para o evento, Izabella fará uma apresentação ao grupo de Guilherme Leal sobre os principais temas a serem discutidos na conferência e também sobre oportunidades que podem ser aproveitadas pelo Brasil.

A defesa do meio ambiente em geral, e da Amazônia em particular, está aos poucos se tornando consenso na classe política brasileira, da direita à esquerda. Temas ambientais apareceram com força nos programas eleitorais de Simone Tebet (MDB) e de Lula. Os trechos sobre Amazônia dos dois programas têm muito em comum – afinal, foram elaborados por integrantes do grupo criado no jantar na casa de Guilherme Leal.

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Quais são os novos horizontes?

“Nós não apresentamos as propostas para os cem dias a nenhum candidato, no entanto”, diz Piazzon. “Estávamos esperando a definição da eleição.” Há, obviamente, enorme divergência entre os empresários e cientistas envolvidos com o meio ambiente e o governo Bolsonaro.Se o presidente em exercício tivesse sido reeleito, as ideias da Concertação Pela Amazônia seriam oferecidas prioritariamente a entes subnacionais – governos e prefeituras.

No Brasil e no mundo, de Tebet a Lula, de Joe Biden a Annalena Baerbock, de Helder Barbalho a Guilherme Leal, fortalece-se a convicção de que a Amazônia e o meio ambiente são as grandes chances de o Brasil ter algum protagonismo na agenda internacional. O esforço coletivo para levar a Amazônia ao centro dos debates da COP-27, aliado à mudança de poder no Brasil, fornecem uma ocasião propícia para transformar essa vocação em realidade.

Gestões Lula no ambiente tiveram queda de desmate, mas obra polêmica

Quando Lula assumiu a Presidência da República pela primeira vez, em 2003, o desmatamento na Amazônia era de 21,6 mil quilômetros quadrados, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Quando saiu do cargo no início de 2011, dois mandatos depois, esse índice havia baixado para 7 mil km quadrados. Se essa é a principal medida de sua gestão no meio ambiente – personificada na figura da ex-ministra Marina Silva –, houve também embate com as questões de desenvolvimento e infraestrutura.

Os dois primeiros anos de governo foram marcados pela implementação de políticas ambientais de fiscalização e fortalecimento da participação da sociedade civil, via Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Daquele ponto em diante, as taxas de desmate começaram a cair, resultado da implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado em 2004. A mesma lógica, adaptada às características locais, foi replicada no Cerrado. Ambos contribuíram, em grande parte, para o Brasil chegar aos menores índices de desmate.

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No entanto, o embate entre duas visões de desenvolvimento se chocaram dentro do governo. A construção da Usina de Belo Monte, em Altamira, na Bacia do Rio Xingu, produziu impactos ambientais e sociais. A obra, no coração da Amazônia, levou à mobilização da sociedade civil contrária à usina. Defensora do projeto, a então futura presidente Dilma Rousseff levou a melhor.

Desgastada, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva acabou deixando o governo em 2008. Agora, o petista precisará lidar com um planeta ainda mais vigilante sobre tudo que afeta a floresta./ COLABOROU EMÍLIO SANT’ANNA

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