A primeira reunião entre o governo brasileiro e o governo dos Estados Unidos para tratar do meio ambiente foi marcada por um recado claro enviado pelo presidente Jair Bolsonaro: o Brasil vai se comprometer com metas de redução de desmatamento e queimadas se houver a injeção direta de dinheiro estrangeiro no País. Sem recursos dos Estados Unidos e demais países ricos, não há como proteger o meio ambiente como previsto em acordos internacionais. A ideia agora é mostrar claramente que houve uma mudança de postura sobre o assunto.
A necessidade de se buscar um “arranjo financeiro” para as metas de preservação do meio ambiente e redução de emissões de gases de efeito estufa marcou a conversa nesta semana, segundo fontes do governo brasileiro. Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.
O entendimento do governo Bolsonaro é de que, até agora, o Brasil se comprometeu com outros países a ajudar no enfrentamento das mudanças climáticas e metas previstas no Acordo de Paris, mas sem impor condicionantes claras e financeiras para atingir esses compromissos. O espírito da conversa, como definiu uma fonte do alto escalão do governo, foi o do “a gente faz, mas vocês vão ter de pagar”.
O Estadão apurou que, durante pouco mais de 40 minutos de reunião, Kerry ouviu as falas dos ministros brasileiros sem discordância e reconheceu que deve ser criado um novo acordo financeiro que apoie ações locais de combate ao desmatamento e às queimadas. Mas não foi dito como esses recursos poderiam ser repassados ao Brasil, nem quais seriam o porte e prazos deste aporte.
Os americanos se comprometeram a enviar ao Brasil uma minuta de agenda ambiental que pautará reuniões semanais daqui para frente. Kerry disse, na conversa, reconhecer “a legitimidade e a soberania do Brasil para cuidar de seus temas” e que a gestão Biden não tem “nenhuma resistência em trabalhar com o governo brasileiro”.
A abertura efetiva do mercado de créditos de carbono do Brasil – pelo qual países ou empresas que mais poluem podem financiar a proteção de florestas nacionais, como forma de compensar suas emissões de gases – foi defendida como uma das principais medidas para fazer com que os recursos entrem no Brasil.
Durante sua campanha eleitoral, Biden chegou a falar que poderia impor sanções econômicas ao Brasil, caso não houvesse ações para conter a alta no desmatamento. O presidente americano afirmou ainda que poderia fazer oferta de U$ 20 bilhões (mais de R$ 100 bilhões) para ações na Amazônia e prometeu “reunir o mundo” para cobrar ações e participar da iniciativa, numa abordagem multilateral. Na ocasião, Bolsonaro reagiu mal, disse que a fala foi “lamentável” e que a soberania brasileira era “inegociável”.
Na quinta, Kerry foi ao Twitter para dizer que “enfrentar a crise climática requer grandes impactos que só podem ser alcançados com parcerias globais”. “Boa conversa ontem (anteontem) sobre cooperação climática, a liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável, com Ernesto Araújo, Ricardo Salles e Nestor Forster (embaixador brasileiro nos EUA).”
Críticas
No fim de 2020, Ricardo Salles, foi alvo de críticas de empresas e organizações ligadas à área do meio ambiente, ao anunciar novas metas climáticas do País. O governo reafirmou, na ocasião, a meta de redução de 43% nas emissões até 2030, com base no que era emitido no País em 2005. Este compromisso tinha sido feito pela gestão Dilma Rousseff em 2015, no âmbito do Acordo de Paris. Os Estados Unidos voltam nesta sexta-feira, 19, a volta ao pacto climático, revertendo a decisão da gestão Donald Trump.
O Brasil também sinalizou que poderia ter zero emissões de gases de efeito estufa até 2060, como contribuição ao esforço mundial para o combate às mudanças climáticas, quando muitos países estabeleceram essa meta para 2050. Havia expectativa de metas mais ambiciosas. A avaliação foi de que a postura brasileira “põe em risco os esforços globais para manter o aumento de temperatura média do planeta em, no máximo, 1,5° C até o fim desse século”, como prevê o acordo.
Governo travou Fundo Amazônia
A preocupação do governo brasileiro com a entrada de recursos estrangeiros para financiar a proteção do meio ambiente não encontra respaldo quando observada a situação do Fundo Amazônia, maior programa ambiental do Brasil, que era mantido pela Noruega e Alemanha. Até o fim do ano passado, o fundo tinha uma lista de 40 projetos com processos de análise congelados, somando R$ 1,409 bilhão em recursos.
Nos dois últimos anos, o governo também cortou drasticamente os recursos que destina ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) para ações contra desmate e queimadas. No Ibama, o orçamento usado na “prevenção e controle de incêndios florestais” foi de R$ 49,9 milhões em 2019. Para 2021, o valor previsto é de apenas R$29,7 milhões.
Nas ações de controle e fiscalização ambiental em geral, o Ibama contou com R$ 111,8 milhões em 2019. Para este ano, solicitou R$ 83 milhões. Já o ICMBio, que dois anos atrás teve R$ 180,3 milhões para a fiscalização e gestão das unidades de conservação federais, conta com, no máximo, R$ 96 milhões em 2021.
No último balanço anual, o desmate na Amazônia teve alta de 9,5%. De agosto de 2019 a julho de 2020, a devastação alcançou 11.088 km².
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