Os mistérios que envolvem o grande buraco azul de Belize sempre atraiu o interesse de mergulhadores e também cientistas que estudam os oceanos. O Great Blue Hole, como é conhecido em inglês, é uma caverna que se formou há centenas de milhares de anos, quando o nível do mar era mais baixo do que agora. À medida que o oceano subiu, ela ficou submersa, mas preservou as estalactites (formações rochosas sedimentares que se formam no teto de cavernas), rodeadas posteriormente por animais marinhos.
É um fenômeno não visto em outro lugar na natureza que se tornou uma das áreas mais deslumbrantes. Está no Atol de Recifes Lighthouse, a 80 quilômetros da costa de Belize. O país, que fazia parte da civilização maia, fica na costa nordeste da América Central. É bem pequeno, possui o tamanho do Sergipe e tem 290 quilômetros de litoral e faz fronteira com México, Guatemala e Honduras.
O Great Blue Hole pode não ser o único buraco azul no mundo, mas é o único que pode ser visto do espaço, conforme imagem capturada pela Agência Aeroespacial dos Estados Unidos (Nasa) em 24 março de 2009. “O grande buraco azul aparece no centro da imagem, rodeado por um anel de cor mais clara causado por corais elevados”, disse na época a Nasa.
O enorme círculo azul escuro no meio do mar turquesa do Caribe tem 300 metros de diâmetro e 125 metros de profundidade. Além do formato incomum e da água cristalina, o ambiente repleto de vida marinha atrai turistas do mundo todo. Os atóis de coral geralmente brilham em tons vibrantes de turquesa, azul-petróleo, azul-pavão ou água-marinha. Este local incomum em Belize é considerado patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Desvendando o buraco azul de Belize
Em novembro de 2018, a Aquatica Submarines enviou um submarino com três pesquisadores a bordo para explorar o buraco azul de Belize por três semanas. “Viajamos para explorar e documentar um fenômeno geológico em apoio à ciência da conservação. Mapeamos o grande buraco azul usando um sonar de alta resolução”, afirmou, na época, Erika Bergman, oceanógrafa e piloto-chefe do submarino.
Durante a missão, a equipe se concentrou em pontos específicos como as cavernas de estalactites. Segundo ela, os trechos verticais retos da parede estão livres de erosão porque o nível do mar subiu rapidamente durante algumas poucas décadas entre as etapas. “Preservado da perturbação do tempo e isolado na escuridão, o buraco contém pistas de uma parte muito natural do ciclo de vida do nosso planeta. São esses terraços e estalactites que nos propusemos a mapear”, disse a oceanógrafa.
A expedição também contou com a participação de Mark Atherton, especialista em sonar da Kongsberg Mesotech. Com um equipamento que funciona a partir da emissão de ondas sonoras e é utilizado para localizar objetos no fundo dos oceanos, foi possível criar um mapa em 3D.
“Implantamos um sonar de eixo duplo em nosso navio. Esta unidade foi usada para digitalizar todo o furo em alta resolução a partir da superfície. Também montamos um sonar multifeixe diretamente na frente do submarino e o usamos para navegação”, explicou Erika.
Desta forma, foi possível criar uma imagem de sonar tridimensional de alta resolução do interior do grande buraco azul. “Alguns dos alvos que estávamos particularmente interessados em estudar em detalhes eram as cavernas de estalactites que estavam aproximadamente a 50 metros profundidade. Essas enormes estalactites agora estão totalmente incrustadas”, disse a piloto-chefe do submarino.
“Como pilotos, navegamos por visão e sonar porque a visibilidade geralmente é limitada ao alcance máximo de nossas luzes combinadas com a turbidez da água (escuridão), em qualquer lugar entre zero e 24 metros de profundidade, por exemplo. Criamos mapas mentais dos lugares onde estivemos e usamos a estimativa para realizar a expedição”, acrescentou ela.
A uma profundidade de 88 metros, a expedição observou uma camada de carbonato de cálcio, onde um grande recife de coral crescia no que eram então as águas rasas do Caribe. A 124 metros de profundidade, a expedição encontrou indícios de pequenas formações de estalactites ou estalagmites, que foram cobertos por areia.
Além do mapa do sonar, foi implantado um instrumento para medir condutividade, temperatura e profundidade no mar, bem como o oxigênio dissolvido. “Os dados coletados mostram que abaixo da camada de sulfeto de hidrogênio (H2S) a 91 metros de profundidade, o fundo é completamente anóxico - não há uma gota de oxigênio lá embaixo.
Isso também é evidenciado pelo ‘cemitério de caramujos’, um trecho do buraco azul onde observamos centenas de caramujos mortos que, provavelmente, caíram no buraco e não conseguiram escapar das paredes íngremes ou sobreviver por muito tempo sem oxigênio”, disse a oceanógrafa. O sulfeto de hidrogênio é um gás incolor e de mau cheiro. É tóxico, inflamável e altamente corrosivo.
“As bactérias redutoras de enxofre e sulfato que vivem em ambientes anóxicos, como este sumidouro oceânico, usam sulfatos para oxidar a matéria orgânica. O sulfeto de hidrogênio é um produto residual desse processo bioquímico natural. Outro possível contribuinte para a espessura e densidade da camada de H2S pode ser a prevalência da alga sargassum. Esta alga marrom contém alta concentração de compostos sulfúricos e foi prolífera em todo o Caribe em 2016 e em 2018″, disse Erika.
A oceanógrafa falou ainda da experiência de mergulhar com Rachel Graham, fundadora da MarAlliance. “Ela me contou sobre um projeto de rastreamento de tubarões no qual eles descobriram que tubarões-martelo visitam regularmente o buraco azul, junto com tubarões de recife. E eles nunca nadam na camada H2S, eles sempre ficam um pouco acima dela”, disse ela.
Do ponto de vista mecânico, a equipe também aprendeu sobre a proteção dos equipamentos utilizados na expedição. “Aprendemos que até 0,5% de sulfeto de hidrogênio em solução é aceitável quando entra em contato com superfícies de aço carbono. Mas 1,5% ou mais é prejudicialmente corrosivo”, afirmou.
Ainda há muito a ser desvendado e reforçado sobre os desafios e a importância da conservação ambiental, mas segundo a oceanógrafa, cada momento tem sua importância. “Nossas experiências neste lugar tornam a exploração muito valiosa”, concluiu a especialista.
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