BRASÍLIA – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 9, o projeto de lei que flexibiliza a entrada de novos agrotóxicos no País. Após forte resistência da oposição, o texto base foi submetido à votação pelo plenário da Casa e acabou aprovado por 301 votos a favor e 150 votos contrários à proposta. Agora, o texto de relatoria do deputado federal Luiz Nishimori (PL-PR) segue para discussão e votação no Senado.
Desde o ano passado, a oposição tentou impedir o avanço do PL 6299/02, cunhado pelos ambientalistas como o “PL do Veneno”. A forma de definir os agrotóxicos, inclusive, foi uma das preocupações da bancada ruralista, que determina que, oficialmente, esses produtos químicos não sejam mais chamados de agrotóxicos, mas sim de “pesticidas”.
Durante as discussões que antecederam a votação, o próprio relator Nishimori chegou a afirmar que ele mesmo gostaria que o País só consumisse alimentos orgânicos, mas que o mercado para isso ainda era muito pequeno. “Se fosse só alimento orgânico, seria melhor, mas ele é só 1% do mercado”, disse, durante a sua exposição e defesa de sua proposta.
Ambientalistas são taxativos em demonstrar, tecnicamente, que as novas regras enfraquecem a atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e autorização dessas substâncias. Pelo texto, essa missão passa a ficar concentrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
“É gravíssimo que a Câmara tenha aprovado um projeto de lei que permitirá que se coloque mais veneno no prato dos brasileiros. Se virar lei, iremos à Justiça para proteger a vida dos brasileiros e evitar que milhares e milhares de brasileiros venham a morrer de câncer”, disse ao Estadão o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).
Em 2018, o Ibama e a Anvisa apontaram que a proposta aprovada é inconstitucional e possui falhas que prejudicariam a fiscalização dos produtos, colocando em risco a saúde da população. O Ministério da Agricultura e a Frente Parlamentar da Agricultura, no entanto, afirmam que o tema é tratado com "preconceito e ideologia" e que precisa ser modernizado. O mesmo argumento foi sustentado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que defendeu a legalidade do projeto de lei.
A Frente Parlamentar Agropecuária comemorou a votação e declarou que o projeto traz “o aperfeiçoamento e a modernização do que se tem hoje, além de igualar o Brasil às maiores potências agropecuárias do mundo, com mais rigor científico e desburocratização dos trâmites”.
Numa comparação do veneno com as vacinas contra a covid-19, a FPA declarou que “vacinas salvam vidas, pesticidas salvam as lavouras”. Segundo a frente da bancada ruralista, “os pesticidas são vacinas para as plantas e a salvaguarda nos plantios”, além de “garantia de remédios de qualidade e eficiência para as produções e a certeza de alimentos ainda mais seguros”.
Kenzo Jucá, assessor legislativo do Instituto Socioambiental (ISA), classifica a aprovação como “uma catástrofe” à sociedade e ao meio ambiente. "As consequências negativas são diversas, desde as mais visíveis, como aquelas relacionadas ao aumento do número de pacientes com câncer, consequência direta do consumo de substâncias tóxicas que seriam comercializadas sem a devida regulação sanitária e ambiental”, afirmou.
Na avaliação de Jucá, a entrada de mais agrotóxicos no País reduz a possibilidade de coexistência de qualquer outro modelo agrícola e agrário no Brasil. “Esse projeto consolida um modelo toxico, rejeitado pelo mundo, que não produz alimentos saudáveis para quem pode comer e amplia a insegurança alimentar, aumentando a fome da população.”
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, alertou que o projeto, além de reduzir o poder de Ibama e Anvisa, viabiliza o registro de agrotóxicos comprovadamente nocivos e cancerígenos. “Não há nada na Lei do Veneno que assegure a aprovação de agrotóxicos efetivamente seguros para o meio ambiente e a saúde da população. Facilitar o registro de agrotóxicos no País está longe de ser caminho para uma agricultura ambientalmente responsável. A narrativa da modernização é falsa”, comenta Araújo.
A avaliação da especialista é a de que, no atual momento, o Congresso liderar o debate pela redução da dependência dos agrotóxicos. “Há proposta legislativa nessa perspectiva pronta para a pauta na Câmara, o PL 6670/2016, que o governo e a Presidência da Câmara não têm qualquer interesse em colocar para deliberação. Esperamos que o Senado mostre respeito à vida e descarte a Lei do Veneno.”
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