BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 3, um projeto de lei que amplia a possibilidade de regularização fundiária de terras da União por autodeclaração, ou seja, sem vistoria presencial do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O texto segue agora para o Senado.
Para críticos, a proposta - uma das prioridades do governo - abre caminho à regularização de áreas da União ocupadas ilegalmente por grileiros e desmatadores, permitindo dar a criminosos ambientais o título das propriedades. Por isso, o projeto foi apelidado de "PL da Grilagem". Já para os defensores, o projeto dá oportunidade para pequenos e médios produtores regularizarem suas terras e gerarem renda com o aumento da produção. Para esses, a proposta é chamada de PL da Regularização.
O presidente Jair Bolsonaro já havia editado uma medida provisória sobre o assunto em dezembro de 2019. Com validade de 120 dias, a matéria precisaria ser votada até 19 de maio de 2020 no Congresso, o que não foi feito. O projeto então substituiu seu conteúdo.
"(Foi o) Texto possível. Nem ideal para um lado nem para um outro. Afasta as versões que habitavam em torno do assunto, de chamar esse projeto de projeto da grilagem. É respeito ao produtor, à sua terra, com títulos para que ele possa ter acesso a empréstimos, à formulação da vida da sua família", disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), após concluída a votação.
A proposta é de autoria do deputado Zé Silva (SD-MG), ligado à bancada ruralista na Câmara. O texto estabelece a ampliação de quatro para seis módulos fiscais no tamanho de imóveis que podem ser regularizados por meio de autodeclaração. O módulo fiscal é uma unidade em hectare definida pelo Incra para cada município do país, que varia de 5 a 110 hectares. A MP anterior permitia regularização de terras ocupadas até maio de 2014 e com área de até 15 módulos fiscais.
A regularização de terras por meio de autodeclaração é baseada em informações fornecidas pelos próprios ocupantes do imóvel rural, sem a necessidade de uma inspeção de campo ou vistoria de autoridades no local.
Esse processo de declaração existe desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sem a vistoria presencial para propriedades maiores, bastará a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.
Ambientalistas afirmam que o projeto pode, em um segundo momento, revisar o marco temporal de 2008 e aumentar o tamanho das terras ocupadas passíveis de regularização.
Com títulos das terras, agricultores teriam segurança jurídica e poderiam ter acesso a crédito, bem como comercializar produtos com notas fiscais. Os apoiadores da proposta também argumentam que a matéria vai combater o desmatamento porque dará um "CPF" à propriedade e permitirá a fiscalização.
"Dizem que o projeto defende a grilagem. Na verdade, vem combater. São agricultores que vivem o sonho da terra própria, mas não conseguem vender com nota fiscal sua própria produção quando conseguem produzir. Qualquer dono de imóvel que não tem o documento é invisível para o estado brasileiro", disse o autor da proposta, Zé Silva (PSD-MG).
"Com a medida, daremos condições ao Incra de atender com maior celeridade esse grupo, que, segundo números oficiais do governo, engloba cerca de 92% dos agricultores, que ocupam, aproximadamente, 47% da área a ser regularizada", diz o relatório do deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM).
"Necessário destacar que não há qualquer estímulo à grilagem. Pelo contrário: a proposição contribui para que eliminemos de vez a ocupação ilícita de terras públicas. Por isso mantivemos o marco temporal da ocupação em 22 de julho de 2008, indicando que toda a ocupação posterior não será regularizada", disse Bosco Saraiva, no relatório.
O relator negou ainda que os povos tradicionais sejam prejudicados pelo texto. Segundo o parecer, a titulação em áreas indígenas e quilombolas ou de ribeirinhos será proibida. Não haverá restrição, no entanto, para a titulação de terras ocupadas por povos tradicionais e ainda em fase de demarcação.
Já a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) criticou o texto. “Existe uma demanda ainda em relação à demarcação de terras indígenas. Há terras indígenas que constantemente são invadidas, áreas de proteção ambiental que estão em risco. Na Amazônia, nós estamos vendo um cenário cada vez mais conflituoso em meios rurais”, disse.
Projeto não é vitória da proteção ambiental, mas é a proposta menos danosa do governo, analisa professor
Para Raoni Rajão, professor de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a aprovação do projeto não representa uma vitória da proteção ambiental como sustentam seus defensores. No entanto, para ele, a proposta é a menos danosa entre as gestadas pelo governo para ampliar concessões e anistias a grileiros.
"Mantendo os seis módulos e o marco temporal, e isso sendo mantido pelo Senado, dos males, o menor. Mas é assim que deveriam debater? Não. Tinham que entender o problema como um todo, discutir aumentar a pena para invasão de terras públicas de maneira ilegal, o que hoje é crime de baixo potencial ofensivo", disse.
Rajão participou de debates na Câmara em que representantes de agropecuaristas expressavam interesse em abranger no projeto médios e grandes produtores. "Na perspectiva inicial da proposta, eles queriam beneficiar médios e grandes. O fato de eles não terem conseguido a intenção inicial já é algo positivo. Temos que tomar certo cuidado para não sermos generalistas e binários para não desanimar pessoas que não têm perspectiva necessariamente ambientalista, mas que querem uma proposta razoável".
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