Carta do G-20 vai destravar negociação climática na COP de Baku?

Grupo de maiores economias envia sinais importantes, mas aplicação prática é desafio, dizem especialistas; cúpula do Azerbaijão tem como foco discutir o financiamento climático

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Foto do author Priscila Mengue

ENVIADA ESPECIAL A BAKU - Era madrugada no Azerbaijão quando os líderes do G-20 divulgaram a declaração final da cúpula realizada no Rio de Janeiro. Com as sete horas de diferença do horário de Brasília em relação à sede da Cúpula do Clima das Nações Unidas deste ano (a COP-29), o documento começou a reverberar na manhã desta terça-feira, 19, com recepção mista. Parte viu aspectos positivos e outros avaliaram que o texto ficou aquém do esperado.

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O encontro do G-20 tinha grande expectativa diante da ausência dos maiores líderes mundiais na conferência climática de Baku. Publicamente, a ONU e o negociador-chefe da COP-29, Yalchin Rafiyev, elogiaram as sinalizações feitas pelos líderes mundiais.

“Os líderes do G-20 enviaram uma mensagem clara para seus negociadores na COP-29: não deixem Baku sem uma meta de financiamento bem-sucedida. Isso é um interesse claro de todos os países”, afirmou. Na avaliação dele, os países se comprometeram a impulsionar reformas financeiras para alcançar uma ação climática forte e ao alcance de todas as nações.

A definição de valores e responsáveis pelo financiamento estão entre os aspectos que têm travado a negociação. A discussão envolve repassar recursos de países ricos para nações em desenvolvimento.

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“É um sinal essencial em um mundo atormentado por crises de dívida e impactos climáticos crescentes, destruindo vidas, cadeias de suprimentos e alimentando a inflação em todas as economias”, apontou o chefe da ONU.

Líderes do G-20 se reuniram no Rio Foto: Eraldo Peres/AP

Além disso, defendeu que a mensagem dos líderes é de que a cooperação global é “totalmente essencial”. “A COP-29 deve mostrar como isso é feito, com uma nova meta de financiamento ambiciosa como o pilar central de um pacote equilibrado. Novos planos climáticos nacionais mais fortes também são essenciais, como os líderes do G-20 observam, para avançar muito mais rápido para uma economia global de energia limpa e resiliente ao clima”, continuou.

Por fim, disse esperar que esses sinais acelerem as negociações na cúpula climática da ONU. Na segunda-feira, 18, Brasil e Reino Unido foram chamados a colaborar na mediação entre as nações em desenvolvimento e desenvolvidas para a obtenção de um consenso até o fim da semana.

A Cúpula do Clima foi iniciada com desconfiança, em parte por ser sediada no “berço” da indústria do petróleo no mundo.

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Nos bastidores, já se fala que o fim do evento pode ser postergado em um ou mais dias, o que não é incomum nas cúpulas. Oficialmente, a COP-29 vai de 11 a 22 de novembro.

“Agora, precisamos traduzir essa intenção política em trabalho prático”, completou o negociador-chefe da COP

Segundo Rafiyev, um rascunho sobre o financiamento — Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático (NCQG na sigla em inglês) — será veiculado até a noite de quarta-feira, 20.

Protesto durante a COP-29, em Baku, no Azerbaijão Foto: Peter Dejong/AP

O que dizem especialistas e ambientalistas?

Um ponto destacado por especialistas foi de que o G-20 tem importante papel político e de influência, mas que as negociações climáticas dependem do sucesso da COP.

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Diretora-executiva da plataforma Cipó, Maiara Folly avalia que o resultado da agenda ambiental foi positivo para apenas um ano de discussões. Destaca pontos sobre transição energética, mecanismos de proteção social, recomendações para reduzir a burocracia e reafirmar a necessidade de fundos mais acessíveis.

Em contrapartida, vê poucos avanços e mais “reiterações de velhos compromissos”. Reconhece, contudo, que a declaração é importante ao reafirmar compromissos com a cooperação internacional em um momento de polarização internacional.

Entre os exemplos mais evidentes, está a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e recentes decisões divergentes e controversas do governo argentino, de Javier Milei, que mandou a sua delegação abandonasse a COP. “Não está regredindo. Os compromissos com eficiência energética continuam. Considerando que foi em um ano, é um sucesso, com sinais claros acordados para a COP, mas está abaixo das expectativas.”

Líder de Política Global da Climate Action Network International (CAN), Shreeshan Venkatesh avalia que o documento dá sinais, mas não direciona para ações práticas em pontos importantes. Isso incluiria compromissos mais claros para o afastamento do uso de combustíveis fósseis, como acordado na COP de Dubai, no ano passado.

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Também cobrou mensagem mais clara sobre a quantia de dinheiro a ser tratada no financiamento climático. Por outro lado, vê que o compromisso em relação à taxação de super ricos foi importante neste momento. “Será um recurso valioso para trazer para o clima”, disse.

Já o consultor sênior em políticas de mudança climática, Enrique Maurtua Konstantinidis destacou que o papel do G-20 é ser um “megafone político” para um grupo de países muito significativos para a ação climática (mais ricos e maiores emissores históricos). Embora veja pontos positivos, avalia, porém, que o documento “não tem o detalhamento que se gostaria”.

Em comunicado, o Greenpeace Brasil destacou que foi importante a reafirmação do compromisso do combate à fome e às crises do clima e da biodiversidade em um “cenário global ameaçado por discursos anti-ambientalistas e pouco comprometidos com os direitos humanos e a democracia”. A organização avaliou que o documento manda sinal positivo para a COP, mas que deveria ter sido mais enfático em relação ao fim da exploração dos combustíveis fósseis.

Já a organização internacional 350.org divulgou posicionamento em que aponta que o documento “não apela especificamente ao financiamento público, baseado em subsídios, que é exigência integral dos países em desenvolvimento nas negociações em curso”. Igualmente destacou que o texto não menciona especificamente a necessidade urgente de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.

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Protesto às vésperas da reunião do G-20, no Rio Foto: Bruna Prado/AP

Quais trechos da declaração abordam a crise climática?

O clima é um ponto central do documento. Logo no primeiro parágrafo, os líderes defenderam crescimento “forte, sustentável, equilibrado e inclusivo”. “Reunimo-nos no berço da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para reafirmar nosso compromisso com a construção de um mundo justo e de um planeta sustentável, sem deixar ninguém para trás”, completaram.

Ao todo, são 85 parágrafos. Na parte sobre clima, as lideranças reafirmam “forte compromisso com o multilateralismo, especialmente à luz dos progressos feitos sob a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima; responsável pela COP) e o Acordo de Paris”. “Reiteramos nossa determinação de permanecer unidos na busca de esforços para alcançar o objetivo e as metas de longo prazo do Acordo”, completaram.

Também reafirmaram a urgência e gravidade das mudanças climáticas. “Reafirmamos a meta de temperatura do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura média global a bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e de perseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e impactos das mudanças climáticas”, acrescentaram

Os líderes ainda reiteraram o compromisso em intensificar medidas para se chegar às emissões líquidas zero de gases do efeito estufa até por volta da metade deste século. “Apoiamo-nos na implementação de esforços para triplicar a capacidade de energia renovável globalmente e dobrar a taxa anual média global de melhorias de eficiência energética até 2030 por meio de metas e políticas existentes, e da mesma forma, apoiar a implementação de outras tecnologias de emissões zero e baixas, incluindo tecnologias de mitigação e remoção, de acordo com as circunstâncias nacionais até 2030″, dizem em outro parágrafo.

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Na sequência, reafirmam a necessidade de apoio para a redução das emissões nos países em desenvolvimento. “Trabalharemos para facilitar o financiamento de baixo custo para eles”, apontaram.

Em uma das referências mais explícitas à COP-29 dizem aguardar “resultado bem-sucedido do Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG) em Baku”. “Comprometemo-nos a apoiar a presidência da COP-29 e a trabalhar para negociações bem-sucedidas em Baku. Também nos comprometemos a apoiar a presidência da COP-30, em 2025″, completaram, em referência à cúpula a ser realizada no Brasil, em Belém.

Também apontaram que irão se comprometer em acelerar “as transições energéticas limpas, sustentáveis, justas, acessíveis e inclusivas”. Assim como ressaltar a importância de que não se deixe “ninguém para trás, especialmente os pobres e demais vulneráveis, levando em consideração as diferentes circunstâncias nacionais”.

Além disso, há referência direta ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre, idealizado pelo Brasil e cuja implementação deve ser lançada na COP-30. “Reconhecemos a instalação como ferramenta inovadora para a conservação das florestas”, avaliaram.

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* A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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