Análise | China tem política climática consistente? Quem resolve o vácuo de liderança na COP-30?

Gigante asiático tem demonstrado comportamento ambivalente em relação ao combate ao aquecimento global: segue aumentando emissões, mas virou potência na área da energia renovável e na produção de veículos elétricos

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Por Eduardo Viola
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O regime climático, iniciado na Rio 92, tem tido sucesso parcial. Por um lado, criou e aperfeiçoou um sistema de normas internacionais para mitigar a mudança climática e promoveu o estabelecimento de políticas climáticas nacionais. Por outro lado, as emissões de carbono continuaram crescendo a um ritmo de aproximadamente 2% ao ano.

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O Acordo de Paris e o Fórum de Davos estimularam a internalização da descarbonização em parte das corporações globais ocidentais e consolidaram o conceito de transição energética. Contudo, a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, aprofundou o conflito no sistema internacional, definindo o término do período da pós-Guerra Fria e iniciando a segunda Guerra Fria, caraterizada pelo confronto entre os Estados Unidos e a China, com impacto negativo no regime climático.

Tanto que, depois do sucesso da COP-26, em 2021 (em Glasgow), as COPs 27, 28 e 29 praticamente não conseguiram avançar. A transição energética passou a estar subordinada à segurança energética e à segurança nacional na quase totalidade dos países.

Presidente chinês Xi Jinping discursa durante evento realizado em Pequim antes da chegada do Ano Novo Lunar, na última segunda-feira, 27. Foto: Li Xueren/AP

A COP-30 (em Belém) será realizada num contexto global muito desfavorável, de fortes contradições entre os países, de intenso ressentimento dos países mais pobres contra os desenvolvidos e de um vácuo de liderança global efetiva.

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Para ser líder no regime climático, é necessário ter quatro condições: deter proporção importante da economia mundial, proporção importante das emissões globais, capacidades tecnológicas de baixo carbono e políticas climáticas consistentes.

A União Europeia vinha sendo a líder do regime climático desde a Rio 1992 até Glasgow 2021, porque reunia exatamente esses quatro requisitos, incluindo sua redução contínua de emissões desde 2006. Contudo, perdeu a capacidade de liderar devido ao seu declínio econômico, aos problemas de segurança derivados da invasão russa à Ucrânia, ao custo da energia e ao avanço de forças de extrema direita.

Os EUA tiveram posição errática no regime climático e apenas tiveram sua primeira política climática no governo Biden. O governo Trump terá um profundo impacto negativo na política climática americana: uma aceleração da produção de combustíveis fósseis, que já vinha crescendo significativamente no governo Biden, e um abandono da política energética do governo Biden de promoção de energias renováveis e de veículos elétricos. A retirada do Acordo de Paris provavelmente terá um forte impacto negativo sobre as negociações internacionais. Além do exemplo negativo de aumento deliberado das emissões, que promove a diminuição da ambição das metas de redução de muitos países, representa a retirada da principal economia do mundo do grupo de financiadores.

A China gerou 55% das emissões globais no período 2000-2020. Contudo continua considerando-se um país em desenvolvimento do Sul Global, o que não corresponde à sua situação atual de superpotência. Isso cria uma profunda distorção nas negociações internacionais. Nos últimos anos, a China tem tido um comportamento ambivalente. Por um lado, continua aumentando suas emissões, derivadas particularmente do uso do carvão na sua matriz elétrica; por outro lado, transformou-se numa potência de energia renovável e nuclear e de veículos elétricos de excelente qualidade.

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A China reúne claramente os primeiros três requisitos, mas não tem uma política climática consistente e não se considera com obrigações de contribuir com o financiamento climático. Contudo, o discurso de Europa e da China continuará sendo a favor da governança climática global, mas com grande defasagem entre discurso e implementação.

Entre os outros países significantes, a Rússia foi sempre a maior predadora do clima, enquanto Índia, Japão, Brasil e Indonésia não reúnem os referidos requisitos para a liderança. O Brasil, especificamente, tem também uma posição ambivalente: implementa uma política consistente de redução do desmatamento, mas acelera o aumento da produção e exportação de petróleo.

A política climática internacional provavelmente sofrerá um período de estagnação e de certo retrocesso com o governo Trump. A transição energética continuará no mundo, mas mais lenta do que seria num governo Harris.

O financiamento climático global, além da ausência dos EUA, sofrerá mais impactos negativos, a partir do aumento dos gastos militares em todo o mundo e da baixa disposição da União Europeia, do Japão, do Canadá e da Australia de aumentarem o financiamento dos países de renda baixa e média baixa.

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O mundo vem entrando numa fase de crescente nacionalismo e baixa cooperação internacional, reforçada agora pelo governo Trump. Como os extremos climáticos têm aumentado visivelmente, os países de renda alta e média alta tenderão a orientar-se para um nacionalismo climático, priorizando a adaptação sobre a mitigação e os países de renda média baixa e baixa ficarão em situação cada vez mais vulnerável. Tragicamente, o vácuo de liderança pode estender-se por alguns anos ainda.

Análise por Eduardo Viola

Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem vasta pesquisa sobre Governança Global, Política Ambiental e Climática e Economia Política Internacional da Mudança Climática.

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