Por causa do avanço de uma frente fria, o Estado de São Paulo pode registrar neste final de semana o fenômeno da “chuva preta”, conforme previsão da empresa MetSul Meteorologia. O evento se caracteriza pela queda de uma água que escurece pelo contato com o material particulado em suspensão na atmosfera e originário de incêndios. Regiões de Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina também podem ser atingidas pelo fenômeno, que já foi visto em cidades do Rio Grande do Sul e em países como Argentina, Paraguai e Uruguai.
Especialistas ouvidos pelo Estadão recomendam que, tanto pessoas como animais, não tenham contato e, muito menos, façam a ingestão dessa água ou uso para outras finalidades. Além disso, a chuva pode causar uma sensação de alívio por trazer mais umidade, mas, por outro lado, também acaba por espalhar micropartículas prejudiciais à saúde em rios, lagos, plantações e em alimentos consumidos por famílias e seres domésticos.
“O material particulado pode alterar a nucleação, que é um fenômeno necessário para a formação de chuvas. Mas, a atmosfera é complexa, e pode trazer uma frente fria que trará umidade. É o que vai acontecer em São Paulo. Ao trazer essa umidade, como existe o material particulado das queimadas e gases na atmosfera, a chuva que se forma é tóxica”, explica o médico pneumologista Paulo Côrrea, coordenador da comissão de tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Ele alerta que as pessoas não tenham o contato com esse tipo de conteúdo porque, da mesma forma que o ar poluído pelo mesmo material não deve ser inalado, a água da “chuva preta” também pode trazer problemas sérios para a saúde das pessoas.
“Muitas lugares usam água de chuva para dar aos animais, irrigar vegetação, plantação, mas ela é imprópria. Não se pode dar essa água para o seu animal de estimação e não pode fazer a agricultura com ela. A rigor, os agricultores devem proteger as plantações porque esse material particulado e gases entranham e contaminam os alimentos que estão na terra”, informa o médico, que também é professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Côrrea explica que os dois órgãos que mais têm contato com esse material tóxico são a pele e os pulmões. “Com a pele, (se tiver o contato) não é tão problemático. Mas, existem quadros de dermatite e conjuntivite que podem surgir no contato com esse material particulado. Então, é necessária uma hidratação geral, no nariz, com soro fisiológico ou colírio para os olhos”, orienta.
“O problema para o pulmão é que essas partículas são muito pequenas, invisíveis. Para ver o ar sujo, imagina a quantidade dessas partículas juntas. Então, quando entra no nosso corpo, esse material vai para a intimidade do nosso pulmão e depois cai na nossa corrente sanguínea.”
Leia também
O médico pneumologista explica que, por conta das queimadas, acontece um aumento na procura de pacientes em hospitais por demandas não apenas de doenças respiratórias, como exacerbação de asma, mas também de doenças cardiovasculares, como angina, infarto e também derrames.
Água da ‘chuva preta’
A água da “chuva preta” não deve atingir as casas pelos encanamentos e tubulações. O químico Robson Petroni, especialista em Qualidade do Ar Interno e coordenador da Conforlab Engenharia Ambiental, explica que o sistema de tratamento convencional da água envolve processos - como decantação, floculação, sedimentação e filtragem em caixa de areia - em várias etapas, que eliminam as impurezas e objetos sólidos vindos da captação.
“Então, independente se as partículas caírem nos reservatórios ou não, o sistema de tratamento convencional está bem preparado para que esse problema não afete o abastecimento de água”, afirma Petroni.
Chuva preta também pode prejudicar a saúde de animais
A chuva preta também pode prejudicar a saúde de animais, alerta o médico-veterinário Bruno Divino, presidente da Comissão Nacional de Estabelecimentos e Práticas Clínicas Veterinárias do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
Leia também
Ele explica que o primeiro risco é a capacidade dessa chuva, “uma fumaça líquida” - como descreve - se tornar ácida. Se ingerida pelos animais, pode provocar um quadro de irritação na boca, e em partes internas do organismo, como o esôfago.
O consumo desse material a curto prazo pode também levar cães e gatos de estimação a sentirem náuseas, vômitos, diarreia e perda de apetite. “A longo prazo, se o animal ingerir essa água contaminada por muito tempo, pode desenvolver até alguns tipos de câncer”, diz o médico veterinário.
“Vale para qualquer espécie - gatos, cães, bovinos -, os animais têm que beber a mesma água que a gente consome: limpa, tratada, e, no melhor cenário, filtrada. Garantido o acesso de uma água que vem do sistema de tratamento, a gente garante a saúde desse animal”, afirma o especialista.
Se a “chuva preta” entrar em contato com a pele dos pets, os danos dermatológicos não são tão graves como a ingestão do material particulado, diz Bruno Divino. No entanto, o especialista chama a atenção para a possibilidade de cães e gatos se lamberem e acabarem levando o material tóxico para dentro do organismo.
“A pele em si não tem muito risco. Os cães, principalmente, têm uma camada protetora muito boa na pele. Mas, se o animal tiver contato, eles podem, principalmente os de pelo longo, se lamber e desenvolver quadro de vômito, ter perda de apetite”, explica o médico veterinário.
Além disso, ele não descarta a possibilidade de alguns pets mais sensíveis desenvolverem um quadro de alergia em razão do contato com a fuligem. “Se o tutor perceber que o animal está com essa fuligem no corpo, no pelo, deve fazer um banho utilizando shampoo neutro ou específico para animais e deixar secar naturalmente”, diz Divino.
No caso do cão, gato ou outro animal apresentar vermelhidão nos olhos, focinho escorrendo, espirros, tosse contínua e sensação de estar ofegante, os tutores devem levar os pets para um médico veterinário. E, se além disso, apresentarem uma temperatura acima dos 40ºC, a recomendação é dar um banho gelado antes de encaminhar ao especialista.
Veja dicas para cuidar da saúde dos pets em tempos de seca e má qualidade do ar
- Dar água tratada e filtrada aos animais;
- Alimentá-los com ração úmida (patê, no caso de gatos), frutas (melancia, melão), para promover maior hidratação do pet;
- Levar ao veterinário se o animal ingerir o material particulado e apresentar quadro de vômito, diarreia, e inflamações na boca e outras partes do organismo;
- No caso de contato com a pele e pelos, lavar o animais com água tratada, shampoo neutro e secar bem (mudanças bruscas de temperatura podem provocar quadros gripais aos pets);
- No caso de o animal apresentar vermelhidão nos olhos, tosse, sensação de estar ofegante, e coriza no focinho, é necessário levá-lo ao médico veterinário;
- Usar umidificadores e bacias com água para proporcionar maior umidade ao ambiente e, consequentemente, maior conforto ao pet;
- Dar banho gelado se o animal estiver com 40ºC e levá-lo em seguida ao especialista;
- Fazer passeios antes das 9h e depois das 17h para evitar as altas temperaturas; levar água; não andar em solo quente para não machucar os coxins (almofadinhas) dos animais;
- Se o pet “empacar” durante a volta, não force. Isso é um sinal de que ele chegou ao limite. A recomendação, neste, caso é pegá-lo no colo e carregá-lo até em casa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.