As chuvas deste início de maio provocaram as maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul. O grande volume de água que atinge 437 cidades vem deixando bairros inteiros submersos e provocando a evacuação da população de áreas de risco para abrigos públicos.
Mais de 408 mil pessoas estão fora de suas casas - 337.346 estão desalojadas e outras 70.772 mil estão em abrigos públicos; 143 estão desaparecidas e 116 morreram em decorrência da tragédia, já considerada a maior vivida pelo Estado. Ao todo, mais de 1,9 milhão de afetados, segundo o último balanço da Defesa Civil, divulgado nesta sexta-feira, 10. Até o momento, 70.863 e 9.984 animais foram resgatados.
Os números superam os do ano de 1941, quando as cidades gaúchas também foram atingidas por uma cheia histórica.
A Defesa Civil emitiu na noite de quinta-feira, 9, um alerta com a orientação para quem mora em regiões próximas à Lagoa dos Patos, ou em áreas com histórico de alagamentos ou inundações, para que saiam de suas casas com antecedência e busquem um local seguro. No município de Rio Grande, por exemplo, vários bairros estão inundados. As principais ruas do entorno do centro histórico estão bloqueadas.
Mas, por que os temporais da última semana foram tão severos? Por que está tão difícil conter as cheias históricas que se espalham pelo Rio Grande do Sul? E quais medidas estão sendo tomadas pelos governos Estadual e Federal, além do Legislativo, para dar conta de reconstruir o Estado?
Entenda as chuvas que atingem o Sul do País em cinco pontos:
O que explica o alto volume de chuvas no Rio Grande do Sul?
Os fortes temporais que castigam o Rio Grande do Sul desde o início de maio são provocados pela presença de uma massa de ar fria que vem do sul (Argentina) e se estacionou sobre o Estado gaúcho por causa da presença de uma massa de ar seco e quente que se estabeleceu no Centro do Brasil - a mesma que vem provocando as ondas de calor nos Estados do Centro-Oeste e Sudeste do País.
Como esse bloqueio tem impedido a passagem da massa de ar fria, a região que fica abaixo dessa massa acaba sofrendo com a intensa instabilidade e com uma precipitação constante, explicaram os meteorologistas da MetSul.
Por que alagou tanto?
Parte da chuva semi-estacionária aconteceu sobre a Serra e os Campos de Cima da Serra, regiões de nascentes de grandes rios do Estado, como Taquari e Caí, que também registraram cheias históricas.
Conforme o professor Fernando Mainardi Fan, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a capital Porto Alegre também sofreu com as cheias do Guaíba por estar posicionada geograficamente abaixo de outras regiões e rios importante do Estado.
“Então, sempre que dá uma grande chuva na região central ou noroeste do Rio Grande do Sul, essas águas descem em direção ao Guaíba, elevando os níveis”, disse ao Estadão. Neste caso, aconteceram chuvas extremas na região central do Estado, o que fez com que os níveis se elevassem de forma muito acentuada no Guaíba.
Motivos estruturais também explicam as cheias sem precedentes, como o rompimento de barragens, transbordamento de diques de proteção, e a incapacidade de bombas de sucção de realizarem todo o trabalho de escoamento da água. O sistema antienchente da capital gaúcha chegou ao limite, e uma das consequências dessa limitação é o refluxo de água pelos bueiros que também intensificam os alagamentos das vias.
Quais são os locais do Estado mais afetados?
Os locais do Estado mais afetados têm sido o centro-oeste do Rio Grande do Sul, o centro do estado (região de Santa Maria), região dos vales, o norte da Lagoa dos Patos, a Grande Porto Alegre, parte da Serra e o Litoral Norte. O Estado de Santa Catarina também vem sendo atingido pelos temporais.
Habitantes de cidades turísticas, como Canela e Gramado, além de municípios como São Francisco de Paula, Nova Petrópolis, Vale Real e Feliz tiveram que ser evacuados para buscar abrigos públicos longe da área de risco, assim como outras localidades. Cidades gaúchas, como Fontoura Xavier e Soledade, registraram em dois dias volume de chuva três vezes maior do que a média histórica do mês, conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Na região metropolitana, municípios como Eldorado do Sul, Canoas e São Leopoldo estão em grande parte debaixo d’água. O rio Guaíba, em Porto Alegre, ultrapassou os cinco metros, o que nunca tinha acontecido antes. O Centro Histórico da cidade ficou completamente alagado e o aeroporto Salgado Filho, na capital, suspendeu os voos até o fim do mês - imagens internas do local mostraram a parte interna do espaço tomada pelas águas. O Aeroporto de Porto Alegre tem aviso de voos suspensos pelo menos até 30 de maio.
Conforme a Prefeitura de Porto Alegre informou nesta sexta-feira, o nível do Guaíba, às 7h15, estava em 4,75m na régua da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e Agência Nacional de Águas (Ana). Em relação a 24h antes, a queda foi de 28 centímetros.
Em todo o Estado gaúcho, diversas localidades ficaram sem luz e água, além de terem o sistema de serviço de telefonia e internet prejudicado.
Por que o Rio Grande do Sul é mais atingido por esse tipo de evento climático?
O Estado fica em uma região onde acontece o encontro entre sistemas polares e tropicais, isto é, entre o ar quente e o ar frio, que faz do Estado um berço para fenômenos climáticos.
Mas os especialistas alertam também que as particularidades da região são potencializadas por outros dois fatores: o El Niño, fenômeno vigente desde meados de 2023, que contribui para o aumento das temperaturas do planeta; e também as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, e que vem tornando esses eventos mais frequentes com o passar do tempo.
Segundo um levantamento do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o número de dias com extremos de precipitação (acima de 50 milímetros) aumentou em Porto Alegre a cada década desde os anos 1960. Foram 29 dias, entre 1961 e 1970; 44 dias em 2001 e 66 dias entre 2011 e 2020.
O que tem sido feito para a reconstrução do Estado?
O governo do Rio Grande do Sul afirmou que vai destinar R$ 117,7 milhões somente à reconstrução das estradas que foram destruídas pelos temporais que há uma semana atingem o Estado. Atualmente, são 75 trechos em 47 rodovias com bloqueios totais e parciais, entre estradas e pontes.
No sábado passado, 4, o governador Eduardo Leite (PSDB), afirmou que o território gaúcho precisa de “um Plano Marshall” de reconstrução, em alusão à ajuda financeira que a Europa recebeu após a Segunda Guerra Mundial, em ação capitaneada pelos Estados Unidos. O mandatário descreveu ainda o cenário do Estado como “de guerra”, e pediu para que divergências políticas fossem colocadas de lado neste momento em prol do Rio Grande do Sul.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), no Rio Grande do Sul, no fim de semana passado, enviou na segunda um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para dar celeridade às ações do governo federal de assistência ao Estado gaúcho.
Pacheco defendeu a criação de um “orçamento de guerra” e afirmou que é necessário diminuir a burocracia de autorização do uso de dinheiro público para destinar recursos para o Rio Grande do Sul.
O governo federal anunciou na quinta-feira medidas para apoiar a agricultura familiar e médios produtores rurais atingidos pelas fortes chuvas que devastaram várias cidades do Rio Grande do Sul. Ficou determinada a suspensão de pagamento das parcelas a vencer de empréstimos do crédito rural, desconto de juros para empréstimos, e prazos maiores para começar a pagar a captação de recursos, em um montante que poderá chegar a R$ 5 bilhões de socorro para o setor no Estado.
As medidas anunciadas pelo governo Lula para os produtores rurais integram um grande pacote de auxílio para a reconstrução do Estado, que juntas somam R$ 50,9 bilhões. Entre outros, elas incluem antecipação de benefícios tais como o Bolsa Família e auxílio gás./ COLABORARAM PRISCILA MENGUE, JULIANA DOMINGOS LIMA, RENATA OKUMURA e LEONARDO ZVARICK
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.