Fotógrafo subaquático desde 2015 e organizador de mergulhos recreativos (divemaster) desde 2022, Rafael Capuzzi Rosa Ferraz está acostumado a ver tartarugas marinhas, raias, tubarões-martelo e mesmo baleias durante as saídas.
Neste ano, ele uniu o trabalho a um esforço de contribuição à ciência: é um dos mergulhadores que participam do projeto “Viu raia?”, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que busca criar uma base de dados sobre as populações desses animais cartilaginosos no litoral paulista.
“A gente (mergulhadores) tem esse amor pelos animais marinhos, só que eu, por exemplo, não sou biólogo. Quando tem esses projetos que educam, fico muito feliz de estar junto”, afirma Ferraz.
Trata-se de uma iniciativa de ciência cidadã, que prevê a participação da população na coleta de dados para a pesquisa científica de forma a ampliar a atuação popular na construção do conhecimento. “É essencial, porque as pessoas só cuidam daquilo que elas gostam e só gostam daquilo que elas conhecem”, complementa o divemaster.
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Os “cidadãos cientistas” podem atuar de forma voluntária em projetos para documentar registros diversos, de padrões ecológicos de espécies a sinais de mudanças climáticas e disseminação de doenças infecciosas.
No caso do “Viu raia?”, implantado em janeiro, o objetivo é coletar dados de que espécies foram avistadas, em quais épocas do ano e em que condições de visibilidade e temperatura da água. Das cerca de 600 espécies de raias conhecidas, 36% são consideradas ameaçadas de extinção – o que faz com que ganhem espaço na agenda global de conservação marinha.
Segundo o professor Fábio Motta, do Instituto do Mar (IMar) da Unifesp, que coordena o projeto, a participação dos mergulhadores recreativos e operadores de mergulho é fundamental. “Principalmente nos últimos anos, as pessoas mergulham com câmeras digitais e muitas vezes coletam esses registros, que têm um valor imensurável para a ciência”, afirma.
Ele explica ainda que os principais dados sobre as raias no litoral de São Paulo vêm de estatísticas de pesca, discriminados em quilogramas e reunidos em uma mesma categoria – o que tem pouco valor para o planejamento de ações de conservação, por exemplo.
Onde estão as raias
O projeto está presente em pontos de desembarque no Arquipélago de Alcatrazes, no Parque Estadual Marinho da Laje de Santos e na Ilha da Queimada Grande, onde são realizadas entrevistas com os mergulhadores. Cerca de 500 já responderam o questionário, enquanto 144 operações de mergulho receberam uma apresentação sobre o “Viu raia?” e orientações sobre a identificação das espécies.
A bióloga e pesquisadora Luiza Chelotti é a responsável pelas entrevistas, que foram bem-recebidas entre quem mergulha nas ilhas. “O pessoal se anima em responder, faz questão de nos mostrar fotos. Essa educação ambiental vem de forma natural, a partir do interesse deles de aprender sobre os animais”, relata.
Dados preliminares do projeto indicam a ocorrência de dez tipos de raias na região, com maior número de avistamentos nos meses de abril e maio e nas águas da Laje de Santos, em que a amostragem é semanal. Para um retrato mais preciso, é necessário seguir monitorando – principalmente em um cenário de mudança climática.
“A gente tem que repetir para saber se este foi um ano atípico ou então confirmar a ocorrência e abundância das raias nas ilhas”, explica Luiza.
Conhecer para preservar
Os animais elasmobrânquios (com esqueletos de cartilagem) como os tubarões e raias desempenham papéis importantes na manutenção do ecossistema marinho, principalmente por meio do controle populacional de suas presas.
Além de entender melhor onde e quando aparecem as raias e trocar conhecimentos com os frequentadores dos locais estudados, faz parte dos objetivos dos pesquisadores utilizar os dados para aumentar a conscientização da importância da preservação dos animais.
Os pesquisadores relatam que recebem pelas redes sociais registros feitos por canoístas, remadores e mesmo banhistas que encontram os animais nas praias. “A gente começou a mobilizar uma rede de ‘cidadãos cientistas’ que colaboram com o projeto”, diz Fábio.
Os dados coletados se tornam instrumentos para gestores e qualificam a formulação de políticas e ações de preservação ambiental: periodicamente, os dados são apresentados aos conselhos das três unidades de conservação em que a pesquisa ocorre.
As informações também são úteis para o turismo, já que indicam locais promissores para quem quer ver as raias: segundo levantamentos da Unifesp, elas estão entre os animais preferidos para avistamento por mergulhadores.
Para uma segunda etapa do projeto, ainda não implantada, está sendo planejado um sistema de pagamento por serviços ambientais (PSA) em que pescadores artesanais que devolvam à natureza raias capturadas vivas sejam remunerados.
O “Viu raia?” é realizado em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e recebe o apoio da ONG Instituto Linha D’água.
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