Cientistas e extrativistas se unem em projeto para preservar manguezais no Pará

Amazônia tem maior faixa contínua desse tipo de bioma no mundo; ideia é chegar a um plano de manejo para a área

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Por Eduardo Geraque
Atualização:

Não há nada no planeta comparado com os manguezais amazônicos, que recobrem boa parte da costa do Maranhão, do Pará e do Amapá. Em alguns lugares, existem árvores de até 30 metros de altura e um metro de diâmetro. A área de 7 mil km² da vegetação fundamental para a sobrevivência dos oceanos, cortada pelo gigante Rio Amazonas, forma a maior faixa contínua desse tipo de bioma do mundo.

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As surpresas sobre os manguezais amazônicos vão além, como explica Marcus Fernandes, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA): trata-se de um ecossistema ainda muito bem preservado, apesar de também sofrer pressões de vários tipos. Um projeto de parceria entre pesquisadores da instituição e extrativistas tem o objetivo de garantir essa conservação.

Estudo feito por pesquisadores do Instituto de Geociências da UFPA, coordenado por Pedro Walfir, identificou que 75% dos manguezais brasileiros estão com a vegetação inalterada há pelo menos duas décadas. O indicador é bastante influenciado pelos manguezais amazônicos, que representam 80% da área total que o ecossistema ocupa em nível nacional.

Plantio de mudas do projeto Mangues da Amazônia; meta é 60 mil unidades até o 1º trimestre de 2023 Foto: San Marcelo

Os outros 20%, espalhados pelo Sudeste e pelo Nordeste, se encontram em situação bem mais crítica. Principalmente por causa do desmate, atrelado a atividades como especulação imobiliária e uso da terra para o funcionamento de grandes fazendas de camarão.

“Nosso projeto em curso na costa do Pará visa principalmente a manter a sustentabilidade da região. Temos visão transversal do problema. É preciso preservar o mangue e também garantir que as atividades das populações locais, como a extração de caranguejo, que sustenta muitas famílias, continuem”, afirma Fernandes.

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Trabalho desenvolvido é atrelado a comunidades tradicionais e aos catadores de caranguejo Foto: San Marcelo

Cerca de 89% dos manguezais da costa amazônica estão em unidades de conservação, segundo dados de 2020 compilados pelo MapBiomas, que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. Essa alta proporção do território em áreas de proteção ajuda no objetivo de manter a região preservada.

Tanto que, em termos geográficos, o projeto Mangues da Amazônia, iniciativa da UFPA com apoio do Instituto Peabiru e patrocínio da Petrobras, vai focar suas atividades em três reservas extrativistas (Resex) marinhas na região. Aproximadamente 1,6 mil pessoas serão diretamente impactadas pelas ações direcionadas para as Resexs Mar de Araí-Peroba, na cidade de Augusto Corrêa; Mar de Caeté Taperaçu, no município de Bragança; e Mar de Tracuateua, em Tracuateua. As três reservas englobam uma área de 10 hectares.

“Todo nosso trabalho é muito atrelado às comunidades tradicionais, aos pescadores e aos catadores de caranguejo. Eles nos ajudam muito por conhecerem bem o local”, explica Fernandes, que é biólogo. Segundo ele, as atividades do projeto vão caminhar em várias frentes. “Estamos agora mapeando as áreas mais usadas pelos extrativistas para a exploração do caranguejo e, também, onde ocorre extração de madeira, usada principalmente para fazer os cercos de pesca.” O replantio de mudas de espécies de mangue em áreas degradadas também está em curso. A ideia é, até o 1º trimestre de 2023, fazer o plantio de 60 mil mudas.

Cerca de 89% dos manguezais da costa amazônica estão em unidades de conservação, segundo dados de 2020 compilados pelo MapBiomas.O replantio de mudas de espécies de mangue em áreas degradadas também está em curso Foto: San Marcelo

Apesar de as regras de uma reserva extrativista permitirem que a área seja usada para algumas atividades, principalmente pelos moradores da região, há regras bem definidas que não podem ser desrespeitadas. Por isso, todo o trabalho desenvolvido no litoral do Pará tem como objetivo, no longo prazo, manter a sustentabilidade da região. “Esse é um projeto que vai durar aproximadamente mais um ano. Nossa intenção é conseguir chegar a um esboço de um plano de manejo para a área, que poderá depois ser melhor desenvolvido e até implementado”, acrescenta Fernandes.

O cientista já trabalha para obter mais recursos com a intenção de esticar ainda mais a vida útil das pesquisas. Uma das grandes pressões já identificadas pelos pesquisadores, que não pode ser negligenciada, são os projetos de infraestrutura para a região. A construção de estradas, até mesmo as pequenas obras, incluindo as vias sem asfalto, gera grande prejuízo ambiental para os manguezais do Pará.

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Conforme os pesquisadores do Lama, com décadas de experiência em estudos ambientais na região, o melhor caminho para que se atinja uma solução ambiental robusta no litoral do Pará é aquele que une ciência e conhecimento tradicional. “É não apenas aqui para o nosso litoral, mas para outras partes do País e até do mundo”, acredita Fernandes.

A ideia é, até o 1º trimestre de 2023, fazer o plantio de 60 mil mudas Foto: San Marcelo

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Tanto que os planos não se limitam às questões socioambientais dentro das próprias reservas extrativistas. Eles miram também outra área bastante sensível. Faz também parte do escopo dos idealizadores do projeto atuar de forma maciça com as crianças e jovens da região, por meio da educação pública, em instituições de ensino que podem ser gestadas pelas próprias comunidades.

“Um dos grandes sonhos é também fazer a Casa do Mangue, que seria um lugar de pesquisa ambiental dentro do próprio manguezal”, admite Fernandes. Um observatório natural que, quem sabe, pode até ser usado para estudar as espécies de primatas que habitam os manguezais da Amazônia, além das grandes garças e guarás.

Segundo dados do Mapbiomas, entre 2000 e 2020, as ações antrópicas diretas foram responsáveis por 13% das mudanças na vegetação dos manguezais do Nordeste e do Sudeste. A produção de sal e a criação de camarão são problemas ambientais importantes. De 1985 a 2020, a área de aquicultura e salicultura teve salto de 39% segundo o Mapbiomas: de 36 mil hectares para 59 mil hectares. Já os apicuns rcuaram 12% entre 2000 e 2020, passando de 65 mil hectares para 57 mil hectares. Os apicuns são planícies hipersalinas intimamente interligadas com os manguezais, porque são sobre essas áreas que a vegetação típica de mangue cresce.

“O problema que merece mais destaque hoje é a expansão do turismo, principalmente no litoral norte de Alagoas, em regiões do Ceará e da Bahia. É um processo muitas vezes ilegal que acaba aterrando todo o manguezal”, afirma o biólogo Clemente Coelho Junior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE). O impacto das fazendas de camarão, apesar de ainda estar presente, é mais indireto, por causa dos efluentes que são lançados muitas vezes sem tratamento no ambiente em épocas do ano em que os tanques são trocados.

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Coelho Junior ainda cita outras ameaças para os manguezais. “A expansão da atividade portuária e a construção de infraestrutura como estradas e rodovias, se feitas de forma desorganizada, também estão ajudando a colapsar os manguezais. E outro fator de pressão é a questão do aumento da pobreza”, explica.

Segundo o pesquisador, principalmente no Nordeste, onde 80% da produção pesqueira é artesanal, vem ocorrendo sobreexploração dos recursos naturais dos manguezais e estuários. “Com o aumento da miséria, muitas comunidades voltam a recorrer ao mangue para obtenção de fontes de proteína animal”, diz Coelho Junior.

“Na verdade, o fato de o Norte ter manguezais mais bem preservados precisa ser relativizado. Além de serem áreas gigantescas, muitas têm baixa ocupação populacional” ressalta o biólogo. “No litoral sul de São Paulo, por exemplo, o município de Cananéia tem manguezais tão bem preservados, prístinos mesmo, assim como no Norte do País”, conclui.

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