Porto Alegre vê cheia recorde do Guaíba, blecaute e 66 bairros podem ficar sem água; aeroporto fecha

Marca de 1941 foi ultrapassada na noite desta sexta-feira, 3, na capital gaúcha; Rio Grande do Sul enfrenta seu pior desastre climático

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Foto do author Priscila Mengue
Foto do author Caio Possati
Por Priscila Mengue, Caio Possati e Eduardo Amaral
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O nível do Rio Guaíba, em Porto Alegre, bateu recorde (5,08 metros) entre a noite desta sexta-feira, 3 e a manhã deste sábado, 4. É a maior marca já registrada na capital gaúcha, superando a cheia histórica de 1941, com 4,76 metros. O Rio Grande do Sul enfrenta seu pior desastre climático, com 55 mortes confirmadas e outras sete em investigação, sobre as quais o governo diz que apura se estão relacionadas ao evento meteorológico, além de 74 desaparecidos.

Imagens aéreas mostram estragos causados pelas águas que invadiram o centro de Porto Alegre Foto: Renan Mattos/Estadão

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A medição de 5,08 metros foi registrada às 11 horas da manhã (a cota de inundação é de 3 metros). A expectativa é que o nível continue a subir. As águas do Guaíba já alagaram vias do centro histórico e também a rodoviária. Nas redes sociais, moradores compartilharam imagens de baratas, saídas dos bueiros, que se espalharam pelas ruas centrais.

A cidade também registra blecautes - 54 mil moradores sem luz, segundo balanço da CEEE Equatorial pela manhã - e risco de desabastecimento de água em dezenas de bairros.

O Aeroporto Salgado Filho suspendeu operações por tempo indeterminado. O acesso a Porto Alegre pela BR-116 está interrompido. Segundo a prefeitura, quase duas mil pessoas passaram a noite em abrigos em Porto Alegre.

Na manhã deste sábado, o prefeito Sebastião Melo (MDB) pediu a saída de moradores de mais um bairro, o Sarandi, após as águas extravasarem do dique do Rio Gravataí. Os moradores têm saído às pressas.

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Estamos tentando uma carona para levar a gente com pertences pessoais, como roupas, para um bairro mais alto”, disse ao Estadão o comerciante Felipe da Silva, que precisa sair da casa onde vive com os pais no Sarandi. O Exército e os bombeiros, além de voluntários, têm ajudado na remoção.

Enchente no entorno do Cais Mauá, no centro histórico de Porto Alegre Foto: Cesar Lopes/PMPA

Por todo o Estado, diversas áreas ficaram ilhadas, com dificuldade de acesso terrestre e até de resgate por aeronave. O rompimento de barragens - como uma estrutura perto de Bento Gonçalves - ameaça municípios em várias regiões.

Neste fim de semana, a chuva avança em direção a Santa Catarina, que teve uma morte confirmada. Para especialistas, a ocorrência de eventos extremos - como tempestades, secas severas e ondas de calor - vai se intensificar em todo o Brasil com a piora do aquecimento global.

Bairros podem ficar sem água em Porto Alegre

Com a inundação do Guaíba, só duas das seis estações de tratamento de água do sistema do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) estão funcionando. Isso ocorre após o alagamento das estações de bombeamento de água bruta (Ebabs), responsáveis pela captação da água para tratamento. Não há previsão de retomada da operação.

“É fundamental que não haja desperdício de água. Não dá para desperdiçar um copo de água, neste momento. Tem milhares de pessoas que não têm caixas d’água na cidade”, alertou o prefeito.

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“Estamos tentando isolar um pouco as bombas para que a gente consiga religar principalmente a estação de São João, que abastece toda a zona norte de Porto Alegre. Por isso, é preciso focar no racionamento de água”, diz Maurício Loss, diretor-geral do Dmae.

“A partir do momento que o nível do Rio Guaíba continua subindo, e nosso problema é que alguns dos nossos pontos de captação de água são muito próximos do Guaíba, esses pontos estão sendo inundados, o que impossibilita a captação da água para posterior tratamento”, explica.

Veja aqui a lista completa de bairros que poderão ficar sem abastecimento.

Plano de Evacuação

Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontam a necessidade de preparar um plano de evacuação para diversos bairros das proximidades da orla do Lago Guaíba, nas zonas norte, sul e central, inclusive nas proximidades do Aeroporto Salgado Filho, na capital do Rio Grande do Sul, que suspendeu as operações na noite desta sexta.

A recomendação era de ampliar a evacuação assim que o Guaíba chegasse a 5 metros. A prefeitura já recomendou a saída da população do centro histórico, das ilhas e do 4º Distrito — antiga área industrial que abrange os bairros Floresta, Navegantes, Humaitá, São Geraldo e Farrapos. Bloqueios foram feitos em alguns acessos. Também foram retirados moradores de outros pontos da cidade.

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O Guaíba pode colapsar o sistema de contenção contra cheias (que inclui comportas, muro, vias elevadas e bombeamento de água), pois há registros de problemas. A estrutura é um dos motivos pelos quais as águas não avançaram ainda mais.

Professor do IPH, o engenheiro ambiental Fernando Mainardi Fan explica que a recomendação de evacuação é uma medida de segurança. Isso porque um eventual rompimento do sistema geraria um avanço muito rápido das águas pela cidade.

“A gente teme que o sistema não seja suficiente, que possa ocorrer alguma falha nele e a água entrar”, aponta o professor. “(A evacuação seria) Uma medida de segurança, para proteger a vida das pessoas e os patrimônios mais valiosos”, continua.

Como a cidade nunca teve inundação neste patamar desde antes das obras antienchente, dos anos 1970, e foram registrados alguns problemas no bombeamento da água (gerando refluxo pelos bueiros e causando alagamentos), há dúvidas sobre o quanto o sistema irá suportar.

Porto Alegre enfrentou dias seguidos de chuva, mas não há precipitação na manhã deste sábado. Mas o Guaíba, porém, recebe alto volume de água também de outros importantes rios do Estado, como o Taquari, um dos mais afetados nos últimos dias. Pelo menos 235 municípios gaúchos foram atingidos.

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Porto Alegre enfrenta dias seguidos de chuva, enquanto o Guaíba recebe um alto volume de água também de outros importantes rios do Estado, como o Taquari Foto: Cesar Lopes/PMPA

O próprio governador Eduardo Leite (PSDB) mostrou que o Estado tem avaliado o prognóstico dos pesquisadores da UFRGS. “Vai ser ser precedentes, esqueçam tudo o que já piram de pior em alagamentos em enchentes: vai ser muito pior aqui, na região metropolitana (de Porto Alegre)”, disse em vídeo publicado nas redes sociais. “O dique e o muro serão colocados à prova neste momento crítico.”

Em conjunto com o também professor Rodrigo Paiva e o engenheiro Matheus Sampaio (da Rhama Analysis), o pesquisador divulgou o novo prognóstico. O material é acompanhado de um mapa com as possíveis áreas mais vulneráveis no caso de um eventual colapso do sistema de drenagem, baseadas na enchente recorde da cidade, de 1941, com 4,76 m.

A maioria envolve as quadras mais próximas do Guaíba, o que contempla as zonas sul, central e norte, como os bairros Praia de Belas, Cidade Baixa, Menino Deus, Tristeza, Assunção, Serraria e outros. Nesses locais, vivem mais de 140 mil pessoas em 77 mil domicílios, segundo o IBGE. Também estão parques, hospitais, shoppings, centros culturais, escolas e diversos espaços do serviço público.

Entre os locais, estão alguns dos pontos mais importantes e marcantes da cidade, tais como a sede da prefeitura, o Parque Marinha do Brasil, a Fundação Iberê Camargo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Câmara Municipal, o Estádio Beira-Rio (do Internacional), a Arena do Grêmio, o Centro de Eventos da Fiergs, o Aeródromo de Belém Novo, a Reserva Biológica do Lami e outros.

O mapa abaixo foi elaborado pelo IPH. A ferramenta mostra as áreas com maior potencial de serem atingidas pelas águas caso o sistema de controle de enchentes entre em colapso. A projeção considerou as áreas afetadas na então maior enchente da cidade, de 1941 (na cor roxa).

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Veja abaixo respostas do professor Fernando Mainardi Fan, da UFRGS, sobre os motivos da enchente e a situação em Porto Alegre.

Por que o nível do Guaíba subiu tão rápido? E por que as cheias em outras áreas interferem nisso?

Porto Alegre está localizada às margens do Guaíba. A cidade se desenvolveu em direção ao Guaíba, inclusive aterrando algumas partes. A localização geográfica, em termos de Estado, faz com que Porto Alegre esteja rio abaixo de muitas outras regiões e rios importantes (como Taquari, por exemplo). Então, sempre que dá uma grande chuva na região central ou noroeste do Rio Grande do Sul, essas águas descem e vem em direção ao Guaíba, elevando os níveis. Neste caso, aconteceram chuvas extremas na região central do Estado, o que fez com que os níveis se elevassem de forma muito acentuada no Guaíba.

As duas inundações do ano passado indicaram um pouco quais são os gargalos e medidas a serem tomadas?

As duas inundações do ano passado serviram como aprendizado, especialmente para a previsão de níveis de vazões e para a tomada de medidas de prevenção. Mas, como foram muito recentes, nem todas medidas e planos conseguiram ser implementados. Tivemos uma cheia em setembro, uma em novembro e, agora, de novo, em maio.

Por que há a recomendação de uma maior evacuação de áreas quando o Guaíba chegar a 5 metros?

Quando falamos em evacuação, estamos sendo justamente temerários de que o sistema não seja o suficiente, que possa ocorrer alguma falha nele e, aí, a água entrar. Ou, inclusive, das previsões estarem um pouco abaixo e nossos níveis ficarem acima dos previstos, o que é pouco provável, mas são situações que podem acontecer. Por isso, damos essa sugestão de, chegando agora nos 5 metros, uma atuação mais efetiva de evacuação de áreas possivelmente afetadas. Uma medida de de segurança, para proteger a vida das pessoas e os patrimônios mais valiosos.

Porto Alegre está com pontos de refluxo de água pelos bueiros. Isso é um ponto de atenção nessa situação? Por que ocorre?

Quando a gente faz um sistema de diques de proteção, não deixamos a água entrar, mas essa água também não sai. Como a água não sai, temos que fazer sistemas que bombeiam a água para fora. Esses sistemas podem falhar e aí temos esse refluxo de água pelos bueiros. E é isso que está acontecendo: alguns pontos apresentam falhas, que precisam ser corrigidas emergencialmente, senão vamos ter uma inundação da cidade através desses pontos de falha, da água do Guaíba entrando dentro da cidade pelos pontos de falha.

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