A possível participação do papa Francisco na conferência climática COP-28, que acontece entre 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, causa expectativa entre ambientalistas e no clero brasileiro. Se confirmada, será a primeira vez que um pontífice participará de uma conferência da ONU sobre mudanças climáticas desde seu início, em 1995.
Conforme a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a disposição do papa em participar da conferência é a demonstração de uma preocupação legítima com a maior criação divina que é a vida. A CNBB vê também a questão amazônica, muito cara ao papa, voltando ao foco mundial.
Francisco depende de alvará médico para viajar a Dubai. Embora sem abrir mão de sua agenda no Vaticano, o pontífice tem usado uma bengala e uma cadeira de rodas devido a dores no joelho.
Desde que adotou o nome do santo patrono dos animais e do meio ambiente, o papa Francisco fez do meio ambiente uma das marcas de seu papado. Seu pontificado tem dado contribuições importantes à causa ambiental, como a publicação do primeiro documento pontifício dedicado à ecologia, a encíclica Laudato Si, publicada em 2015.
Para a CNBB, a ida à COP realçaria o papel de liderança mundial que o papa já exerce na defesa do meio-ambiente.
“O papa fala não apenas aos católicos, mas a uma comunidade mais ampla. É importante ressaltar que o pontífice tem uma assessoria de cientistas de primeira linha. A Laudato Si é um importante documento de referência e está passando por uma atualização. Há que se ressaltar ainda a relevância que o papa dá ao ‘cuidado’ e à espiritualidade”, disse a instituição presidida pelo arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler.
De acordo com a CNBB, a Igreja no Brasil sempre se preocupou com o cuidado com o meio-ambiente e o futuro do planeta e, nos últimos anos, tem oferecido grandes contribuições sobre o tema. “A CNBB tem se manifestado em defesa do meio ambiente e das populações tradicionais e povos originários, que são os principais defensores do meio ambiente e das florestas brasileiras”, disse.
Para o presidente da Comissão Especial da Amazônia da CNBB, dom Gilberto Pastana, Arcebispo de São Luís (MA), a presença do papa terá um significado importante por ele ser o portador de muitos desafios ambientais mundiais, como a poluição, as mudanças climáticas, escassez de água e perda da biodiversidade.
Ele lembra que o papa tem atuado no combate às desigualdades sociais. “Ele representará para nós brasileiros todo o esforço evangelizador que a Igreja vem fazendo na defesa dos povos originários na Amazônia, como também as grandes causas que estão na origem dos problemas do planeta, a raiz da crise humana”, disse.
Esses temas também são caros para a Igreja no Brasil. Só nas duas últimas décadas, seis Campanhas da Fraternidade, movimento nacional que propõe reflexões sobre determinados temas em todas as dioceses e paróquias do país, focaram as questões ambientais.
Nas mais recentes, em 2017, o tema foi Fraternidade – Biomas Brasileiros e a Defesa da Vida, e em 2020, Fraternidade e Vida – Dom e Compromisso, com abordagem dos cuidados com a “casa comum”, o planeta.
O olhar da Igreja brasileira sobre a crise ambiental do País deu origem a um trabalho que resultou na criação das pastorais do Meio Ambiente nas dioceses brasileiras.
O Sínodo da Amazônia, em 2019, foi convocado pelo papa Francisco para discutir os direitos dos povos dessa região predominantemente brasileiro e também o reconhecimento do papel do bioma para o equilíbrio do planeta. O conclave discutiu o direito ao desenvolvimento desta região aliado à tutela dos povos indígenas e de seus territórios.
Francisco instituiu na Igreja Católica, em 2015, a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. Esse dia, celebrado em 1º de setembro, recorda que a crise ambiental deve ser preocupação de todos.
No dia 4 deste mês, o papa lançou a exortação apostólica “Laudate Deum” (Louvado Seja Deus), com novo apelo pela proteção do meio ambiente e cuidado com o avanço do aquecimento global.
Investimento na temática se destaca
Para o sociólogo Renan William dos Santos, especialista em questões ambientais e religião, ainda que o papa Francisco não tenha feito nenhuma revolução simbólica nos enquadramentos católicos sobre a pauta ambiental, o forte investimento organizacional nessa temática iniciado durante seu papado é algo que realmente se destaca. “O impulso fornecido pela Santa Sé, contudo, precisa passar por um longo percurso para chegar à ponta, isto é, às igrejas locais”, disse.
Na avaliação de Santos, doutor em sociologia pela USP, para que a Igreja possa influir de forma significativa nesse debate, o tema ambiental precisa adquirir mais saliência na hierarquia dos valores religiosos. “Temas como aborto, eutanásia, ideologia de gênero ainda sufocam pautas como a ambiental e concentram boa parte da pouca mão de obra que se engaja a partir da Igreja. Em muitos casos, os próprios discursos sobre ‘cuidados da natureza’ acabam se convertendo em eufemismos para defender pautas católicas tradicionais. Basta lembrar que a ideia de ecologia integral também envolve a preservação da ‘natureza interna’ contra uma série de perversões ou daquilo que a Igreja considera como ‘poluição moral’”, disse.
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