Em Belém, o Parque Estadual do Utinga é uma área de proteção ambiental com 1,3 mil hectares de floresta em plena metrópole amazônica. É também o lar de cerca de uma dezena de ararajubas.
Endêmicas da floresta brasileira, as aves de penas amarelas e verdes desapareceram da paisagem belenense há cerca de um século, sendo consideradas extintas na região metropolitana. Desde 2017, porém, um projeto de conservação ambiental vem reintroduzindo as ararajubas no parque: 50 delas já foram soltas no local.
“A reintrodução tem chance maior de dar certo se pudermos acompanhar e monitorar os bichos, então fazemos o possível para que elas fiquem no parque, que é uma área protegida”, diz Marcelo Vilarta, biólogo de campo responsável pela soltura e monitoramento das aves. “Mas é esperado que algumas vão para mais longe e não voltem mais.”
Por seu bonito padrão de cores, a ararajuba se tornou valiosa e visada para a captura, seja como animal de estimação ou para a venda no tráfico ilegal. A exploração vem de longa data: o jesuíta Fernão Cardim chegou a registrar, ainda no período colonial, que a ave valeria o mesmo preço que dois escravizados.
Além disso, as ararajubas são vítimas da perda de habitat provocada pelo desmatamento. “A região de Belém, foi uma das primeiras a serem devastadas aqui na Amazônia e também sofreram muito com essa pressão”, afirma o biólogo.
Atualmente, a maior parte da população dessas aves está concentrada no interior e sul do Pará, onde a expansão do agronegócio vem avançando sobre a floresta, o que reforça a importância do projeto. “É uma espécie que já é ameaçada e tende a ficar mais ainda”, complementa.
Vilarta prevê a soltura de uma nova leva de ararajubas até o final do ano. O projeto é uma parceria entre o Ideflor-Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade), órgão de proteção ambiental do Estado do Pará, e a Fundação Lymington, organização que há 20 anos reproduz em criadouro espécies de psitacídeos, família dos papagaios e araras, para reinseri-los na natureza.
Ele é financiado com recursos do Fundo de Compensação Ambiental, no qual empresas são obrigadas por lei a depositar um pagamento para contrabalançar danos causados ao meio ambiente.
Do interior de SP à Amazônia
As ararajubas soltas no Utinga vêm de longe: elas nascem no criadouro da Fundação Lymington em Juquitiba (SP), no Vale do Ribeira, região de São Paulo e Paraná que abriga a maior área preservada de Mata Atlântica do Brasil.
Normalmente, os filhotes são levados para Belém com um ano e meio a dois anos de idade, mas esse tempo pode variar, assim como o ritmo de reprodução dos casais em cativeiro. Viajam de carro e avião até chegar ao Utinga, onde ainda precisam aprender tudo sobre a vida livre antes de serem soltos no parque. As aves passam cerca de seis meses em um grande viveiro no parque antes de serem soltas.
Vilarta explica que o viveiro “é onde eles se aclimatam com a área, recebem as comidas nativas para saber como se alimentar na natureza, têm contato indireto com os animais da área, observam e aprendem o que é perigoso para eles, como devem reagir”. A ideia dessa aclimatação é que as aves façam uma transição segura para a vida livre.
Isso inclui se desacostumar à presença humana, já que quando são muito dóceis tendem a ser capturadas mais facilmente. Uma vez soltas, o trabalho do biólogo continua, mas à distância.
A gerente de biodiversidade do Ideflor-Bio, Mônica Furtado, destaca como a área de proteção ambiental permitiu a execução do projeto:
“O Parque Estadual do Utinga é uma unidade de conservação de proteção integral, o que propicia o sucesso adaptativo da espécie. [As aves] encontram ali disponibilidade alimentar de espécies amazônicas como açaí, murici, que têm ocorrência bastante ampla no parque. Isso tem sido primordial para que a ararajuba possa voltar a povoar o céu da nossa cidade”, diz ao Estadão.
Segundo ela, o viveiro das ararajubas no parque também cumpre um papel de educação ambiental – recebe visitas de grupos escolares e universitários e é foco de algumas atividades voltadas aos frequentadores do Utinga. O projeto envolve a população no monitoramento das aves, incentivando as pessoas a notificarem quando avistam uma delas fora dos limites do parque.
Um ouvido treinado
“Fico o dia inteiro com as ararajubas, tanto monitorando as que estão soltas quanto preparando as novas para reintrodução”, conta o biólogo Marcelo Vilarta, que se mudou de Campinas para Belém em 2017 para assumir esse trabalho de acompanhamento.
É ele quem observa os filhotes dia após dia e que sabe quando estão prontos para serem soltos. Além disso, realiza a difícil tarefa de monitorar as ararajubas quando saem do parque para se aventurar na cidade.
Para isso, são usados equipamentos de telemetria que indicam a localização dos bichos, mas, na prática, eles têm eficácia limitada em áreas de floresta densa. A isso soma-se o fato de que os psitacídeos frequentemente são capazes de arrancar os transmissores com o bico. A solução é um monitoramento mais “analógico”, no qual Vilarta acompanha os pássaros pelo parque e pela cidade.
“Sigo o grupo quando eles saem, observo onde estão indo, tento marcar todos os pontos de ocorrência. Faço isso olhando e principalmente ouvindo, porque eles são muito barulhentos, a gente ouve mais do que vê”, relata.
Não é um trabalho simples, já que as ararajubas muitas vezes voam para mais longe do que o biólogo consegue ir. Mas, por acompanhá-las há anos, ele conhece sua rotina e consegue prever onde estão a cada momento do dia.
O ouvido de Vilarta é tão treinado para identificar as ararajubas que, certa vez, ele foi capaz de descobrir pelo som que uma delas estava sendo mantida ilegalmente em uma casa próxima ao parque.
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