Como criar ‘cidades azuis’: exemplos de ações para impedir que o mar engula as praias

Publicação reúne iniciativas exitosas no combate à erosão costeira, que tende a se agravar com o avanço das mudanças climáticas

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Por Vanessa Fajardo

As respostas para a resiliência climática das cidades, que podem minimizar os impactos de ondas de calor ou chuvas extremas, estão no próprio meio ambiente. Restauração e proteção de habitats naturais, como praias e dunas, manguezais, banco de ostras, recifes de corais, além do realinhamento da costa, construção de muros e pilares vivos, parques e vias verdes são algumas das soluções baseadas da natureza que podem ajudar na adaptação para a crise climática.

Algumas dessas iniciativas implementadas dentro e fora do Brasil foram listadas na publicação Cidades Azuis: Soluções Baseadas na Natureza para a Resiliência Climática Costeira, lançada no fim de 2024 pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, com o objetivo de inspirar políticas públicas.

Restauração de dunas nas praias de Ipanema e Leblon, no Rio de Janeiro, fez parte das intervenções para a proteção costeira  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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“Nas últimas décadas, viemos de um modelo onde as soluções eram tecnológicas e de engenharia dura. Isso nos levou a muitos problemas. Basta olhar como a natureza funcionaria sem intervenção humana e respostas estão ali”, diz o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e secretário executivo da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica.

A aliança é uma rede formada por gestores públicos e representantes da sociedade civil e iniciativa privada engajada em promover a cultura oceânica para o desenvolvimento sustentável. Seu trabalho está relacionado à Década do Oceano, de 2021 a 2030, conforme definiu a Organização das Nações Unidas (ONU).

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Iniciada em 2009, a regeneração da restinga na orla das praias de Ipanema e Leblon, no Rio de Janeiro, feita pelo Instituto-E, por meio de uma parceria com a prefeitura, é uma das soluções baseadas na natureza citadas.

As áreas que até o início dos anos 1970 eram preenchidas por vegetação abundante estavam completamente degradadas pela ação humana antes da atuação do Instituto-E. “Até os anos 1960 era possível ver a consistência da vegetação de restinga das dunas. Já há 15 anos, ao caminhar pela calçada de Ipanema, o que se via era parede de concreto, encanamento com resto de bloco, pedra, lixo”, lembra Oskar Metsavaht, presidente e fundador do Instituto-E.

Apoiado por biólogos do Jardim Botânico, Metsavaht fez levantamento sobre a vegetação de restinga e, após parceria com a prefeitura, a restauração foi iniciada. “Ipanema é um ícone da cultura brasileira, símbolo do encontro da natureza de uma cidade cosmopolita. O que nós cariocas e turistas do mundo inteiro víamos ali era uma praia mal cuidada e árida.”

Entre as ações do Instituto-E, estão a criação de 28 canteiros de restinga, remanejamento de área de 6 mil m² para as dunas e o plantio de cerca de 40 mil mudas de espécies nativas. Parte do cultivo envolve alunos das redes públicas e privadas da zona sul, escoteiros e outros grupos da sociedade civil.

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A orla carioca voltou a florescer e atraiu corujas, que fazem ninhos em meio à vegetação. A recuperação da restinga contribui, ainda, com a diminuição da erosão da praia e queda da temperatura ao redor.

Depois do exemplo carioca, a iniciativa deve ser replicada. Há praias mapeadas para projetos-piloto em Recife e Florianópolis.

Restauração de corais com biotecnologia

No Nordeste, a conservação de corais por meio da biotecnologia também tem trazido resultados positivos nas praias de Porto de Galinhas e Tamandaré, em Pernambuco, e Maragogi, em Alagoas. A Biofábrica de Corais restaura recifes de coral degradados, coletando fragmentos danificados que são reintroduzidos no ambiente marinho depois de serem tratados.

Os fragmentos ficam em uma espécie de “berçário” até chegarem à fase adulta. Os corais crescem cerca de um centímetro a cada três meses e demoram um ano para se tornarem saudáveis. Bases produzidas em impressora 3D apoiam seu crescimento. Mais de mil fragmentos foram tratados e recuperados desde 2017.

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Além do Brasil, tecnologia de criogenia para a preservação dos corais também tem sido usada no Havaí (EUA), no México e em Taiwan. Foto: Divulgação/Projeto Reefbank

Educação ambiental

Um dos grandes impactos da mudança do clima é o aumento do nível do mar, o que se torna um problema, especialmente, para quase 55% da população brasileira que vive a até 150 quilômetros do litoral, segundo o Censo 2022.

“Uma cidade azul respeita sua sociedade a partir do olhar da importância das águas. As pessoas podem se desconectar do azul porque não moramos nele, mas precisa entender que não existe ecossistema terrestre saudável se não houver azul saudável”, diz Christofoletti

O Instituto-E também vai atuar no desenvolvimento de projetos de cultura oceânica em parceria com as confederações Brasileiras de Vela e do Surfe.

Uma das lacunas, segundo Miguel Paranaguá, diretor da organização, é a ausência de temas como educação oceânica e vegetação costeira em livros didáticos, e em editais para projetos e linhas de financiamento de leis de incentivo. “Os projetos estão mais focados na Floresta Amazônica. É claro que precisam existir, mas o oceano também deve ser contemplado”, defende.

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Engenharia ecológica em teste

Realidade no exterior e ainda em teste para chegar ao Brasil, a eco engenharia, também chamada de engenharia azul, mescla soluções da engenharia tradicional com matérias-primas de impacto positivo para o meio ambiente.

Um dos exemplos apontados por Christofoletti é o das placas que cobrem estruturas cinzas de prédios, construídos por meio de a engenharia tradicional, como se fossem azulejos, mas que têm determinados formatos ou rugosidades que beneficiam a diversidade natural.

“Ao invés de uma parede de concreto simples, há uma tecnologia que mimetiza o que seria biodiversidade natural do meio ambiente fazendo que ela se desenvolva. A Austrália reformou toda a sua costa mais urbanizada, a de Sidney, com essas placas”, conta.

Tecnologia mimetiza biodiversidade natural para a proteção costeira Foto: Reprodução via instagram/@livingseawalls

Outras soluções em fase de testagem dentro da área de engenharia de materiais são itens de construção de carbono zero produzidos a partir de rejeitos da área de mineração e placas de assentamento que, além de beneficiar a biodiversidade, ainda são capazes de remover determinados poluentes do local.

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“Periodicamente são trocadas essas placas e se consegue remover parte daquele poluente que estava no ambiente. Hoje em dia isso é possível e está sendo testado em países como os Estados Unidos”, acrescenta.

“Em uma zona costeira, por exemplo, quanto mais mantida a biodiversidade natural, mais positivamente toda a cadeia de pesca será afetada. A natureza sempre foi vista como problema ao desenvolvimento, como coisas opostas. O conceito de desenvolvimento sustentável veio para mostrar que não é bem assim.”

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