Como funciona a agrofloresta usada por comunidades da Amazônia para driblar a maior seca em 121 anos

Sistema combina em uma mesma área o plantio de árvores com cultivos agrícolas, pesca e exploração de espécies nativas

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Por Aline Reskalla

Num contexto de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, os sistemas produtivos de agrofloresta têm se mostrado uma alternativa eficaz de mitigação desse desequilíbrio, especialmente na Amazônia. Em 2023, por exemplo, foi assim que as centenas de famílias que vivem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no Amazonas, enfrentaram a maior seca em 121 anos na região, que fica no coração da floresta (a 330 km de Manaus).

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Graças a esse modelo de bioeconomia, as comunidades conseguiram minimizar os impactos da falta de água, mantendo uma produção de alimentos diversa que garantiu geração de renda e a própria segurança alimentar das pessoas que vivem ali.

Nos sistemas agroflorestais (SAFs), busca-se o equilíbrio ecológico, combinando em uma mesma área o plantio de árvores com cultivos agrícolas, pesca e exploração sustentável das árvores nativas. Delas são extraídos óleos, frutos e resinas, vendidos para o sustento das famílias.

Agrofloresta garante geração de renda e segurança alimentar a comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no Amazonas Foto: Acervo Idesam

O diretor técnico do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), André Luiz Menezes Vianna, explica que essa diversidade de produtos ajudou as comunidades a manterem uma produção durante a estiagem. “Atuamos no local desde 2006. Do sistema agroflorestal vivem 250 famílias. Mas, a reserva abriga 400 famílias que buscam compatibilizar o uso da floresta, sua conservação e também o modo de vida tradicional.”

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O impacto em uma melhor condição de vida para as populações locais é costurado por um sistema complexo de ações que tem como objetivo viabilizar a permanência delas no ecossistema. “A grande prioridade do instituto é ajudar a desenvolver cadeias de valor sustentáveis como forma não apenas de garantir naturalmente a preservação da floresta, mas, ao mesmo tempo, gerar renda e ajudar a fixar a população nesses locais”, afirma ele.

Para tanto, é necessário articular organizações de base, prestadores de serviços para as cadeias, recursos privados e, principalmente, negócios (tanto de base comunitária como tecnológicos ou graduados) que gerem produtos de maior valor agregado.

O plantio de árvores nativas é um dos elos dessa cadeia tanto por permitir a continuidade da exploração sustentável de seus co-produtos como por agirem no combate às mudanças climáticas, sequestrando grande quantidade de carbono da atmosfera. Desde 2010, o instituto plantou, em parceria com as comunidades, 50 mil árvores. Somente em março deste ano, após o início das chuvas, foram plantadas 6.000 mudas, de 19 espécies.

Combate às mudanças climáticas

De acordo com os cálculos do Idesam, cada muda que se transforma em árvore adulta corresponde a 0,3 tonelada de carbono capturada da atmosfera, o que, apenas no plantio realizado neste ano, representa 1,8 mil toneladas. Desde 2010, portanto, 15 mil toneladas de carbono foram capturadas pelo crescimento das árvores, em 20 comunidades.

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“Plantamos árvores nativas de grande porte, chamadas de madeireiras, que têm grande potencial de sequestro de carbono, e também espécies frutíferas, como o cacau, a graviola, o cupuaçu e palmeiras, como açaí e a pupunha. Nesse arranjo de plantio, no longo prazo, aquela família vai ter uma área super produtiva”, acrescenta a engenheira florestal do Idesam, Isys Nathyally de Lima Silva.

Projeto do Idesam contribui para o reflorestamento e geração de renda ás famílias participantes Foto: Acervo Idesam

A grande seca

Em Manaus, a seca de 2023 foi a pior registrada em 121 anos, e o Rio Negro baixou ao menor nível desde 1902, quando as medições começaram a ser feitas. A reserva Uatumã fica a 330 quilômetros da capital do Estado, nos municípios de São Sebastião do Uatumã e Itapiranga. Sem água, as árvores não produziram tanto quanto de costume, mas, ainda assim, destaca a engenheira florestal, as famílias garantiram sustento e renda.

Na estiagem, os barcos não chegavam a algumas regiões da Amazônia. As pessoas precisavam andar bastante, o que limitou o acesso aos alimentos. No caso do extrativismo, explica Isys, a população sabe onde encontrar as coisas, mas as árvores, no geral, estão muito longe. “Para coletar resina de breu, por exemplo, que vai gerar o óleo essencial lá na frente, eles têm que andar muito”. Agora, o breu está sendo plantado perto das casas.

A agricultora Claudirleia dos Santos Gomes, conhecida como Socorro, conta que ela e sua família viviam principalmente da produção de melancia. Hoje, cultivam outros frutos e produzem mudas para o projeto do Idesam, contribuindo para o reflorestamento da região e geração de mais renda para a família.

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“Tínhamos uma área aqui bem degradada, onde a gente trabalhava muito, todos os anos, plantava macaxeira e tirava macaxeira, e via aquele solo pobre. A gente começou a trabalhar com SAF e é maravilhoso, porque você entra nessa parte onde não nascia nem mato e hoje nós temos o solo recuperado”, diz.

Abastecidos por três viveiros, mantidos na reserva Uatumã, os plantios abrangeram 12 comunidades, apenas neste ano, durante um mês de atividades. A ação teve diferentes etapas, com preparo e enriquecimento do solo em áreas que foram desmatadas no passado e que sofreram também os impactos da grande seca de 2023.

“Cada vez eu estou tendo mais consciência e trabalho na questão de não derrubar, de cuidar, porque, se temos árvores, temos um ar puro, evitamos complicações. Com certeza, o plantio que a gente faz, com muitas mudas da floresta, contribuiu para a preservação ambiental na região.”

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